Sonetos de Mário Quintana

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A vida é um incêndio: nela dançamos, salamandras mágicas, que importa restarem cinzas se a chama foi bela e alta!

O tempo é a insônia da eternidade.

Mario Quintana
Caderno H. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

Eles passarão, eu passarinho.

Poesia é comunicação...a sós.

As tuas mãos grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já cor de terra
- como são belas as tuas mãos
pelo quanto lidaram, acariciavam ou fremiam da nobre cólera dos justos...

Porque há nas tuas mãos, meu velho pai, essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam nos braços da cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas...

Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
vieste alimentando na terrível solidão do mundo.
como quem junta gravetos e tenta acendê-los contra o vento?
Ah! Como os fizestes, arder, fulgir, como o milagre de suas mãos!

E é ainda, a vida que transfigura as tuas mãos nodosas...
essa chama de vida - que transcende a própria vida
...e que os Anjos, um dia, chamarão de alma.

Cada noite que Deus dá
meu amor, que esta no céu
despetala uma estrelinha
para ver se ainda o quero.

Sempre

Jamais se saberá com que meticuloso cuidado
Veio o Todo e apagou o vestígio de Tudo
E
Quando nem mais suspiros havia
Ele surgiu de um salto
Vendendo súbitos espanadores de todas as cores!

Uma folha, ai,
melancolicamente
cai!

Alguém me disse, com a voz embargada, que agora, sim, estava convencido da existência de Deus, porque os trabalhos psicografados de Humberto de Campos eram evidentemente dele mesmo.
- Mas isso não prova a existência de Deus... Prova apenas a existência de Humberto de Campos.

Como perdoar aos inimigos

Perdoas... és cristão... bem o compreendo...
E é mais cômodo, em suma.
Não desculpes, porém, coisa nenhuma,
Que eles bem sabem o que estão fazendo...

Nós só amamos os amigos mortos
E só as amadas mortas amam eternamente...

Mario Quintana
Apontamentos de história sobrenatural. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

Nota: Trecho do poema Sempre.

...Mais

Verbete

Nós - o pronome do rebanho.

O viajante

Eu, sempre que parti, fiquei nas gares
Olhando, triste, para mim...

Mario Quintana
Apontamentos de história sobrenatural. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

PROJETO DE PREFÁCIO

Sábias agudezas... refinamentos...
- não!
Nada disso encontrarás aqui.
Um poema não é para te distraíres
como com essas imagens mutantes de caleidoscópios.
Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe
Um poema não é também quando paras no fim,
porque um verdadeiro poema continua sempre...
Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte
não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.

Jamais deve buscar a coisa em si, a qual depende somente dos espelhos.
A coisa em si, nunca: a coisa em ti.
Um pintor, por exemplo, não pinta uma árvore: ele pinta-se uma árvore.
E um grande poeta - espécie de rei Midas à sua maneira - um grande poeta, bem que ele poderia dizer:
Tudo que eu toco se transforma em mim.

Tu és a matéria plástica de meus versos, querida...
Porque, afinal,
Eu nunca fiz meus versos propriamente a ti:
Eu sempre fiz versos de ti!

A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas.
Não me ajeito com os padres, os críticos e os canudinhos de refresco: não há nada que substitua o sabor da comunicação direta.

Hai-Kai da Palavra Andorinha

A palavra andorinha
Freme devagarinho
E some em silêncio...

Germinal

Planta
Com emoção
Este verso em teu coração

A gente não sabia

A gente ainda não sabia que a Terra era redonda.
E pensava-se que nalgum lugar, muito longe,
Deveria haver num velho poste uma tabuleta
[qualquer
- uma tabuleta meio torta
E onde se lia em letras rústicas: FIM DO MUNDO.
Ah! depois nos ensinaram que o mundo não tem
[fim
E não havia remédio senão iremos andando às
[tontas
Como formigas na casca de uma laranja.
Como era possível, como era possível, meu Deus,
Viver naquela confusão?
Foi por isso que estabelecemos uma porção de
fins de mundo...