Segredo Nao Dito

entre os vinte cimos nevados
nada movia a não ser
o olho do pássaro preto

GRAUS NEGATIVOS

Encontramo-nos numa festa que não gosta de nós. Ao fim, a festa deixa cair a sua máscara e mostra-se tal como é: uma estação de manobras. Colossos gelados estão de pé, sobre os carris, no nevoeiro. Um pedaço de giz riscou as portas da carruagem.

Não se devia mencionar, mas aqui há muita violência reprimida. Por isso os pormenores são tão pesados. E é tão difícil vermos o outro, que também existe: um raio de sol reflectido que se movimenta por cima do muro da casa, que desliza através do bosque ignorado, de rostos cintilantes; uma frase bíblica que nunca se escreveu: "vem até mim, pois eu sou contraditório como tu".

Amanhã trabalharei numa outra cidade. Eu corro para lá, através da madrugada que é um grande cilindro negro e azul. Oríon está pendurada por cima da geada. Crianças num montão de mudez esperam pelo autocarro, crianças pelas quais ninguém reza. A luz cresce, pouco a pouco, como o nosso cabelo.

A vida é amarga e doce. Por isso não há outra forma de descrevê-la senão captando esses dois sabores.

O homem que cala e ouve não dissipa o que sabe, e aprende o que ignora.

O império da beleza não conhece rebeldes.

A filosofia não é assim tão ruim. Infelizmente, é como a Rússia: cheia de pântanos e frequentemente invadida pelos alemães.

Gripe forte? Não!
Apenas adormeci
entre espirradeiras.

Viver não é apenas mudar, é continuar.

Não é colocando o dever em primeiro lugar e o êxito em segundo, que se eleva o padrão da virtude?

Quando moços, contamos tantos amigos quantos conhecidos; porém maduros pela experiência, não achamos um homem de cuja probidade fiemos a execução do nosso testamento.

O mundo julga-nos, não pelo que somos, mas pelo que parecemos ser.

Amas ou não uma mulher, mas não sabes porquê. Como hás-de poder saber a razão do bem e do mal?

No amor não há desastre maior do que a morte da imaginação.

Por vezes o que desejo e o que não desejo fazem-se tantas concessões que se tornam parecidos.

Como saber que se falhou, se não sabendo como não falhar? Mas então porque se falha? E se saber que se falha é realmente ignorar como se não falharia? Sabemos de outros que não falharam, porque sabemos então neles o que é não falhar.

Se nós invejamos os outros, eles por sua vez nos invejarão: o mal da inveja não conhece limites.

A pior das corrupções não é aquela que desafia as leis; mas a que se corrompe a ela própria.

Um dos grandes segredos da sabedoria económica é saber aquilo que se não sabe.

Não há nada mais feio do que a razão, quando ela não está do nosso lado.

Em ciência não existe um erro tão grosseiro que, amanhã ou depois, sob alguma perspectiva, não pareça profético.