Versos de Clarice Lispector
O que é um espelho? É o único material inventado que é natural. Quem olha um espelho, quem consegue vê-lo sem se ver,quem entende que a sua profundidade consiste em ele ser vazio (...) esse alguém percebeu o seu mistério de coisa.
O tempo passa depressa demais e a vida é tão curta. Então – para que eu não seja engolido pela voracidade das horas e pelas novidades que fazem o tempo passar depressa – eu cultivo um certo tédio. Degusto assim cada detestável minuto. E cultivo também o vazio silêncio da eternidade da espécie. Quero viver muitos minutos num só minuto.
Me abrace, que no abraço mais do que em palavras, as pessoas se gostam.
Eu sou sozinha no mundo e não acredito em ninguém; todos mentem, às vezes até na hora do amor, eu não acho que um ser fale com o outro, a verdade só me vem quando estou sozinha.
E a doçura é tanta que faz insuportável cócega na alma. Viver é mágico e inteiramente inexplicável.
Então comecei uma listinha de sentimentos dos quais não sei o nome. Se recebo um presente dado com carinho por pessoa de quem não gosto – como se chama o que sinto? A saudade que se tem de pessoa de quem a gente não gosta mais, essa mágoa e esse rancor – como se chama? Estar ocupada – e de repente parar por ter sido tomada por uma súbita desocupação desanuviadora e beata, como se uma luz de milagre tivesse entrado na sala: como se chama o que se sentiu?
Porque na pobreza de corpo e espírito eu toco na santidade, eu que quero sentir o sopro do meu além. Para ser mais do que eu, pois tão pouco sou.
Dar a mão a alguém sempre foi o que esperei da alegria.
O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça – que se chama paixão.
Aliás – descubro eu agora – eu também não faço a menor falta, e até o que escrevo um outro escreveria.
E eis que de repente eles param e mudos, graves, espantados se olham nos olhos: é que eles sabiam que um dia iriam amar.
Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.
Penso que agora terei que pedir licença para morrer um pouco. Com licença – sim? Não demoro. Obrigada.
Fotografia é o retrato de um côncavo, de uma falta, de uma ausência?
Desconfortável. Não me sinto bem. Não sei o que é que há. Mas alguma coisa está errada e dá mal-estar. No entanto estou sendo franca e meu jogo é limpo. Abro o jogo. Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza.
Observo em mim mesma as mudanças de estação: eu claramente mudo com elas.
Ela sentia falta de encontrar-se consigo mesma e sofrer um pouco é um encontro.
Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade.
A violeta é introvertida e sua introspecção é profunda. Dizem que se esconde por modéstia. Não é. Esconde-se para poder captar o próprio segredo. Seu quase-não-perfume é glória abafada mas exige da gente que o busque. Não grita nunca o seu perfume. Violeta diz levezas que não se pode dizer.