Versos Antigos de Criancas
E aí aconteceu uma coisa muito engraçada. As crianças não tinham ouvido falar de Aslam, mas no momento em que o castor pronunciou o nome esse nome, todos se sentiram diferentes. Talvez isso já tenha acontecido a você em sonho, quando alguém lhe diz qualquer coisa que você não entende mas que, no sonho, parece ter um profundo significado – o qual pode transformar o sonho em pesadelo ou em algo maravilhoso, tão maravilhoso que você gostaria de sonhar sempre o mesmo sonho.
Crianças adoráveis são consideradas propriedade da raça humana. Crianças malcriadas pertencem a suas mães.
"Para as crianças, o mundo - e tudo o que há nele - é uma coisa nova; algo que desperta a admiração. Nem todos os adultos vêem a coisa dessa forma. A maioria deles vivencia o mundo como uma coisa absolutamente normal.
E precisamente neste ponto os filósofos constituem uma louvável exceção. Um filósofo nunca é capaz de se habituar completamente com este mundo. Para ele ou para ela o mundo continua a ter algo de incompreensível,
algo até enigmático, de secreto. Os filósofos e as crianças têm, portanto, uma importante característica comum. Podemos dizer que um filósofo permanece a vida toda tão receptivo e sensível às coisas quanto um bebê."
O que acontece com as crianças
Aprendi a escrever lendo, da mesma forma que se aprende a falar ouvindo. Naturalmente, quase sem querer, numa espécie de método subliminar. Em meus tempos de criança, era aquela encantação. Lia-se continuamente e avidamente um mundaréu de historia (e não estórias) principalmente as do Tico-tico. Mas lia-se corrido, isto é, frase após frase, do princípio ao fim.
Ora, as crianças de hoje não se acostumam a ler corretamente, porque apenas olham as figuras dessas histórias em quadrinhos, cujo “texto” se limita a simples frases interjeitivas e assim mesmo muita vez incorretas. No fundo, uma fraseologia de guinchos e uivos, uma subliteratura de homem das cavernas.
Exagerei? Bem feito! Mas se as crianças, coitadas, nunca adquiriram o hábito da leitura, como saberão um dia escrever?
Mas uma guerra sem razão
já são tantas as crianças
com armas na mão
mas explicam novamente que
a guerra gera empregos
aumenta a produção.
Existe alguém que está
contando com você
prá lutar em seu lugar
já que nessa guerra
não é ele quem vai morrer.
E ao me sentir ausente
Me busque novamente - e se deixes a dormir
Quando, pacificado, eu tiver de partir.
Mulher, ó mulher,
Pudesse eu recomeçar este mundo,
inventaria de criar-te primeiro,
e somente depois retiraria Adão de tuas costelas.
O Homem Escrito
Ainda está vivo ou
virou peça de arquivo
sua vida é papel
a fingir de jornal?
Dele faz-se bom uso
seu texto é confuso?
Numa velha gaveta
o esquecem, a caneta?
Após tantos escapes
arredonda-se em lápis?
Essa indelével tinta
é para que não minta
mas do que o necessário
é uma sigla no armário?
Recobre-se de letras
ou são apenas tretas?
Entrará em catálogo
a custa de monólogo?
Terá número, barra
e borra de carimbo?
Afinal, ele é gente
ou registro pungente?
A beleza da vida se multiplica cada vez
Que a gente partilha com alguém que a gente ama...
Se você quiser multiplicar a vida...
Você precisa dividi-la.
Não devo ter sociedade senão comigo
mesmo, nenhum amigo, senão Deus.
Generoso estrangeiro, adeus, sê feliz.
Adeus para sempre!
Porque haveria de me pintar como sombra e imagem numa definição quando estou diante dos vossos olhos e me vedes em pessoa?
Sou eu mesma, como vedes. (...) E que necessidade havia de vo-lo dizer? O meu rosto já não o diz bastante?
Se há alguém que desastradamente se tenha iludido, tomando-me por Minerva ou pela Sabedoria, bastará olhar-me de frente, para logo me conhecer a fundo, sem que eu me sirva das palavras que são a imagem sincera do pensamento. Não existe em mim simulação alguma, mostrando-me eu por fora o que sou no coração. Sou sempre igual a mim mesma (...)
Tarde
Na hora dolorosa e roxa das emoções silenciosas
Meu espírito te sentiu
Ele te sentiu imensamente triste
Imensamente sem Deus
Na tragédia da carne desfeita.
Ele te quis, hora sem tempo
Porque tu era a sua imagem ,sem Deus e sem tempo.
Ele te amou
E te plasmou na visão da manhã e do dia
Na visão de todas as horas...
Ó hora dolorosa e roxa das emoções silenciosas
O coração é um solo. Vale onde brotam as paixões, como os outros vales da natureza inanimada, ele tem suas estações, suas quadras de aridez ou de seiva, de esterilidade ou de abundância.
Depois das grandes borrascas e chuvas, os calores do sol produzem na terra uma fermentação, que forma o húmus, a semente, caindo aí, brota com rapidez. Depois das grandes dores e de lágrimas torrenciais, forma-se também no coração do homem um húmus poderoso, uma exuberância de sentimento que precisa expandir-se. Então um olhar, um sorriso, que aí penetre, é semente de paixão e pulula com vigor extremo.
{...)- Os compromissos rompem-se dum momento para outro.
- É exato; Ás vezes ocorrem circunstâncias que desatam as mais solenes obrigações.
Mas entre as razões que movem a conciência não se conta o interesse; Ele daria ao arrependimento a feição de uma transação.
[...]
- Os homens do teu planeta, disse o principezinho, cultivam cinco mil rosas num mesmo jardim ... e não encontram o que procuram ...
- Não encontram, respondi...
E no entanto o que eles buscam poderia ser achado numa só rosa, ou num pouquinho d'água ...
- É verdade.
E o principezinho acrescentou:
- Mas os olhos são cegos. É preciso buscar com o coração.
Que a palavra parede não seja símbolo
de obstáculos à liberdade
nem de desejos reprimidos
nem de proibições na infância
etc. (essas coisas que acham os
reveladores de arcanos mentais)
Não.
Parede que me seduz é de tijolo, adobe
preposto ao abdômen de uma casa.
Eu tenho um gosto rasteiro de
ir por reentrâncias
baixar em rachaduras de paredes
por frinchas, por gretas - com lascívia de hera.
Sobre o tijolo ser um lábio cego.
Tal um verme que iluminasse.
!As pessoas tem estrelas que não são as mesmas. Para uns, que viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de pequenas luzes. Tu, porém, terás estrelas como ninguém..."
"Tu te sentirás contente por me teres conhecido. Tu serás sempre meu amigo. Terás vontade de rir comigo."
Retorno
Somente depois de ter andado por terras estranhas
É que pude reconhecer a beleza da minha morada.
A ausência mensura o tamanho do local perdido
Evidencia o que antes estava oculto, por força do costume.
Olhei minha mãe como se fosse a primeira vez,
Olhei como se eu voltasse a ser criança pequena
A descobrir-lhe as feições tão maternas.
Abri o portão principal como quem abria
Um cofre que resguardava valores incomensuráveis.
As vozes de todos os dias estavam reinauguradas.
Realizar a proeza de ser gerado de novo.
Suas mãos sobre os meus cabelos pareciam devolver-me
A mim mesmo.
Mãos com poder de sutura existencial...
Era como se o gesto possuísse voz, capaz de dizer:
Dorme meu filho, porque enquanto você dormir
Eu lhe farei de novo.
Dorme meu filho, dorme...
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Nota: Trecho do poema "Tabacaria" de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa.
