Poesia do Carlos Drumond - Queijo com Goiabada
Indagação
E se todas as matas tombarem.
Todas as águas turvarem-se de fel e cinzas.
Todas as nuvens perderem o céu.
Se a terra for pisada pelo fogo,
E a lua, o sol, o vento, não mais encontrarem os homens.
Quando não mais amanhecer a natureza da vida,
Qual o dia que ficará, para os que perderam a memória do mundo?
Se me encontrares,
Na rua ou numa canção ao vento,
Deixa a semente de tua boca,
Tecida em mim num lampejo.
" Apanhamos a noite entre as mãos,
E nela bordamos estrelas.
Num céu tecido,
Por nossos olhos alumbrados".
"... Não quero a prudência,
do silêncio que não ressoa.
Vou inventar-me de sonhos,
ainda não vistos..."
QUANDO TE SONHO
Quando me aposso da noite do sonho,
Os pés do mar correm em ondas,
E querem se aformosear em teus passos.
Tornam-se seixos encravados em tua espera.
Na terra os braços do vento te acariciam.
Matizam-se de cores para ornar teu ventre.
Tua boca me incita,
Ao não desver o querer imaginado.
Não desperto. Cubro-me de ousadia.
Continuo te inventando,
Antes que desenleie o dia da saudade,
Entre uma e outra possível eternidade.
Eu gosto dessa parecença almejada de alma.
As vezes tento ficar parecido,
com o que deseja meu ser.
"...Cada palavra que teço,
é para ouvir outras vozes,
anunciadas nas esperas,
em que me refaço nos pés do tempo..."
Quando enxergamos o mundo em que vivemos e o sentimos.
Somos tomados por duas vertentes potentes.
A sensibilidade mostra-nos o que deve ser percebido, e em olhando para além das aparências, aprofundarmo-nos como a raiz na terra.
Daí advém a capacidade de sentirmo-nos encorajados a semear mudanças.
Reflexão sobre o Dia Mundial da Terra
Comentário sobre a Língua Portuguesa:
Em nossa língua oração é construída ao verbo.
O sujeito está então sentenciado.
Numa conjunção de tempos passados, presentes e futuros,
Onde se mesclam adjetivos e a vírgula fica ao lado.
Mas eu confesso que busco os substantivos, sem desprezar os predicados.
E quando me ponho a tecer frases exclamativas ou declarativas,
vem-me as imperativas, a interrogar-me sobre as optativas que se depreendem na singularidade.
Faço oração para encontrar o sujeito absoluto em sua simplicidade.
Aprendi assim à oxítona amar e a expressão única da saudade.
Mãe
Mãe é mão estendida por entre o tempo.
Cantiga que ressoa no ir e vir do percurso.
Acalanto que fica na vivência erguida.
Braço estendido para além do sim e do não.
Embora se cresça em tamanho e fazeres,
Mãe é farta em entremear escolhas,
Deixando-nos o amar sem punição,
Que nos faz ser em cada acolhida.
Mãe é terra que em nós frutifica,
Tornando-nos sementes de superação.
É voz que fica na memória sentida,
Tramada de ternura no balbuciar da vida.
Mãe é ventre que embala o que nasce.
Que do pão se reparte mesmo que falte,
Como fermento de amor que sempre fica.
Mãe é palavra maior, que se entrelaça no coração.
Então já não me ia sem ti. Não te ficava de mim, sem levar-me.
No desterrar partilhado, na descoberta crivada de anseio,
Nos revestimos renascidos na candura colhida.
E nessa luz feita morada, acolhemo-nos na lucidez enternecida.
Porque amar, é instruir-se no desvelar do outro revelado.
QUANDO TE OLHO
Ao te olhar com desflorado desejar,
Como quem amanhece tua procura,
Envaideço-me em tuas palavras vertidas,
Que se refazem teias para me cobrir,
Como se de teus laços em mim tecidos,
Eu só posso olhar-me,
Como quem em ti se clarifica.
O MAR ENLUARADO
Contam que as ondas do mar queriam esvoaçar,
Por isso chamaram o vento para lhe moldar gotas de ar.
O mar também pretendeu se alargar,
Ir-se mais além do seu findar,
Então se fez água pela terra, a se adentrar.
Foi quando o mar se encantou com um luar,
E banhou as estrelas para poder lhe alumiar.
O mar desse encanto almejou ser maior,
Que a onda que lhe faz voejar.
O mar, desejoso de ser, quis fazer-se amar.
" Há palavras desditas que retumbam e costuram-se como remendos.
Existem as não ditas, pronunciadas na profundidade que se conduzem lumiares.
Como as palavras, somos compreendidos, experimentados.
Nascemos sangue jorrado do ventre, que expele sua oralidade.
Depois nos vamos, como as palavras, nos fazendo andanças em moinhos
dorefazer, pois a alma que lê a palavra descrita no peito reinventa o olhar,
mesmo que ainda a palavra não se faça revelar."
In Fragmento Das Palavras colhidas no Silêncio.
A avó e o Menino
A avó não tinha presente e tão pouco lhe vinha o futuro.
Vivia de si, num tempo em que os dias, só lhe prometiam o passado.
Pela manhã cantarolava cantigas de roda.
A tarde pedia chá e se ria sobre coisas desacontecidas.
Quando a noite lhe vinha, adormecia falando com invisíveis olhares.
Não tinha a estética da memória.
Seus ouvidos acordavam lembranças do sentir.
Suas mãos continham a fermentação das horas.
Seus braços acolhiam porções de vida refluídas.
E de si apenas se ouvia o balbuciar das palavras.
Assim, vivia sob o cuidado das crianças,
Que em certas ocasiões lhe contavam estórias.
Como aquela de uma sábia anciã,
Que para não morar com o tempo findo,
Decidiu torna-se novamente alguém para ser inventada.
Foi assim que numa fração, antes de partir, disse ao menino:
- Descobri que és tão grande, que não pude de ti, ausentar-me.
A liberdade é como um rio que se não pode represar.
Mas suas águas precisam fertilizar a terra da justiça.
"...Já se adentrava a noite alta e as pandorgas versos partiam.
Foi quando fitei a moça que de olhos gris se vestia.
Então clamei a ela, antes que também se retirasse:
Agora que a lua cheia chegou,
Como teus olhos em ternura,
Borda-me entre o céu e a tua boca,
Numa indelével tecitura.
A moça nada me disse, tão só repousou em minha face.
Por ali ficamos embebidos de um ser poetamento,
Como se por um breve instante,
Tivéssemos tocado uma fração do infinito..."
In Fragmento Poema Chá com os Poetas e a Moça Bonita
ÉVORA
Eburus de raiz ibérica.
Árvore branca de história,
Enraizada de arruelas alentejanas.
Évora de templos e de moinhos,
A pulsar no Giraldo de teus traços,
Onde ruínas fingidas se pungem cingidas.
Aldeia ordenada Diana romana,
A contemplar na Sé o templo erguido,
Que orna tuas noites no mirante da saudade.
Ainda tantas vozes te guardam como Florbela encantada:
Eis que meus olhos andam cegos de te ver,
Pois para mim as de ser toda a divina graça.
Évora ventre de luzes irradiadas,
Onde se traduz a alma lusitana,
E se faz ver o verso acalentado.
* Poema classificado e aprovado pelo ICE, que integra a Campanha de Apoio a Candidatura da Cidade de Évora, Portugal, como Capital Européia da Cultura em 2027.
MEU OLHAR DE TERNURA
O meu olhar revela teus pés curtos,
Tuas mãos estendidas latentes,
Por entre teus passos alargados.
O meu olhar te avista,
Fulgurante escarlate,
Vestida de rosa tule carícia.
O meu olhar te reclama,
Quando a lua se ascende no sol,
Para te clarificar instante.
O meu olhar furta ausentar-se,
Ao te mostrar repleta procura,
Na pálpebra da manhã que te advinha.
Porque o meu olhar,
Tão cheio de ti,
Na singeleza quer desvelar, tão só tua ternura.
Garimpar o Olhar da Alma
O garimpeiro ora a jazida.
O jardineiro colhe a flor da terra.
O pescador se faz rede de enlaces.
O que você faz?
- Eu avisto tempos com a sagração das palavras.
E o que lhe dizem as mesmas?
- Me ensinam a pensar silêncios e a descosturar ausências.
Então te sente bem eu nada ver de concreto?
- Tudo o que eu pressinto me será nascido ou repartido.
Mas como é nascer após já ter vindo ao mundo?
- É colher-se revelação e não ter-se assombro da existência.
Pois bem, nada temes, presumo?
- Ao contrário, receio os seres que não vêem com a alma.
Mas para que servem os olhos?
- Para elaborar estéticas.
É na alma que o olhar depura as essências.
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