Versos de Clarice Lispector
No mais fino e doído de seu sentimento ela pensava: vou ser feliz.
E eu impávida finjo que não tenho dono. Pontas de cigarro apagadas eu recebo. Um dia vou pegar fogo.
Preciso aprender a não precisar de ninguém.
Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente.
Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece.
Sou fraca diante da beleza do que existe e do que vai existir.
Nasci dura, heróica, solitária e em pé. E encontrei meu contraponto na paisagem sem pitoresco e sem beleza. A feiura é o meu estandarte de guerra. Eu amo o feio com um amor de igual para igual. E desafio a morte. Eu – eu sou a minha própria morte. E ninguém vai mais longe. O que há de bárbaro em mim procura o bárbaro e cruel fora de mim. Vejo em claros e escuros os rostos das pessoas que vacilam às chamas da fogueira. Sou uma árvore que arde com duro prazer. Só uma doçura me possui: a conivência com o mundo. Eu amo a minha cruz, a que doloridamente carrego. É o mínimo que posso fazer de minha vida: aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite.
Eu escrevo para nada e para ninguém. Se alguém me ler será por conta própria e autorrisco. Eu não faço literatura: eu apenas vivo ao correr do tempo. O resultado fatal de eu viver é o ato de escrever.
Não há dúvida: pensar me irrita, pois antes de começar a tentar pensar eu sabia muito bem o que eu sabia.
Claro que se o dinheiro falta, se a saúde vacila, se o amor arma alguma cilada, seu desejo de rir será pouco. Mas combata a depressão. Cultive o bom humor, como quem cultiva um bom hábito. Esforce-se para ser alegre. Afaste os sentimentos mesquinhos que provocam o despeito, a inveja, o sentimento de fracasso, que são origem de infelicidade. Adote uma filosofia otimista, eduque-se para ser feliz.(…) Seja feliz, se quer ser bonita!
Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E também me dói quando percebo que feri.
O pior de mentir é que cria falsa verdade. (Não, não é tão óbvio como parece, não é truísmo; sei que estou dizendo uma coisa e que apenas não sei dizê-la do modo certo, aliás o que me irrita é que tudo tem de ser “do modo certo”, imposição muito limitadora.) O que é mesmo que eu estava tentando pensar? Talvez isso: se a mentira fosse apenas a negação da verdade, então este seria um dos modos (negativos) de dizer a verdade. Mas a mentira pior é a mentira “criadora”. (Não há dúvida: pensar me irrita, pois antes de começar a tentar pensar eu sabia muito bem o que eu sabia.)
O futuro é meu enquanto eu viver.
Tenho coragem? Por enquanto estou tendo: porque venho do sofrido longe, venho do inferno de amor mas agora estou livre de ti.
Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia.
É a vida? Mesmo assim ela me escaparia. Outro modo de captá-la seria viver. Mas o sonho é mais completo que a realidade, esta me afoga na inconsciência. O que importa afinal: viver ou saber que se está vivendo?
Estou cansada de pessoas e sozinha me aborreço. Eu mesma não sei o que quero.
Água-marinha? meu primeiro namoradinho tinha olhos azuis de água-marinha. Mas eu não chegava perto dele: tinha medo. Porque água quieta é água funda e me dava calafrios.
