Poesia do Carlos Drumond - Queijo com Goiabada

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O que eu vou levar pra minha casa

Depois de passado meu tempo, quando na lista infindável dos dias impressos no calendário já não houver junhos para mim, de volta pra casa vou levar sem arrependimentos:
Muitos sorrisos que dei. Algumas risadas esparramadas nas conversas com minha mãe; detalhes do olhar que meu pai tinha sobre tudo; os laços que tenho atados aos meus irmãos; muitas músicas; a surpresa diante de qualquer pássaro. Diante de qualquer beleza que voa; o silêncio diante das belezas – que sempre foram minhas mais indescritíveis preces.
Vou levar alguns sábados à tarde, e algumas sextas-feiras inesquecíveis. E a lua.
Vou levar muitos textos que amei; as cores das flores e do céu. Vou levar pedaços bem grandes dos outonos e suas luzes mágicas. Vou levar meus amigos, tios e tias, primos e primas e minhas histórias de infância. Vou levar meu amor incondicional pelas árvores e pelo que há de mais pequeno e verde. Vou levar as pequeninas flores do campo e sua singeleza coberta de manhãs.
Vou levar minhas meninas margaridas, porque sem elas nenhum lugar será completo. Vou levar o que tenho sido e o que não consegui ser. Vou levar meus meninos – a filha e o filho que criei. Vou levar o barulho das águas que habitam o mundo das mais variadas formas até chegarem ao lugar em que, juntas, se chamam mar.
E do mar vou levar o cheiro. E vou levar as palavras, porque sem elas não há salvação.
Vou entregá-las a Deus e deixar que Ele escreva em mim o último, o derradeiro, o mais perfeito poema.
E que, assim, eu possa ver a verdade – que a morte é simplesmente o jeito que Deus tem de nos fazer poesia.

Decepção à Regra

Sentar-me e
ver os outros passar é o
meu exercício favorito. Entretém.
Não esgota.
É gratuito. Neste meu jogo-do-não
são os outros que passam
(é aos outros que reservo a tarefa
de passar). Lavo daí os pés.
Escrevo de dentro da vida.
Pode até parecer que assim não
chego a lugar algum mas também quem
é que quer ir
ao sítio dos outros?

sinto muito calça jeans
parece que seguiremos
tropeçando juntas em nossas
costuras mal-ajambradas
enquanto ainda coubermos uma na outra
e o tempo
condoído
ainda couber em nós.

COMO CORTAR RELAÇÕES

Às vezes tesoura cega basta
noutros casos é preciso usar os dentes
o fio de uma peixeira a minúcia
de um canivete suíço
às vezes a substância é tão frágil que
com a ideia de um corte se desmancha
noutros casos há que cortar os mares

Milhares de passageiros

Milhares de passageiros
Com suas vidinhas insignificantes
Com um amor insignificante
Com amigos insignificantes
Chorando por suas vidinhas,agora
Levados um a um a guilhotina

Para um rei adora-te
Seu intrometimento infantil
Um rei cruel e mau
Alguns temem sua volta
Se voltar
Um rei mimado e mal

A vida é feita por nós;
Nós que amamos;
Nós que choramos;
Nós que rimos;
Nós que criamos;
Nós que destruímos;
Nós que nos atam;
Nós que desatamos;
Nós que nos unem;
Nós, que vivemos
a procura de nós...

você é meu maior confessionário
ontem, hoje e pra sempre
que o mundo se acabe,
menos a gente

- confissão

Preparem minha filha para a vida
Se eu morrer de avião
E ficar despegada do meu corpo
E for átomo livre lá no céu

Que se lembre de mim
A minha filha
E mais tarde que diga à sua filha
Que eu voei lá no céu
E fui contentamento deslumbrado
Ao ver na sua casa as contas de somar erradas
E as batatas no saco esquecidas
E íntegras.

Dona de quê
Se na paisagem onde se projectam
Pequenas asas deslumbrantes folhas
Nem eu me projectei

Se os versos apressados
Me nascem sempre urgentes:
Trabalhos de permeio refeições
Doendo a consciência inusitada

Dona de mim nem sou
Se sintaxes trocadas
O mais das vezes nem minha intenção
Se sentidos diversos ocultados
Nem do oculto nascem
(poética do Hades quem me dera!)

Dona de nada senhora nem
De mim: imitações de medo
Os meus infernos

Felizmente.
Somos todos diferentes. Temos todos
o nosso espaço próprio de coisinhas
próprias, como narizes e manias,
bocas, sonhos, olhos que vêem céus
em daltonismos próprios. Felizmente.
Se não o mundo era uma bola enorme
de sabão e nós todos lá dentro
a borbulhar, todos iguais em sopro:
pequenas explosões de crateras iguais.

O vento que vem de lá
Entra sem eira nem beira
Descabela o mundo de cá
Abre a janela, venta e incendeia.

Sem você

Te amo demais garota
Sem você
Meu coração sai pela boca
Pensa no caos que vai ser

Não me imaginaria no mundo
Sem você
Caiu na solidão
E de lá não saiu

Pensa no caos que vai ser
Pensa se meu coração não bater
Sem você irei morrer

Se eu sumir da sua vida
Pensa no caos que vai ser
Sem você é beco sem saída

Foi?
Foi...
Enaltecer o ganho
Abrandar o nórdico
Esclarecer o sóbrio
E engrandecer-se no pódio.

Claro?
Claro...
Não quero dizer
Audaz, vou fazer
Até as portas colapsar.

Ok?
Ok...
Acho que já é o suficiente
Digo mais, vou atrás ferozmente
Digo mais, cala-te.
Se não cair, eu faço cair!

Menina de cabelo comprido
seja loiro, castanho ou negro,
és linda e bem comovido
no meu coração te aconchego!

Um verso blue
para mim
para você
(...)
Um verso blue,
my dear,
perdido
nesse sábado de pedra
nesse dia de chuva.
(...)

O que vê
espelho
fixado
na parede do quarto?

dia e noite
e rastro da insônia.
(...)
O que vê
senão
essa cara
sem dono
esse terno de linho
e esse lenço no pescoço.
(...)

De saudade podemos chorar
trazendo de volta o passado
mas não conseguiremos tocar
o que no coração foi guardado

Tão linda e misteriosa é a lua,
rainha da noite e majestosa
ilumina em arabescos toda a rua
e no jardim beija a rosa
Linda lua que em meio ao sereno
segue em direção à madrugada
manda boa noite em acenos
mesmo que nem seja notada

É abobrinha

Sempre enganado, sempre jogado, sempre esquecido
Nunca amado, nunca teve felicidade, nunca relatou

Afundado em sua própria mente
Dominado por embalagens de si mesmo
Enjoado de viver
Enjoado a toa, pois nunca viveu

Não vai ter fim
Sempre estará atrás de algo
Sempre estará padecendo

Sempre crítico
Mais crítico de si, mesmo enjoado
Não vive em paz

Olhando no espelho
Só vê duas crateras
Padece em desespero
Em medo
Em auto amor
Em auto ódio
Padece por ajuda

Ajudem esse ser
Esse ser não é ser mais
É um brinquedo
Só existe na hora de brincar
Não se preocupe
Ele sobrevive

Não respeite-o
Use-o e jogue-o
Não leve-o a sério
Ninguém leva

É tudo brincadeira
É tudo Shakespeare
É tudo abobrinha

Trajeto

Tem caminho
no sonho
Tem sonho no
caminho
Eu vinho
Nós vinhamos
Vós vinhais
Flores na alma
Versos no olhar

Vinhos nos momentos
Vinho dá cor
Nos caminhos cinzentos
Um brinde a volta
Que a vida tem pra dar
Um brinde as coisas boas
Que estão para chegar

Um dia nublado
Não é motivo para recuar
Tome uma dose de vinho
E deixe a tristeza pra lá

Nós vinhamos
Vós vinhais
Eu vinho
Tempo é momento
Enfrente, em frente
Ainda há chão

_Mas se faltar ?
Me faça voar, voar
Vinho do sonho
Não me deixe parar

Porque a vida é complicada
Já que preciso escolher o caminho
Eu escolho vinho
Prefiro ser uma louca engraçada
Poema autoria #Andrea_Domingues ©

Todos os direitos autorais reservados 15/03/2020 às 21:00 hrs
Manter créditos de autoria original #Andrea_Domingues