Texto Amigos de Luis Fernando Verissimo
Pássaros da vida
Olhou encantado para o alto do parreiral.
Se não estivesse diante de uma Isabel gaúcha, jurava se tratar de uma Nebbiolo Piemontês. O clima favorável possibilitou um desenvolvimento espetacular tornando-as viçosas e lindas naquele ano. A associação com a uva italiana que tanto apreciava foi inevitável.
Fez-se adulto no tempo em que o vinho era feito de forma artesanal. Amassava-se a uva com os pés. Eram dias especiais aqueles que se ocupavam nos afazeres vinícolas.
Orgulhava-se do progresso, mas mantinha certa nostalgia em seus abundantes e fantasiosos pensamentos.
Repentinamente lembrou-se Dela.
Há tempos não à via. Contudo mantinha na memória o sorriso tão lindo, tão mágico e tão doce como o vinho suave. Nunca a esqueceu, nem esqueceria.
Por alguns segundos imaginou uma cena inusitada com o gosto de um beijo com uva Merlot que ela, atrevidamente, manteria apertada nos lábios carnudos e adoráveis num gesto de gostosa provocação. Adoraria viver isso.
Jamais houve um adeus definitivo. Apenas deixaram que os pássaros da vida consumisse-os como devoram os grãos maduros dos parreirais.
Despertou do pensamento alucinante e tratou de experimentar um cálice de vinho ali produzido.
Impossível saber quanto bebeu daquele tinto maturado. Deduz-se que foi bastante, pois no dia seguinte ele afirmava com certa convicção: Ela veio me ver esta noite. Estava encantadoramente linda como sempre.
Pode ter sido só um delírio, um sonho, uma ilusão. Mas o que importa saber a verdade se ela não faz feliz.
O que importa? Pensou.
Nada conta depois que o sonho acaba.
Lenta, mas decididamente, com o copo na mão caminhou para a pipa de Chardonnay.
Outro sabor, outra variedade, outra uva, outro vinho, mas os desejos mantidos de acordar feliz após passar mais uma noite, supostamente com a amada.
Queria uma noite longa para o tempo de felicidade, quem sabe, ser... Eterno.
Quem sabe...
Se a sorte ajudar.
Pólen
Saudade é como ginete caindo do cavalo.
É fruto que se fere ao cair do pé.
É gangorra em seu trepido embalo.
É nome saudoso de mulher.
É a roupa sem passar,
O perfume que se deixa de lado.
É marcar gol e não comemorar.
É entrar mudo e sair calado.
É o ativo que se despreza.
É abelha sem pólen pra pousar.
É ajoelhar quando se reza.
É perder a vontade de lutar.
Trechos da vida
Dorme a tarde enferma e calada.
Impiedosa a chuva debocha.
Bate no vidro sem nenhuma graça.
Solitária a alameda deixou ser tomada pelas águas.
Sem o fascínio do sol estampado
Meu semblante enrijece desmedido.
O caminho encharcado me inibe,
Tropeço no lodo criado.
Cair nunca é esperado,
Em pé supera-se a quem está sentado.
Mas as resvaladas que não se acredita
Estatelam no chão uma intenção bonita.
A roupa enlameada até entristece,
Mas não compromete o aclive do ser.
Cada escorregada faz deslizar
A vontade de tudo superar.
Melodias cantadas animam a subida,
Nesta avenida íngreme e sangrenta.
É preciso ser forte para fazer o percurso
Dos trechos enlameados da vida.
Último poema
E uma súbita e inexplicável angústia me invade.
Tão cedo. Tão sem avisar.
Eu até sabia que um dia a poesia perderia a graça.
Torci tanto que não fosse já.
Morrem com vida meus versos, talvez a pior das mortes.
Antes estar sendo devorado por corvos
E provocando no ar um cheiro de carniça
A ficar “morfinando” a falta de inspiração.
Acreditei no sonho que talvez só eu sonhasse
Sem que o talento soubesse.
Dei-me por completo ao poema.
Dei-me em todas as letras do alfabeto.
Pensei cobrir-me de tudo,
Mas fiquei completamente descoberto,
Esquecido, escondido, cego, surdo, mudo e quieto.
Permita-me Deus, ao menos,
Escrever o epitáfio para meu último teto.
“Pensou saber, mas morreu analfabeto”
Estranho meu
Sou ativista do inativo.
Vibro com meus sonhos não vividos.
Emociono-me com o que não tenho sentido.
Lembro-me de quem nunca foi esquecido.
Sou o belo que não se viu,
Juventude que jamais envelheceu,
Vida de quem nunca viveu.
Morte de quem sequer nasceu.
Não me conheço, sou o estranho meu,
Fé e crença de ateu.
Prazer em não me conhecer.
Prazer em não me rever.
Minha vida nunca me pertenceu.
Quando foi a última vez que você se pegou caminhando, mas não caminhando para cumprir seus afazeres rotineiros... Falo daquela caminhada despretensiosa, sem pressa, sem rua certa e sem relógio no comando?
Quando foi a última vez que, caminhando, você olhou para cima, para aqueles ângulos de visão que normalmente nossa pressa não permite?
Pois é... As paisagens mudam, as estações revelam suas belezas, suas cores, e nós, parte desse sistema, raras vezes deixamos nossas vidas robóticas de lado pra simplesmente observar a criação da qual somos parte.
E que bem danado nos faz! Alivia as tensões, acalma a mente, traz uma sensação gostosa de paz...
É relembrar o óbvio... Sempre andamos para frente, mas a escolha do que carregamos conosco, ou deixamos para trás a cada passo dado, é uma escolha pessoal de cada um.
Por mais difícil que seja manter viva uma semente de paz, tolerância, respeito e senso crítico nas crianças, num mundo em que tudo parece estar de cabeça pra baixo, vale a pena. Todo esforço neste sentido sempre valerá a pena. O que dizem sobre "o mundo que queremos amanhã começa com nossas ações hoje" não é clichê, é a mais pura verdade.
Nesse cabo de guerra entre bem e mal, vence aquele que se fizer mais presente na vida daqueles que depois de nós, terão um mundo inteiro pra gerir.
Homem, já fazes tua parte, já fazes o bem... Porém, precisas aprender que nem todos buscam a evolução espiritual, nem todos querem da luz usufruir...
O humano por muitas vezes não se encoraja a seguir pelos caminhos estreitos, prefere os atalhos, e não poucas vezes irá despertar sua ira sobre aqueles que escolhem servir a luz e passam pelas provações do caminho, e vencem!
Ai a pessoa te pergunta... O que você ganha se doando tanto...
Simples parceria... Realização pessoal, quer algo que ninguém nunca vai te tirar é isso: realização pessoal.
Quem me conhece sabe que sou movido a desafios, que me entrego por completo as bandeiras que levo.
Na vida as melhores coisas não dependem de dinheiro, dependem mais do sabor que acrescentam à ela mesma!
Quero ter a certeza de que fiz tudo que queria, quando queria e como queria, que não me apeguei a roteiros e nem padrões, apenas segui o que senti como verdade, fluir de dentro de mim.
Felicidade não se paga, não se compra, nem se vende.
Ai que me refiro!
Qual é o plano parceiro?
Qual é o plano parceiro, se do tempo já não domino faz tempo
Dos dias e noites não entendo, o por que de tanto contratempo
Lá na infância me via, brincando por longas tardes
E mesmo que imaginasse, o tempo assim não corria
Se hoje tivesse 500 dias, talvez ainda faltasse
Horas, minutos, segundos, na correria de meus dias
E onde então está o pause parceiro, preciso me reorganizar
Vida louca assim não dá... o tempo voa, escoa e decola
Talvez, se ao invés de mais tempo, tivesse mais dois braços...
Trabalharia dobrado, daria mais abraços... quem sabe olhasse pra mim
Já que de mim, as vezes tem tudo, mas pra mim, não sou atento assim
Mas o controle é Ele quem tem... e me pergunto impaciente
Qual o plano Onipotente? Por que acelerar assim?
Logo me vem a mente, que saibamos melhor do tempo
Aproveitar cada momento, sem dele ser prisioneiro
Afinal é ele grande parceiro, das memórias de minha vida
Testemunha íntima dos fracassos e glórias vividas...
Que bom será quando reaprender a ouvir meu coração
Entender que seu ritmo constante, não se modifica em meio ao turbilhão
Mantem seu compasso, mesmo que o corpo exija
"Vamos, acelere o passo, olha o tempo, o compromisso, o atraso"
Não será mais ele o culpado da correria das minhas andanças
E nos verdes campos da vida, serei eu o potro xucro domado.
Certo dia a Paixão sentiu-se só...
E olhando pela janela de sua casa, contemplava o horizonte ao longe,na busca pelo fim de sua solidão.
Fixava seus olhos no sol, que majestosamente escondia-se atrás das montanhas,e vinha a lua e suas canções, e as estrelas e suas sapequices...
Novo dia acontecia, e ali estava a Paixão, tentando entender a solidão...
A Rosa toda discreta, a dias observava a amiga
Fazia de um tudo para ser notada, mas a Paixão olhava longe, não se fazia presente!
Foi então, que num esforço sobrenatural, o maior e mais belo botão se formou, e era tão viva sua cor, que impossível não chamar atenção!
Neste dia, a Paixão entendeu que a solidão nada mais é que o resultado do não querer ver, que em algum lugar, alguém te ama, olha por você!
E que nas coisas mais simples, talvez mais perto do que se possa pensar, o Amor se revela de forma sublime...
Foi tão intenso o aprendizado, que a Paixão virou Amor, e a Rosa...
Ahh a Rosa...
Esta dedica-se até hoje a nobre missão de aproximar os corações solitários, a fim de que troquem olhares, para que no meio disso tudo, o Amor enfim aconteça!
Seria eu uma mistura de humano e águia?
De onde vem esse desejo apaixonante pela liberdade
Essa sensação divina de sentir o vento batendo no meu rosto
Como se explica o levantar de meus braços nos lugares mais inusitados
Parecendo assim, como que a querer levantar voo
Gosto de ver o mundo além do que minha humilde visão alcança
E desbravar serenos, intensos, pequenos e imensos horizontes
Ter a certeza de que cada nova paisagem me reserva um novo sabor, um novo aroma, uma nova aventura...
E de lá de cima ver meu reflexo nas águas, e constatar que sou feito da mesma pureza daquela que minha sede mata
Serei eu, muito mais humano, quando me permitir ser você... Águia...
Pois dos seres vivos desta terra, tu és a que nos céus, mais se aproxima de Deus.
Diz o Sábio que na antiguidade, em um povoado distante, as pessoas haviam se tornado frias, egoístas e pouco solidárias.
Reclamavam da frieza uns dos outros, mas não se permitiam mudar. Uma criança muito sensível, ao ver o que se passava, dirigiu-se aos céus e clamou uma ação do Divino, pedindo que lhe mandasse um sinal a fim de mudar o pensamento das pessoas do povoado, e após sua reflexão, adormeceu.
No dia seguinte, fora acordado pela sua família, pedindo que levantasse logo, pois algo muito estranho acontecia... Sua mãe lhe disse que o Divino lançara sua fúria sobre o povo, e que algo gélido, branco e intenso cobria as pastagens e deixava as pessoas com tanto frio a ponto de quase congelarem.
Vendo suas lavouras e animais sendo cobertos pela neve, as pessoas não tiveram escolha senão ajudar umas as outras para que pudessem salvar o máximo de animais e alimentos que conseguissem, e assim o fizeram. Porém, a noite chegou, e com ela, a neve mais e mais forte, tornava a situação calamitosa.
Vendo toda a situação e o frio a castigar a todos, o menino então sugeriu que em vez de cada família ficar em sua morada, poderiam todos ficar juntos, assim, o calor humano os ajudaria a suportar o frio, o que foi aceito por todos.
E Como em uma grande corrente, todos, em círculo, feito um caracol, se aninharam, e juntos, conseguiam suportar o frio da noite.
Antes do amanhecer, o menino, com sentimento de culpa, explicou seu pedido ao Chefe do povoado, e pediu perdão por submeter seu povo a tal sofrimento. Porém, foi abraçado pelo Líder, que com os olhos cheios de água, pediu perdão ao menino por deixar que a comunidade se torna-se um mau exemplo para crianças como ele. Se abraçaram bem forte e adormeceram.
E tamanha foi a surpresa de todos ao ver que, no dia seguinte, o sol brilhara majestosamente e o céu parecia mais azul do que nunca... A tormenta teve fim.
Com pulos de alegria, cânticos e abraços, o povoado festejou o “perdão Divino”, e logo recomeçaram suas atividades rotineiras.
No dia seguinte, logo após o amanhecer, o menino pediu ao Líder do povoado que reunisse a todos, pois durante a noite tivera um sonho, onde o Divino lhe revelara um comunicado...
Foi então que o menino, relatando seu sonho, disse que a tempestade que ocorrera não seria a única, e que todos os anos ela se repetiria... Falou mais, disse que quando os primeiros flocos gelados caíssem do céu, que servissem de alerta e reflexão sobre a união, a bondade e a solidariedade.
Finalizou o menino dizendo que a este fenômeno, chamar-se-ia Inverno, e que seria uma época para não se pensar no frio, mas no calor humano que todos possuem e podem compartilhar.
Não quero muito.
Basta-me uma morada de dois versos.
Um mínimo de inspiração.
Uma corda no violão.
Um reservatório de fé e otimismo.
Uma vertente de amor no coração.
O barulho da natureza pra me tirar o sono.
O ruído da poesia tinindo em meus ouvidos.
Alguns abraços de gratidão.
E a certeza que vivi o que podia ter vivido.
Gotas
No alto da estante o livro desequilibrou-se vindo de encontro ao chão.
Espatifou-se na sala cheia de crianças.
Foi letra pra todo lado.
Uma cena que até hoje permanece viva na minha memória.
Emocionei-me ao ver o brilho nos olhos dos pequenos leitores
Que puderam tocar e provar a doçura de cada grafema que alegremente iam recolhendo.
Que espetáculo ver gotas culturais invadindo o universo de cada uma delas.
Sorria
Se buscares lembranças minhas,
Faça com carinho.
Ando meio sem rumo nestes caminhos.
Se uma lágrima surgir
Quando olhares a imensidão não ligue
Uma lágrima não vai salgar o mar.
Sorria da mesma forma que sorrimos juntos.
Desatraque os navios, olhe as baleias.
Elas seguem em busca do frio.
Ser poesia
Ser poesia é ir além do gostar ou não gostar. É preciso ser arte, é preciso ser forma e preciso ser sensibilidade.
É salutar desvincular-se de conceitos acadêmicos por alguns momentos e apenas apreciá-la como quem vive o primeiro amor.
Ser poesia tem que ser como nascer livre de preconceitos e abrir-se com total desejo de viajar.
Ser poesia, talvez seja um ato de fé.
Duas e meia.
Não vou atribuir à má sorte este ardor.
A beira da estrada o sol queima sem pesar.
São apenas duas e meia e calor,
Piso solo quente pra a areia me castigar.
Pra alma não há árvores sombrias
Nem portas pra ventilar.
Prevalecem às tristezas sobre as alegrias
E tempestades dignas de penar.
Elevo-te ao ponto mais alto vida,
Sorria-me ao menos em alguns segundos.
Vejo a esperança tingida
Afundando sonhos e mundos.
Azula-me céu límpido de raios acalorados
Este sol perpassa meus íntimos desejos.
Onde estão as nuvens densas enamoradas,
Que trarão chuvas abundantes de festejos?
Conta-me
Conta-me como foi o teu dia.
Fala se a saudade te maltratou.
Se algum cheiro de comida lembrou o cardápio que degustamos.
Se você procurou meu rosto olhando na rua para um desconhecido.
Diga se pensou em algum momento ter escutado a minha voz.
Se, ainda que apenas um segundo, lembrou-se do quanto amo você.
Se o cheiro de algum perfume te fez respirar fundo pra tentar sentir o meu.
Se uma lágrima esteve em teus olhos ao lembrar-se das minhas.
Se você contemplou perdidamente o nada e se viu com um sorriso no rosto pensando em nós.
Se em algum momento riu das brincadeiras que fizemos juntos.
Se estive em teu sonho na última noite.
Se o toque do lençol em teu corpo te fez lembrar meus carinhos.
Se o desejo de amar te fez pensar em mim.
Se ao acordar tocou a colchão buscando meu corpo.
Conta-me.
Eu ficarei feliz em saber.
Pois nunca escondi o quanto eu amo você.
Um dia
Um dia eu estive lá.
Vi você correndo alegremente
Com os cabelos soltos cheirosos
Radiante feliz e sorridente.
Um dia eu vi você.
Pular em meus braços.
Apertar-me tão forte
A mais não poder.
Um dia eu estive lá.
Incontido em tudo.
Desejoso de me afundar
Na meiguice do teu olhar.
Um dia eu vivi lá.
Passeamos abraçados
Vontades e desejos entrelaçados
E ao fundo... O mar.
Um dia contemplamos juntos
O mais lindo entardecer.
Te fizeste tão minha.
Fiz-me tão você.
Um dia eu tive que voltar,
A tristeza foi tanta que me corroeu.
Enquanto meu eu doloria ao retornar
Imagino que você também sofreu.
