Versos de Clarice Lispector

Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece. (...)

E morre-se sem ao menos uma explicação. E o pior – vive-se, sem ao menos uma explicação. (...)

E ter a obrigação de ser o que se chama de apresentável me irrita. Por que não posso andar em trapos (...)?

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trechos da crônica Dies irae.

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Silêncio.
Se um dia Deus vier à terra, haverá um silêncio grande.
O silêncio é tal que nem o pensamento pensa.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Há um tipo de choro bom e há outro ruim. O ruim é aquele em que as lágrimas correm sem parar e, no entanto, não dão alívio. Só esgotam e exaurem. Uma amiga perguntou-me, então, se não seria esse choro como o de uma criança com a angústia da fome. Era. Quando se está perto desse tipo de choro, é melhor procurar conter-se: não vai adiantar. É melhor tentar fazer-se de forte, e enfrentar. É difícil, mas ainda menos do que ir-se tornando exangue a ponto de empalidecer.
Mas nem sempre é necessário tornar-se forte. Temos que respeitar a nossa fraqueza. Então, são lágrimas suaves, de uma tristeza legítima à qual temos direito. Elas correm devagar e quando passam pelos lábios sente-se aquele gosto salgado, límpido, produto de nossa dor mais profunda. Homem chorar comove. Ele, o lutador, reconheceu sua luta às vezes inútil. Respeito muito o homem que chora. Eu já vi homem chorar.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Crônica Quando chorar.

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Será que Deus sabe que existe?
Acho que Deus não sabe que existe. Tenho quase a certeza de que não. E daí vem a sua veemente força.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Sobretudo no momento em que a tocara, compreendera: o que se seguisse entre eles seria irremediável. Porque quando a abraçara, sentira-a viver subitamente em seus braços como água correndo. E vendo-a tão viva, entendera esmagado e secretamente contente que se ela o quisesse ele nada poderia fazer... No momento em que finalmente a beijara sentira-se ele próprio de repente livre, perdoado além do que ele sabia de si mesmo, perdoado no que estava sob tudo o que ele era...
Daí em diante não havia escolha. (...) Sabendo disso ajudava-se a amá-la. Não era difícil.

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Vagamente pensava de muito longe e sem palavras o seguinte: já que sou, o jeito é ser. (...)
Era muito impressionável e acreditava em tudo o que existia e no que não existia também. Mas não sabia enfeitar a realidade. Para ela a realidade era demais para ser acreditada. Aliás a palavra “realidade” não lhe dizia nada. Nem a mim, por Deus.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

– O que é que se consegue quando se fica feliz?, sua voz era uma seta clara e fina.
A professora olhou para Joana. – Repita a pergunta...?
Silêncio. A professora sorriu arrumando os livros.
– Pergunte de novo, Joana, eu é que não ouvi.
– Queria saber: depois que se é feliz o que acontece? O que vem depois? – repetiu a
menina com obstinação.
A mulher encarava-a surpresa.
– Que ideia! Acho que não sei o que você quer dizer, que ideia! Faça a mesma
pergunta com outras palavras...
– Ser feliz é para se conseguir o quê?

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Enquanto escrever e falar vou ter que fingir que alguém está segurando a minha mão.
Oh, pelo menos no começo, só no começo. Logo que puder dispensá-la, irei sozinha. Por enquanto preciso segurar esta tua mão – mesmo que não consiga inventar teu rosto e teus olhos e tua boca.

Clarice Lispector
A paixão segundo G.H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Você reclama contra o meu desalento. Tem razão, Francisco, sou um pouco desalentada, preciso demais dos outros para me animar. Meu desalento é igual ao que sentem milhares de pessoas. Basta, porém, receber um telefonema ou lidar com alguém que eu gosto e minha esperança renasce, e fico forte de novo. Você na certa deve me ter conhecido num momento em que eu estava cheia de esperança.
Sabe como eu sei? Porque você diz que sou linda. Ora, não sou linda. Mas quando estou cheia de esperança, então de minha pessoa se irradia algo que talvez se possa chamar de beleza. (...)
A hora de rir há de chegar, Francisco.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Adeus, vou-me embora!

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Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Dies irae.

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Sou fraca diante da beleza do que existe e do que vai existir.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Primavera ao correr da máquina.

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Na hora do acontecimento não aproveito nada. E depois vem uma ilógica saudade.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma ideia. Cada palavra materializa o espírito. Quantas mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento. Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos pensamentos.

Clarice Lispector
Borelli, Olga. Clarice Lispector: esboço para um possível retrato. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.
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Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E também me dói quando percebo que feri.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Deus.

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No mais fino e doído de seu sentimento ela pensava: vou ser feliz.

Clarice Lispector
O lustre. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Preciso aprender a não precisar de ninguém.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Ao correr da máquina.

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Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia.

Clarice Lispector
Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Nota: Trecho do conto Amor.

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Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente.

Clarice Lispector
Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Nota: Trecho do conto Perdoando Deus.

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Alguns, bem sei, já até me disseram, me acham perigosa, Mas também sou inocente. (...) Sei, e talvez só eu e alguns saibam, que se tenho perigo tenho também uma pureza. E ela só é perigosa para quem tem perigo dentro de si. (...) Às vezes a raiz do que é ruim é uma pureza que não pôde ser.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica O vestido branco.

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E tudo isso já faz parte de um todo, de um mistério. Sou uma só. (...) Sou um ser. E deixo que você seja. Isso lhe assusta? Creio que sim. Mas vale a pena. Mesmo que doa. Dói só no começo.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Máquina escrevendo.

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