Versos de Clarice Lispector
Mas de mim depende eu vir livremente a ser o que fatalmente sou. Sou dona de minha fatalidade e, se eu decidir não cumpri-la, ficarei fora de minha natureza especificamente viva. Mas se eu cumprir meu núcleo neutro e vivo, então, dentro de minha espécie, estarei sendo especificamente humana.
Suponho que este tipo de sensibilidade, uma que não só se comove como por assim dizer pensa sem ser com a cabeça, suponho que seja um dom.
Ocupei-me o tempo todo para disfarçar a saudade.
Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome. – Sou pois um brinquedo a quem dão corda e que terminada esta não encontrará vida própria, mais profunda. Procurar tranquilamente admitir que talvez só a encontre se for buscá-la nas fontes pequenas. Ou senão morrerei de sede. Talvez não tenha sido feita para as águas puras e largas, mas para as pequenas e de fácil acesso. E talvez meu desejo de outra fonte, essa ânsia que me dá ao rosto um ar de quem caça para se alimentar, talvez essa ânsia seja uma ideia – e nada mais.
Comecei a mentir por precaução, e ninguém me avisou do perigo de ser tão precavida; porque depois nunca mais a mentira descolou de mim. E tanto menti que comecei a mentir até a minha própria mentira. E isso – já atordoada eu sentia – isso era dizer a verdade. Até que decaí tanto que a mentira eu a dizia crua, simples, curta: eu dizia a verdade bruta.
Um aperto de mão comovido foi o nosso adeus no aeroporto. Sabíamos que não nos veríamos mais, senão por acaso. Mais que isso: que não queríamos nos rever. E sabíamos também que éramos amigos. Amigos sinceros.
Eu antes vivia de um mundo humanizado, mas o puramente vivo derrubou a moralidade que eu tinha? É que um mundo todo vivo tem a força de um Inferno.
Levo uma vida diária vazia e agitada. Passo o tempo todo pensando – não raciocinando, não meditando mas pensando, pensando sem parar. E aprendendo, não sei o quê, mas aprendendo. E com a alma mais sossegada (não estou totalmente certa). Sempre quis “jogar alto”, mas parece que estou aprendendo que o jogo alto está numa vida diária pequena, em que uma pessoa se arrisca muito mais profundamente, com ameaças maiores. Com tudo isso, parece que estou perdendo um sentimento de grandeza que não veio nunca de livros nem de influência de pessoas, uma coisa muito minha e que desde pequena deu a tudo, aos meus olhos, uma verdade que não vejo mais com tanta frequência. Disso tudo, restam nervos muito sensíveis e uma predisposição séria para ficar calada. Mas aceito tanto agora. Nem sempre pacificamente, mas a atitude é de aceitar.
Mas era como uma pessoa que, tendo nascido cega e não tendo ninguém a seu lado que tivesse tido visão, essa pessoa não pudesse sequer formular uma pergunta sobre a visão: ela não saberia que existia ver. Mas, como na verdade existia a visão, mesmo que essa pessoa em si mesma não a soubesse e nem tivesse ouvido falar, essa pessoa estaria parada, inquieta, atenta, sem saber perguntar sobre o que não sabia que existe – ela sentiria falta do que deveria ser seu.
E morre-se, sem ao menos uma explicação. E o pior – vive-se, sem ao menos uma explicação.
É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é.
Por que quero fazer de mim um herói? Eu na verdade sou anti-heroica. O que me atormenta é que tudo é "por enquanto", nada é "sempre".
Redondo sem início e sem fim, eu sou o ponto antes do zero e do ponto final.
Para não se traírem eles ignoravam que hoje era ontem e haveria amanhã.
De algum modo cada um de nós oferecia sua vida a uma impossibilidade. Mas era verdade também que a impossibilidade terminava por ficar mais perto de nossos dedos que nós mesmos, pois a realidade pertence a Deus.” Martim pensou depois que temos um corpo e uma alma e um querer e os nossos filhos – e no entanto o que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós.
Tudo o que não sou não pode me interessar, há impossibilidade de ser além do que se é.
Eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escandalizasse.
Sei o que é o absoluto porque existo e sou relativa. Minha ignorância é realmente a minha esperança: não sei adjetivar. (...) Olhando para o céu, fico tonta de mim mesma.
Se era inteligente, não sabia. Ser ou não inteligente dependia da instabilidade dos outros.
Recuso-me a ser um fato consumado. Por enquanto sobrenado na preguiça.
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