Poesias de Rubem Alves

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De fato, quando o pobre/oprimido, das profundezas do seu sofrimento, balbucia:

"É a vontade de Deus", cessam todas as razões, todos os argumentos, as injustiças se

transformam em mistérios de desígnios insondáveis e a sua própria miséria, uma

provação a ser suportada com paciência,na espera da salvação eterna de sua alma. E os

poderosos usam as mesmas palavras sagradas e invocam os poderes da divindade

como cúmpli-

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cês da guerra e da rapina. E os habitantes originais deste continente e suas

civilizações foram massacrados em nome da cruz, e a expansão colonial levou

consigo para a África e a Ásia o Deus dos brancos, e constituições se escrevem

invocando a vontade de Deus, e um representante de Deus vai ao lado daquele que

foi condenado a morrer. . . Nada se altera, nada se transforma, mas sobre todas as

coisas dos homens se espalha o perfume do incenso. . .

Inserida por gabisms02

"A exigência de que se abandonem as ilusões sobre uma determinada situação, é
a exigência de que se abandone uma situação que necessita de ilusões."

Inserida por gabisms02

Marx antevê o fim da religião. Ela só existe numa situação marcada pela alienação.

Desaparecida a alienação, numa sociedade livre, em que não haja opressores, não

importa que sejam capitalistas, burocratas ou quem quer que ostente algum sinal de

superioridade hierárquica, desaparecerá também a religião. A religião é fruto da

alienação. E com isto os religiosos mais devotos concordariam também. Nem no

Paraíso e nem na Cidade Santa se e/nitem alvarás para a construção de templos. ..

Inserida por gabisms02

Foi assim que aconteceu: a ciência empalhou a religião, tirando dela verdades

muito diferentes daquelas que a própria religião viva cantava. Acontece que as pessoas

religiosas, ao dizer os nome sagrados, realmente crêem num "lá fora" e é deste mundo

invisível que suas esperanças se alimentam. Tudo tão distante, tão diferente da

sabedoria científica.. .

Inserida por gabisms02

A ciência nos coloca num mundo glacial e mecânico,

matematicamente preciso e tecnicamente manipulável, mas vazio de significações

humanas e indiferente ao nosso amor. Bem dizia Max Weber que a dura lição que

aprendemos da ciência é que o sentido da vida não pode ser

encontrado ao fim da análise científica, por mais completa que seja. E nos

descobrimos expulsos do paraíso, ainda com os restos do fruto do conhecimento em

nossas mãos...

Inserida por gabisms02

O sentido da vida: não há pergunta que se faça com maior angústia e parece que

todos são por ela assombrados de vez em quando. Valerá a pena viver? A gravidade da

pergunta se revela na gravidade da resposta. Porque não é raro vermos pessoas

mergulhadas nos abismos da loucura, ou optarem voluntariamente pelo abismo do

suicídio por terem obtido uma resposta negativa. Outras pessoas, como observou

Camus, se deixam matar por ideias ou ilusões que lhes dão razões para viver: boas razões

para viver são também boas razões para morrer.

Inserida por gabisms02

O sentido da vida: não há pergunta que se faça com maior angústia e parece que

todos são por ela assombrados de vez em quando. Valerá a pena viver? A gravidade da

pergunta se revela na gravidade da resposta. Porque não é raro vermos pessoas

mergulhadas nos abismos da loucura, ou optarem voluntariamente pelo abismo do

suicídio por terem obtido uma resposta negativa. Outras pessoas, como observou

Camus, se deixam matar por ideias ou ilusões que lhes dão razões para viver: boas razões

para viver são também boas razões para morrer.

Mas o que é isto, o sentido da vida?

O sentido da vida é algo que se experimenta emocionalmente, sem que se saiba

explicar ou justificar. Não é algo que se construa, mas algo que nos ocorre de forma

inesperada e não preparada, como uma brisa suave que nos atinge, sem que saibamos

donde vem nem para onde vai, e que experimentamos como uma intensificação da

vontade de viver ao ponto de nos dar coragem para morrer, se necessário for, por

aquelas coisas que dão à vida o seu sentido. É uma transformação de nossa visão do

mundo, na qual as coisas se integram como em uma melodia, o que nos faz sentir

reconciliados com o universo ao nosso

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redor, possuídos de um sentimento oceânico, na poética expressão de Romain

Rolland, sensação inefável de eternidade e infinitude, de comunhão com algo que nos

transcende, envolve e embala, como se fosse um útero materno de dimensões

cósmicas. "Ver um mundo em um grão de areia / e um céu numa flor silvestre,/

segurar o infinito na palma da mão / e a eternidade em uma hora" (Blake).

O sentido da vida é um sentimento.

Inserida por gabisms02

Se a pretensão da religião terminasse aqui, tudo estaria bem. Porque não há leis que
nos proíbam de sentir o que quisermos.

Inserida por gabisms02

Se a pretensão da religião terminasse aqui, tudo estaria bem. Porque não há leis que

nos proíbam de sentir o que quisermos. O escândalo começa quando a religião ousa

transformar tal sentimento, interior e subjetivo, numa hipótese acerca do universo.

Podemos entender as razões por que o homem religioso não pode se satisfazer com o

pássaro empalhado. A religião diz: "o universo inteiro faz sentido". Ao que a ciência

retruca: "as pessoas religiosas sentem e pensam que o universo inteiro faz sentido".

Aquela afirmação sagrada que ecoava de universo em universo, reverberando em

eternidades e infinitos, a ciência aprisiona dentro do poço pequeno e escuro da

subjetividade e da sociedade: ilusão, ideologia. O sentido da vida é destruído. Que

pode restar da alegria das rãs, se o "lá fora" que o pintassilgo cantou não existir?

Afirmar que a vida tem sentido é propor a fantástica hipótese de que o

universo vibra com

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os nossos sentimentos, sofre a dor dos torturados, chora a lágrima dos abandonados,

sorri com as crianças que brincam.. . Tudo está ligado. Convicção de que, por detrás

das coisas visíveis, há um rosto invisível que sorri, presença amiga, braços que

abraçam, como na famosa tela de Salvador Dali. E é esta crença que explica os

sacrifícios que se oferecem nos altares e as preces que se balbuciam na solidão.

Inserida por gabisms02

O que realmente importa:
A vida não é uma sonata que, para realizar a sua beleza, tem de ser tocada até o fim. Dei-me conta, ao contrário, de que a vida é um álbum de minissonatas. Cada momento de beleza vivido e amado, por efêmero que seja, é uma experiência completa que está destinada à eternidade. Um único momento de beleza e amor justifica a vida inteira. Tenho terror de ser enganado. Se estiver para morrer, que me digam. Se me disserem que ainda me restam dez anos, continuarei a ser tolo, mosca agitada na teia das medíocres, mesquinhas rotinas do cotidiano. Mas se só me restam seis meses, então tudo se torna repentinamente puro e luminoso. Os não essenciais se despregam do corpo, como escamas inúteis. A Morte me informa sobre o que realmente importa.
(Do universo à jabuticaba)

Inserida por EmOutrasPalavras

A Morte a única conselheira que temos:
"Odeio a ideia de morte repentina, embora todos achem que é a melhor. Discordo. Tremo ao pensar que o jaguar negro possa estar à espreita na próxima esquina. Não quero que seja súbita. Quero tempo para escrever o meu haicai. O último haicai é isto: o esforço supremo para dizer a beleza simples da vida que se vai. Como dizia o bruxo D. Juan ao seu aprendiz: “A morte é a única conselheira sábia que temos. Sempre que você sentir que tudo vai de mal a pior e que você está a ponto de ser aniquilado, volte-se para a sua Morte e pergunte-lhe se isso é verdade. Sua Morte lhe dirá que você está errado. Nada realmente importa fora do seu toque... Sua Morte o encarará e lhe dirá: ‘Ainda não o toquei’”. E o feiticeiro concluiu: “Um de nós tem de mudar, e rápido. Um de nós tem de aprender que a Morte é caçadora, e está sempre à nossa esquerda. Um de nós tem de aceitar o conselho da Morte e abandonar a maldita mesquinharia que acompanha os homens que vivem suas vidas como se a Morte não os fosse tocar nunca”.

Inserida por EmOutrasPalavras

A ideia de que o corpo carrega duas caixas – uma caixa de ferramentas, na mão direita, e uma caixa de brinquedos, na mão esquerda – me apareceu quando me dedicava a entender santo Agostinho. Pois ele, resumindo o seu pensamento, disse que todas as coisas que existem se dividem em duas ordens distintas. A ordem do uti (ele escrevia em latim) e a ordem do frui. Uti, “o que é útil, utilizável, utensílio”. Usar uma coisa é utilizá-la para se obter uma outra coisa. Frui, “fruir, usufruir, desfrutar, amar uma coisa por causa dela mesma”. A ordem do uti é o lugar do poder. Todos os utensílios, ferramentas, são inventados para aumentar o poder do corpo. A ordem do frui, ao contrário, é a ordem do amor – coisas que não são utilizadas, que não são ferramentas, que não servem para nada. Elas não são úteis; são inúteis. Porque não são para ser usadas, mas para ser gozadas. A tradição cristã tem medo das coisas que são guardadas na caixa dos brinquedos. Nessa caixa se guarda a origem do pecado: o prazer…
(Do universo à jabuticaba)

Inserida por Filigranas

Pato selvagem:

Era uma vez um bando de patos selvagens que voava nas alturas. Lá de cima se via muito longe, campos verdes, lagos azuis, montanhas misteriosas e os pores de sol eram maravilhosos. Mas voar nas alturas era cansativo. Ao final do dia os patos estavam exaustos.
Aconteceu que um dos patos, quando voava nas alturas, olhou para baixo e viu um pequeno sítio, casinha com chaminé, vacas, cavalos, galinhas… e um bando de patos deitados debaixo de uma árvore.
Como pareciam felizes! Não precisavam trabalhar. Havia milho em abundância.
O pato selvagem, cansado, teve inveja deles. Disse adeus aos companheiros, baixou seu voo e juntou-se aos patos domésticos.
Ah! Como era boa a vida, sem precisar fazer força. Ele gostou, fez amizades. O tempo passou. Primavera, verão, outono, inverno…
Chegou de novo o tempo da migração dos patos selvagens. E eles passavam grasnando, nas alturas…
De repente o pato que fora selvagem começou a sentir uma dor no seu coração, uma saudade daquele mundo selvagem e belo, as coisas que ele via e não via mais: os campos, os lagos, as montanhas, os pores de sol. Aqui em baixo a vida era fácil, mas os horizontes eram tão curtos! Só se via perto!
E a dor foi crescendo no seu peito até que não aguentou mais. Resolveu voltar a juntar-se aos patos selvagens. Abriu suas asas, bateu-as com força, como nos velhos tempos. Ele queria voar! Mas caiu e quase quebrou o pescoço. Estava pesado demais para o voo. Havia engordado com a boa vida… E assim passou o resto de sua vida, gordo e pesado, olhando para os céus, com nostalgia das alturas…
(Ostra feliz não faz pérola)

Inserida por PensandoComOCoracao

O ato de falar é um ato masculino. Fala é falus: algo que sai, se alonga e procura um orifício onde entrar, o ouvido… Já o ato de ouvir é feminino: o ouvido é um vazio que se permite ser penetrado. Não me entenda mal. Não disse que fala é coisa de homem e ouvir é coisa de mulher.
Todos nós somos masculinos e femininos ao mesmo tempo.

Inserida por OswaldoWendell

O ser humano se vê em um
mundo que não lhe pertence e, para tentar escapar deste, cria para si um outro, em que o "princípio
de prazer" se sobrepõe ao "princípio de realidade".

Inserida por gabisms02

Os universos simbólicos, a religião, a história são expressões do esforço
humano no sentido de tornar a natureza, o tempo e o espaço em função de si
mesmo. Esforço titânico para antropologizar o universo todo, transformando-o
numa extensão do corpo.

Inserida por gabisms02

Dessa forma, o Reino de Deus é um grande projeto utópico, e a religião é o grito da
criatura oprimida que não aceita o mundo como ele é, que quer fazer com que o reino de Deus se
faça presente na terra. Nesse sentido, a religião não mais corresponde à busca de um ser
transcendente, mas a uma ação efetiva, buscando alcançar um mundo que faça sentido para o
homem.

Inserida por gabisms02

⁠Muitas vezes, confundimos amor com dependência. Sentimos erroneamente que se nossos filhos voarem livres não nos amarão mais. Criamos situações desnecessárias para mostrar o quanto somos imprescindíveis. Fazemos questão de apontar alguma situação que demande um conselho ou uma orientação nossa, porque no fundo o que precisamos é sentir que ainda somos amados.

Muitas vezes confundimos amor com segurança. Por excesso de zelo ou proteção cortamos as asas de nossos filhos. Impedimos que eles busquem respostas próprias e vivam seus sonhos em vez dos nossos. Temos tanta certeza de que sabemos mais do que eles, que o porto seguro vira uma âncora que impede-os de navegar nas ondas de seu próprio destino.

Muitas vezes confundimos amor com apego. Ansiamos por congelar o tempo que tudo transforma. Ficamos grudados no medo de perder, evitando assim o fluxo natural da vida. Respiramos menos, pois não cabem em nosso corpo os ventos da mudança.

Aprendo que o amor nada tem a ver com apego, segurança ou dependência, embora tantas vezes eu me confunda. Não adianta querer que seja diferente: o amor é alado.

Aprendo que a vida é feita de constantes mortes cotidianas, lambuzadas de sabor doce e amargo. Cada fim venta um começo. Cada ponto final abre espaço para uma nova frase.

Aprendo que tudo passa menos o movimento. É nele que podemos pousar nosso descanso e nossa fé, porque ele é eterno.

Aprendo que existe uma criança em mim que, ao ver meus filhos crescidos, se assusta por não saber o que fazer. Mas é muito melhor ser livre do que imprescindível.

Aprendo que é preciso ter coragem para voar e deixar voar.
E não há estrada mais bela do que essa.

Inserida por dhiegobalves

Agora é tempo de felicidade.
Cada novo dia é um milagre...
Uma taça de prazer
que deve ser bebida até o fim (...).
"Tempus fugit"!
Portanto, carpe diem.

Rubem Alves
O retorno e terno. São Paulo: Papirus, 1992.
Inserida por ideusa_r_de_oliveira

Tempestade

⁠Sua beleza sem perfume, seu sorriso me envolvia, seu beijo quente a alma fria.
Mas no meu peito eu te queria...
Na incerteza de meus passos, sobre a ponte da ilusão, seu olhar me penetrava bem castanho a escuridão.
Ninguém sabia da verdade, muito menos da mentira.
Você sorria algo queria se me chamasse, eu logo iria.
Cortando a vinha da cidade cinza, onde se esmaga a solidão.
Dançando com a sorte, mais rápido que a morte.
Fez da loucura o seu galope, depois sumiu na multidão.
Foi quando a carne virou pedra, e sobre a brasa se aqueceu.
A boca seca molha o bico no conhaque, no gosto forte, assim esquece esse desastre...

Felipe Almaz

Inserida por Felipealmaz

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