Trechos Clarice Lispector
O que não sei dizer é mais importante do que o que eu digo.
Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. Mas – mas eu também?! Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos. Sim.
Ela era muito satisfatona: tinha tudo o que seu pouco anseio lhe dava. E havia nela um desafio que se resumia em “ninguém manda em mim”.
E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado com papel enfeitado de presente nas mãos – e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, então raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.
Sem um pensamento: apenas corpo se movimentando calmo, rosto pleno de uma suave esperança que ninguém dá e ninguém tira.
Ser intelectual é usar sobretudo a inteligência, o que eu não faço: uso é a intuição, o instinto.
Era uma falsa revolta, uma tentativa de libertação que vinha sobretudo com muito medo de vitória.
O que me importa são instantâneos fotográficos das sensações – pensadas, e não a pose imóvel dos que esperam que eu diga: olhe o passarinho! Pois não sou fotógrafo de rua.
Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra – a entrelinha – morde a isca, alguma coisa se escreveu.
Não quero a meia-luz, não quero a cara benfeita, não quero o expressivo. Quero o inexpressivo. Quero o inumano dentro da pessoa; não, não é perigoso, pois de qualquer modo a pessoa é humana, não é preciso lutar por isso: querer ser humano me soa bonito demais.
Sei, é ruim segurar minha mão. É ruim ficar sem ar nessa mina desabada para onde eu te trouxe sem piedade por ti, mas por piedade por mim. Mas juro que te tirarei ainda vivo daqui – nem que eu minta, nem que eu minta o que meus olhos viram. Eu te salvarei deste terror onde, por enquanto, eu te preciso. Que piedade agora por ti, a quem me agarrei. Deste-me inocentemente a mão, e porque eu a segurava é que tive coragem de me afundar. Mas não procures entender-me, faze-me apenas companhia. Sei que tua mão me largaria, se soubesse.
Como te compensar? Pelo menos também usa-me, usa-me pelo menos como túnel escuro – e quando atravessares minha escuridão te encontrarás do outro lado contigo. Não te encontrarás comigo talvez, não sei se atravessarei, mas contigo.
Mas alguma coisa tinha morrido em mim. E, como nas histórias que eu havia lido sobre fadas que encantavam e desencantavam pessoas, eu fora desencantada; não era mais uma rosa, era de novo uma simples menina. Desci até a rua e ali de pé eu não era uma flor, era um palhaço pensativo de lábios encarnados. Na minha fome de sentir êxtase, às vezes começava a ficar alegre mas com remorso lembrava-me do estado grave de minha mãe e de novo eu morria.
Só horas depois é que veio a salvação. E se depressa agarrei-me a ela é porque tanto precisava me salvar.
Gemeu baixinho cansada e depois pensou: o que vai acontecer agora agora agora? E sempre no pingo de tempo que vinha nada acontecia se ela continuava a esperar o que ia acontecer, compreende?
Se eu me confirmar e me considerar verdadeira, estarei perdida porque não saberei onde engastar meu novo modo de ser – se eu for adiante nas minhas visões fragmentárias, o mundo inteiro terá que se transformar para eu caber nele.
Algo está sempre por acontecer. O imprevisto me fascina.
Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma ideia. Cada palavra materializa o espírito. Quantas mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento. Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos pensamentos.
Saber desistir. Abandonar ou não abandonar – esta é muitas vezes a questão para um jogador. A arte de abandonar não é ensinada a ninguém. E está longe de ser rara a situação angustiosa em que devo decidir se há algum sentido em prosseguir jogando. Serei capaz de abandonar nobremente? ou sou daqueles que prosseguem teimosamente esperando que aconteça alguma coisa?
Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou maduro bastante ainda. Ou nunca serei.
Sempre fui uma tímida muito ousada.
✨ Às vezes, tudo que precisamos é de uma frase certa, no momento certo.
Receba no seu WhatsApp mensagens diárias para nutrir sua mente e fortalecer sua jornada de transformação.
Entrar no canal do Whatsapp