Sonetos de Mário Quintana

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A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando de vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal.

Aí pensamos o que fizemos deste ano?
Quando o tempo passou e nem se notou.
Quando o vento levou o nem consegui pegar.

O tempo é o inimigo da ação não feita.
Quando deparamos, ele passou e nem se notou.
Quando eu pensei, em fazer, o tempo já passou.

Mario Quintana

Nota: Adaptação do poema "Seiscentos e Sessenta e Seis", de Mario Quintana. Link

CONFUSÃO

Essas duas tresloucadas, a Saudade e a Esperança, vivem ambas na casa do Presente, quando deviam estar, é lógico, uma na casa do Passado e a outra na do Futuro. Quanto ao Presente - ah! -, esse nunca está em casa.

Quando perguntam de onde tenho ressurgido
respondo:
- Eu venho sempre à tona de todos os naufrágios.

O Berço e o Terremoto

Os versos, em geral, são versos de embalar, como eu às vezes os tenho feito, não sei se por simples complacência... ou pura piedade.
Contudo, os verdadeiros versos não são para embalar - mas para abalar.
Mesmo a mais simples canção, quando a canta um Camela Lorca, desperta-te a alma para um mundo de espanto.

[As falsas Recordações]
Se a gente pudesse escolher a infância
que teria vivido, com enternecimento eu não
recordaria agora aquele velho tio de perna de pau,
que nunca existiu na familia, e aquele arroio que
nunca passou aos fundos do quintal,
e onde íamos pescar e sestear nas tardes de verão,
sob o zumbido inquietante dos besouros...

O velho do espelho

Por acaso, surpreendo-me no espelho: quem é esse
Que me olha e é tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto...é cada vez menos estranho...
Meu Deus, Meu Deus...Parece
Meu velho pai - que já morreu!
Como pude ficarmos assim?
Nosso olhar - duro - interroga:
"O que fizeste de mim?!"
Eu, Pai?! Tu é que me invadiste,
Lentamente, ruga a ruga...Que importa? Eu sou, ainda,
Aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra.
Mas sei que vi, um dia - a longa, a inútil guerra!-
Vi sorrir, nesses cansados olhos, um orgulho triste...

Conhecer a si mesmo e aos outros ...Ver o mal com mais clareza...ó triste e doloroso dom!
E sofrer mais que todos, no final sem o consolo de ter sido bom...

Amanhecer
O sol derrama, na calçada,
a sua bela, matinal urinada

O que acontece com as crianças

Aprendi a escrever lendo, da mesma forma que se aprende a falar ouvindo. Naturalmente, quase sem querer, numa espécie de método subliminar. Em meus tempos de criança, era aquela encantação. Lia-se continuamente e avidamente um mundaréu de historia (e não estórias) principalmente as do Tico-tico. Mas lia-se corrido, isto é, frase após frase, do princípio ao fim.
Ora, as crianças de hoje não se acostumam a ler corretamente, porque apenas olham as figuras dessas histórias em quadrinhos, cujo “texto” se limita a simples frases interjeitivas e assim mesmo muita vez incorretas. No fundo, uma fraseologia de guinchos e uivos, uma subliteratura de homem das cavernas.
Exagerei? Bem feito! Mas se as crianças, coitadas, nunca adquiriram o hábito da leitura, como saberão um dia escrever?

Data e Dedicatória (Mário Quintana)

Teus poemas, não os dates nunca... Um poema
Não pertence ao Tempo... Em seu país estranho,
Se existe hora, é sempre a hora estrema
Quando o anjo Azrael nos estende ao sedento
Lábio o cálice inextinguível...
Um poema é de sempre, Poeta:
O que tu fazes hoje é o mesmo poema
Que fizeste em menino,
É o mesmo que,
Depois que tu te fores,
Alguém lerá baixinho e comovidamente,
A vivê-lo de novo...
A esse alguém,
Que talvez ainda nem tenha nascido,
Dedica, pois, os teus poemas.
Não os dates, porém:
As almas não entendem disso...

Às vezes a gente pensa que está dizendo bobagens e está fazendo poesia.

Slogan para o ministério da saúde: o fumante é um retardado que ainda não conseguiu deixar de mamar.

Para sempre é muito tempo. O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo.

Se eu fosse acreditar mesmo em tudo o que penso, ficaria louco.

Mario Quintana
Caderno H. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

O amor é igual a uma borboleta: quando você tenta pegá-la, ela foge, mas quando você está distraído, ela vem e pousa em você!

Morrer é simplesmente esquecer as palavras.

As mãos que dizem adeus são pássaros que vão morrendo lentamente.

Mario Quintana
Anotação para um poema. In: A vaca e o hipogrifo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

As reticências são os três primeiros passos do pensamento que continua por conta própria o seu caminho.

Mario Quintana
Caderno H. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

Viajar é mudar a roupa da alma.

Tão bom viver dia-a-dia...A vida, assim, jamais cansa.