Versos de Clarice Lispector

Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.

Clarice Lispector
A Descoberta do Mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Crônica Não entender.

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Com perdão da palavra, sou um mistério para mim.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica O “verdadeiro” romance.

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Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever.

Clarice Lispector
A Hora da Estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

É tão difícil falar, é tão difícil dizer coisas que não podem ser ditas, é tão silencioso. Como traduzir o profundo silêncio do encontro entre duas almas? É dificílimo contar: nós estávamos nos olhando fixamente, e assim ficamos por uns instantes. Éramos um só ser. Esses momentos são o meu segredo. Houve o que se chama de comunhão perfeita. Eu chamo isso de: estado agudo de felicidade.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Ao correr da máquina.

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... estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda.

Clarice Lispector
LISPECTOR, C. A Paixão Segundo G.H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros.

Clarice Lispector
GOTLIB, Nádia B. Clarice: uma vida que se conta. São Paulo: Ática, 1995.

O que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós.

Clarice Lispector
A maçã no escuro. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Terei toda a aparência de quem falhou, e só eu saberei se foi a falha necessária.

Clarice Lispector
LISPECTOR, C. A Paixão Segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

A única verdade é que vivo. Sinceramente, eu vivo. Quem sou? Bem, isso já é demais.

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Nunca sei se quero descansar porque estou realmente cansada, ou se quero descansar para desistir.

Clarice Lispector
Minhas queridas. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.

Nota: Trecho de carta escrita em julho de 1946 a Tânia Kaufmann.

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Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica As três experiências.

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Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o. amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços o meu pecado de pensar.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo.

Clarice Lispector
A paixão segundo G.H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

O que importa afinal, viver ou saber que se está vivendo?

Clarice Lispector
Perto do Coração Selvagem. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1980.

Tenho várias caras. Uma delas é quase bonita, outra é quase feia. Sou um o quê? Um quase tudo.

Clarice Lispector
Visões do esplendor (impressões leves). Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.

Nota: Trecho da crônica Quase.

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O que eu sinto eu não ajo. O que ajo não penso. O que penso não sinto. Do que sei sou ignorante. Do que sinto não ignoro. Não me entendo e ajo como se me entendesse.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Crônica Mais do que jogo de palavras.

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E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior do que eu mesma, e não me alcanço.

Clarice Lispector
LISPECTOR, C. Aprendendo a viver. Rio de Janeiro: Rocco, 2004.

E o que o ser humano mais aspira é tornar-se ser humano.

Clarice Lispector
Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Ah, e dizer que isto vai acabar, que por si mesmo não pode durar. Não, ela não está se referindo ao fogo, refere-se ao que sente. O que sente nunca dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais voltar. Encarniça-se então sobre o momento, come-lhe o fogo, e o fogo doce arde, arde, flameja. Então, ela que sabe que tudo vai acabar, pega a mão livre do homem, e ao prendê-la nas suas, ela doce arde, arde, flameja.

Clarice Lispector
Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Nota: Trecho da crônica Vida ao natural.

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Perder-se também é caminho.

Clarice Lispector
LISPECTOR, C. A Cidade Sitiada. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.