Uma Pessoa Tranquila
Uma pérola esquecida na praia, ainda que não seja notada, nem apanhada ou devidamente reconhecida, nunca perde o seu valor.
Cada descoberta nova da ciência é uma porta nova pela qual encontro mais uma vez Deus, o autor dela.
As fotos é que pagam o pato
Depois de uma briga histórica, daquelas de não deixar coisa nenhuma em pé, você se vê completamente sozinha, o romance acabou. Ele não era nada daquilo que você pensava, é um cafajeste, um galinha, um insensível. Você corre até a cozinha, pega uma tesoura afiada, voa para seu quarto e, bufando de ódio, tira do armário a caixa com todas as fotos que vocês tiraram durante o namoro e começa a (não faça isso, garota, você vai se arrepender, o cara fez parte da sua história, um dia esta raiva vai passar e você nem lembrará do rosto dele, vai querer recordá-lo, larga esta tesoura, não faz bobagem, me escu...) picar bem picadinho todas as fotos em que aparecem juntos, menos aquela em que você está uma deusa - esta você vai cortar pela metade, e a parte em que ele aparece vai para o lixo, naturalmente.
Serviço feito. Nem mesmo um expert em quebra-cabeças de 20.000 peças conseguiria juntar o olho direito com o olho esquerdo daquele infeliz, as fotos viraram farinha. E agora? Está se sentindo melhor?
Você está se sentindo um trapo. A dor da perda não se aplaca com um gesto extremado, e se o propósito era vingança, grande porcaria: o modelo fotográfico que foi esquartejado segue inteirinho da silva tocando a vida dele, não sentiu nem um arrepio quando você praticamente moeu seu sorriso lindo. Ele tinha um sorriso lindo, não tinha?
Você vai lembrar do sorriso, dos olhos, da boca ainda por muito tempo. Picotar fotos é só a materialização de um desejo: gostaríamos que certas pessoas saíssem da nossa vida instantaneamente, bastando pra isso uma tesourada. Mas o processo de despedida é bem mais lento e mais difícil. É preciso deixar o tempo agir. E o tempo age com mais parcimônia.
Mas quem quer saber de parcimônia? Mulheres com o orgulho ferido seguirão mutilando seus álbuns de fotografia, arrancando cabeças, amputando casais que pareciam colados com superbonder. Uma pena aleijar assim o passado, mas, por outro lado, talvez seja conveniente deixar bem livre este ímpeto destrutivo e o pouco apego às lembranças. Nenhum problema em descarregar nosso ódio num pedaço de papel. Sabe-se lá o que aconteceria se o engraçadinho aparecesse na nossa frente e nos encontrasse com uma tesoura na mão.
Louca
Uma vez, no recreio, comendo um Bis derretido, pensei isso, pela primeira vez: e se eu ficasse louca?
Vi minhas amigas trocando papéis de cartas, vi uns meninos correndo de testa suada, vi uma professora caminhar como alguém que pensava em alguém que ela encontraria no final do dia, vi tudo isso como se não pudesse ter, ver, ser. E se eu ficasse louca. Que triste para meus pais, que triste para a carteira vazia da escola, que triste para os livros plastificados com a etiqueta que dizia que era eu. Uma estudante, uma garotinha, com família, amigos, presilhas de cabelo, camisas brancas PP com um brasão que trazia um livro e um fogo. Se eu ficasse louca tudo isso seria o quê? Pra onde iriam os materiais e as pessoas e o amor? E se eu ficasse louca? Quem iria me ver babar num canto de um hospital? Existe louco em casa? Mãe ama os loucos? Louco tem amigo? Louco tem livro plastificado? Louco começa e não para mais até acabar? Louco uma vez, louca pra sempre? Converse. Respire. Pense em garotos. Pense em xampus. Vamos. Não fique louca. Mude de assunto. Pense na menina mais bonita do mundo e odeie. Dê nome pra loucura que ela deixa de ser. Sinta dor com nome que assusta menos. Caia na aula de educação física, rale o joelho, sangre, dói menos. Desembarace os cabelos e sinta que problemas se alisam. Faça o papel do Bis virar um barquinho. Isso. Conte uma piada. Se os outros rirem bastante. Se a sua estranheza puder ser amada. Qualquer coisa menos loucura. Pense naquela música da rádio. Não, você não está triste. Uma fofoca e pessoas em volta. Vá até o banheiro retocar o batom da moranguinho. O professor mais ou menos bonito, por ele. Os outros. Olhe. Os outros. Vamos. Que data mesmo? Da guerra. Que data? Qualquer coisa. Menos louca. O hino. Sujou um pouquinho da meia. Limpinha. Dê nome aos problemas. Problemas com nomes são problemas e não loucuras. Sempre evitando que ela saia. Sempre segurando. Não caia dura no meio do mundo. Não se chacoalhe no meio do pátio. Não vomite só porque sei lá o que é isso impossível de digerir e nem quero saber. Não abrace sem fim porque é preciso sentir o vento com o peito sozinho. Terrível mas tem banho quente pra distrair. Não espanque, não soque, não chore sangue, não arranque a língua, não grite, não acabe. Siga. Sorria. Mais uma prova. Mais uma festa. Mais um garoto. Sempre um pavor escondido mas nem era nada disso. Sempre uma tristeza abafada mas nem era nada disso. Sempre uma alegria exagerada que ninguém acolhe e o silêncio depois, fazendo curativos na pureza criando cascas. Um dia você será. O quê? Normal. Um dia você será. Normal. Um dia. Enquanto isso, se distraia como a professora que ama, as crianças que trocam papéis de cartas, os garotos que correm. Eles estão se distraindo também e pensando “olha, uma menina comendo Bis”.
Aquilo que não é necessariamente uma escolha não pode ser considerado como mérito ou como fracasso.
Atravesso a rua sozinha, carregando uma sacola cheia de presentes e cartinhas. Entro sozinha no meu carro, ouço de novo a música da semana, sigo em frente. Carrego o afeto que ganhei numa sacolinha rosa, mas dentro do meu coração é sempre esse saco furado e negro. Por mais que todas as terapias do mundo, todas as auto-ajudas do universo e todos os amigos experientes do planeta me digam que preciso definitivamente não precisar de você, minha alma grita aqui dentro que, por mais feliz que eu seja, a festa é sempre pela metade. É você quem eu sempre busco com minha gargalhada alta, com a minha perdição humana em festejar porque é preciso festejar, com a minha solidão cansada de se enganar. Não agüento mais os mesmos papos, os mesmos cheiros, as mesmas gírias, os mesmos erros, a volta por cima, o salto alto, o queixo empinado, o peito projetado pra frente. Não agüento mais fingir com toda a força do mundo que tudo bem festejar sem saber quem é você.
Uma vez perguntaram a Einstein que tipo de armas seriam usadas na terceira guerra mundial, ele disse...
"Não sei, mas a quarta será lutada com pedras”.
Estou doente da persistência de imagens, reflexos e espelhos. Eu sou uma mulher com olhos de gato siamês que por detrás das palavras mais sérias sorri sempre troçando da minha própria intensidade. Sorrio porque presto atenção ao OUTRO e acredito no OUTRO. Sou marioneta movida por dedos inexperientes, desmantelada, deslocada sem harmonia; um braço inerte, outro remexendo-se a meia altura. Rio-me, não quando o riso se adapta ao meu discurso, mas porque ele se implica nas correntes subjacentes do que eu digo.
O Veneno da Serpente
Diz uma lenda
com a qual sonhei um dia
que a serpente é venenosa
por que sentiu muita dor.
A dor que a serpente sentia
era por que ela rastejava,
e isto à feria.
Passou-se o tempo
e a serpente adaptou-se,
e seu corpo não sentia mais dor,
mas quando a serpente mordia algo,
ela expelia mortífero veneno,
por que a dor que ela sofreu
tinha sido tão profunda
que feriu-lhe a alma,
amargou-lhe o espírito
e envenenou a sua vida...
E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas.
Mas chega uma hora na vida que a gente tem que parar de ser boa com os outros e ser boa – primeiramente - com a gente. Fiquei amarga? Não mesmo. Agora eu sou prática. Vacilou? A porta está aberta, meu bem. Sem dó nem piedade. Me desculpem, então, os que larguei à deriva. Salve-se quem puder! (Não é esse o clima?).
Ela é exatamente como os seus livros: transmite uma sensação estranha, de uma sabedoria e uma amargura. É lenta e quase não fala. Tem olhos hipnóticos, quase diabólicos. E a gente sente que ela não espera mais nada de nada nem de ninguém, que está absolutamente sozinha e numa altura tal que ninguém jamais conseguiria alcançá-la. Muita gente deve achá-la antipaticíssima, mas eu achei linda, profunda, estranha, perigosa.
Às vezes, melancolia sem causa escurecia-me o rosto, uma saudade morna e incompreensível de épocas nunca vividas me habitava.
Não é por julgarmos uma coisa boa que nos esforçamos por ela, que a queremos, que a apetecemos, que a desejamos, mas, ao contrário, é por nos esforçarmos por ela, por querê-la, por apetecê-la, por desejá-la, que a julgamos boa
✨ Às vezes, tudo que precisamos é de uma frase certa, no momento certo.
Receba no seu WhatsApp mensagens diárias para nutrir sua mente e fortalecer sua jornada de transformação.
Entrar no canal do Whatsapp