Poemas Olavo Bilac sobre Patria
Foi Maquiavel quem ensinou ao Ocidente que olhar a humanidade pelas lentes deformantes da malícia corrosiva, atribuindo a tudo os motivos mais baixos e sórdidos, é realismo. Mas isso não é realismo nenhum. É uma redução metonímica da substância a algumas de suas propriedades e acidentes. É fantasia de um tímido ressentido que, incapaz de se opor eficazmente à adversidade, se vinga da própria fraqueza xingando e rebaixando a espécie humana.
A deformação maquiavélica do rosto humano se tornou, no último século, quase uma obrigação para muitos escritores, mas, da minha parte, desde jovem notei que nada poderia compreender da realidade se não me vacinasse primeiro contra o vírus desse Ersatz de realismo.
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O negativista maquiavélico posa de valentão que não precisa de ilusões e tem a coragem de chamar as coisas pelos seus verdadeiros nomes. Bem, ele pode até dizer os nomes verdadeiros de algumas coisas, mas nunca é valente o bastante para chamar o seu próprio fingimento de fingimento.
Milagre é uma ação que transcende, de maneira definitiva e irremediável, as possibilidades humanas, não tal ou qual estágio do desenvolvimento científico.
Por exemplo, trazer um morto de volta à vida. Talvez a ciência possa fazê-lo algum dia, porém jamais, em hipótese alguma sem nenhuma intervenção material no cadáver e por meio de uma simples ordem proferida em voz alta. Isso não transcende 'as possibilidades da ciência atual', mas de toda e qualquer ciência humana concebível pelos séculos dos séculos. Não se trata de uma impossibilidade relativa, mas de uma impossibilidade lógica absoluta, derivada da pura e simples autocontradição.
O milagre não reside no efeito em si e sim no meio empregado para obtê-lo. Se esse meio é, POR DEFINIÇÃO, inalcançável por qualquer ciência humana presente ou futura, existente ou por existir, o feito é miraculoso e ponto final: não porque a ciência 'ainda' não tenha explicação para ele e sim porque, mesmo se a tivesse, isso não a habilitaria a produzi-lo pelos mesmos meios empregados pelo operador do milagre. O sujeito que aprende 'método científico' sem ter idéia dos seus fundamentos lógicos aplica-o como quem quisesse consertar um relógio de pulso com um martelo de borracheiro.
Cada personagem, cada situação ficcional, cada emoção, cada ambigüidade e cada paradoxo da narrativa tem de se impregnar na sua mente como possibilidade humana concreta, reconhecivel na vida real -- na sua própria e na das pessoas que você conhece. Tem de se transformar num ÓRGÃO DE PERCEPÇÃO.
Só assim a leitura literária vale a pena e tem verdadeiro poder educativo. Faça isso com obras da literatura dos dois últimos séculos durante alguns anos, e depois você lerá a Bíblia com olhos mais penetrantes.
É preciso evitar, naquelas, todo tecnicismo acadêmico e, nesta, toda especulação teológica. Não "analise" o texto, apenas guarde os conteúdos na memória até que eles próprios comecem a lhe mostrar o que desejam lhe mostrar.
Análises técnicas e especulações teológicas, só muitos anos depois de ter assimilado muitos textos dessa maneira. Antes, não.
Leia tudo como se fosse narrativa de acontecimentos reais, sentindo intensamente a presença das situações, personagens, conflitos, etc. Acredite em tudo como se estivesse vendo com os próprios olhos ou vivenciando você mesmo as situações.
Pessoas que julgam situações reais mediante um raciocínio dedutivo que parta de princípios gerais erram SEMPRE. Entre o mundo dos princípios e o mundo dos fatos a relação é analógica e problemática, porque os princípios não dizem respeito aos fatos e sim apenas à estrutura da possibilidade. Princípios podem ajudar você a afastar as hipóteses impossíveis, mas não a saber o que aconteceu.
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Por exemplo, partindo do princípio de que toda violência feita a qualquer ser humano é errada, o sujeito acaba não enxergando a diferença entre homicídio e genocídio.
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No mundo dos princípios não há gradações nem nuances. O mundo dos fatos é feito delas.
Quando é lícito atribuir uma ação a um povo, genericamente, sem distinguir nela os agentes individuais e concretos? Creio que só nas seguintes circunstâncias:
a) Uma crença geral subscrita por maioria significativa (por exemplo, "os poloneses são católicos").
b) Um costume generalizado ("os franceses consomem vinhos e queijos").
c) Uma eleição vencida por ampla margem por um dos partidos.
d) Um plebiscito, formal ou informal (por exemplo, "os brasileiros apoiaram o governo na Guerra do Paraguai").
Fora disso, toda generalização é pura metonímia e, se pretende ter valor de julgamento objetivo, é falsa.
O princípio fundamental do marxismo está certíssimo: todos os valores materiais do mundo são produzidos pelo trabalho humano. Só que ele soma a essa premissa uma segunda, de que é possível e obrigatório devolver a cada indivíduo o valor integral daquilo que produziu, e de que deixar de fazer isso é um crime. Ele só não reparou que o pagamento do trabalho não vem automaticamente, mas depende do fator mais ignorado em "Das Kapital": o consumidor. O consumidor só paga por aquilo que compra, não por tudo aquilo que o trabalhador poderia desejar que ele comprasse, e não vejo como poderia ser de outra maneira. A própria vida de Karl Marx comprova isso: ele nunca recebeu o equivalente do trabalho despendido para escrever os seus livros, pelo simples fato de que o autor morreu antes de que eles fizessem sucesso. Karl Marx, como muitos de nós, não foi prejudicado por nenhum capitalista, mas pelo tempo.
Ademais, como poderia o capitalista pagar o valor integral do trabalho, se além deste ele tem de pagar pela matéria-prima, pelas máquinas, pelo imóvel da fábrica, etc. etc. etc.? Ad impossibilia nemo tenetur.
Jesus ensinou a rezar: 'Perdoa as nossas dívidas ASSIM COMO perdoamos os nossos devedores' e ainda esclareceu: 'Com o mesmo critério com que julgardes sereis julgados'. A conclusão é ÓBVIA: ou você aprende a perdoar, ou quanto mais estrita seja a sua obediência a todas as demais regras daquilo que você entende por 'moral cristã', tanto mais elas servirão para endurecer o critério com que você será julgado e muito provavelmente condenado.
Nossa ÚNICA saída neste vale de lágrimas é perdoar sempre, perdoar tudo, perdoar de todo o coração.
Para ser sincero, só encontrei na vida uns três ou quatro cristãos que compreendessem isso.
A coisa mais inútil do mundo é discutir se o Islam é uma religião da concórdia universal ou uma religião da violência e da guerra. O próprio Corão está gritando em cada página que ele é inseparavelmente as duas coisas. O predomínio de um lado ou do outro é questão de momento apenas. O problema é que, quando predomina o lado violento, o outro lado não tem argumentos para neutralizá-lo que não possam ser eles próprios neutralizados.
TODA religião que contenha em si um projeto de ordem estatal é inseparavelmente pacífica e guerreira, porque assim o são os Estados, por definição. Só o cristianismo e o budismo não contêm esse projeto, podendo, portanto, amoldar-se a qualquer ordem estatal, impregnando-se temporariamente das suas qualidades e defeitos.
A verdade ou falsidade de uma via religiosa não pode aferir-se pelo seu pacifismo ou belicismo, nem pelos belos argumentos que a sustentam, os quais variam como o tempo, mas sim e somente pela sua capacidade prática de servir de canal à ação real de Deus no mundo. O próprio [propósito] de Deus é fazer milagres, isto é, não estar limitado pelo quadro das determinações espaçotemporais que Ele mesmo impôs à natureza e à história.
A igualdade social e econômica de homens e mulheres só se tornou possível num estado avançadíssimo de desenvolvimento do capitalismo industrial, uma sociedade inabarcavelmente complexa, fruto de milênios de esforços acumulados.
Ela não tem nada de natural. É uma invenção tardia, dificílima de realizar e repleta de conseqüências impremeditadas.
A mais tola ingenuidade é imaginar que tudo o que desejamos é um direito natural.
Eu, por exemplo, desejo e exerço a liberdade de opinião, mas não sou idiota ao ponto de pensar que é um direito natural. É uma sorte incrível, que a maior parte da humanidade jamais desfrutou, e que caiu no nosso colo por efeito de uma evolução histórica que mal chegamos a compreender.
A renda básica moralmente está certa. Mas não adianta se não se especificar quem tem que dar esse dinheiro e de onde tem que sair. Se não é assim: você tem direito a esse dinheiro, mas ninguém tem a obrigação de te dar esse dinheiro.
Se você tem o direito, mas não tem a garantia, na prática, você não tem direito nenhum.
Eu fiquei anos estudando o marxismo-leninismo. Eu estudei mais este assunto do que eles todos. E entendo perfeitamente o coeficiente de verdade que há nisso. Agora, o diálogo pressupõe uma possibilidade de interpenetração das consciências. Eu posso entender o que essa gente está falando. Mas eles podem entender o que eu estou falando? Esse é o problema.
O intelectuais brasileiros de esquerda hoje? Nenhum. Tem um que tentou entender, que se chama Ricardo Musse. Ele leu dois livros meus, se bem que dois livros mais populares, não os mais pretensiosos intelectualmente e tentou entendê-los. Mas, em geral, vejo o pessoal respondendo a coisas que eu não disse nunca, coisas totalmente imaginárias.
A expressão 'não merece resposta' é das mais típicas. Autêntica mensagem cifrada, para compreendê-la é preciso decompor analiticamente suas várias camadas de significado em cada exemplo concreto. No caso presente ela significa:
(a) Não tem resposta, porca miséria. É verdade mesmo.
(b) Não podemos deixar sem resposta.
(c) Portanto responderemos que não vamos responder nada, de tal modo que a falta de resposta funcione como prova da nossa superioridade olímpica que não consente em responder a qualquer um.
Os três significados aparecem, mesclados e fundidos, na expressão 'Não merece resposta'. Por meio dela, o sentimento vil de humilhação e derrota ante fatos irrespondíveis se transfigura em jactância triunfalista, a qual, sendo totalmente deslocada da situação real, não poderia mesmo deixar de denunciar involuntariamente sua própria farsa, ao inflar-se em arremedo grotesco da autoridade divina.
Não vejo por que a pergunta pela identidade nacional deva se concentrar na busca de 'constantes'. Uma identidade nacional, como uma consciência pessoal, é sobretudo uma história, uma narrativa cujo sujeito não vem pronto, mas se forma e se deforma, se acha e se perde, se salva e se dana no curso dela mesma.
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Nenhuma conclusão frutífera se obterá sobre a questão da 'identidade nacional' sem fazer primeiro uma 'história da consciência nacional', mapeando, na vasta bibliografia disponível, o horizonte de consciência dos nossos intelectuais e suas mutações ao longo das várias gerações. Tenho a visão clara do que pode ser essa história, mas jamais terei o tempo de escrevê-la, embora alguns artigos meus sejam capítulos inteiros dela. Uma coisa eu garanto: esse horizonte de consciência jamais foi tão estreito quanto é hoje.
"Quando alguém lhe pede perdão — supondo-se que o faça com sinceridade –, alça você à posição de um juiz, sacerdote ou governante, e assim lhe confere uma honra tão grande, que dar-lhe o perdão solicitado se torna um ato de gratidão.
Quando, ao contrário, você oferece um perdão não solicitado — ou, pior ainda, não desejado –, é você mesmo que se coloca nessa posição superior e, com soberana empáfia, joga uma migalha aos cachorrinhos.
Por isso, se alguém que o ofendeu não lhe pede perdão, você pode perdoá-lo em pensamento e orar para Deus perdoá-lo, mas guarde silêncio e não saia logo posando de magnânimo. Se, em vez disso, ele lhe pede perdão, não se faça de rogado: corra em oferecer-lhe mais que isso — a sua amizade.
A maioria das pessoas que se dizem cristãs não tem a menor noção dessas coisas."
Na adolescência eu já tinha o pressentimento de que tudo o que não dissesse respeito diretamente ao destino e aos sofrimentos dos seres humanos era só algum tipo de frescura. Praticamente todos os adultos em torno me pareciam crianças brincando. Ninguém era sério.
Cheguei a essa conclusão não porque tivesse sofrido muito, pessoalmente, mas porque tinha VISTO muito sofrimento, muito acima do que eu podia explicar ou consolar.
Aos quatorze anos, meus olhos já estavam cansados de ver tristezas.
O universo que eu via era uma imensa creche, onde todo mundo estava dodói, mesmo com os bolsos cheios e estourando de saúde.
Nada me deprimia mais do que a autocompaixão do homem rico, que cuidava de si mesmo como se fosse um doente terminal.
O único exemplo de força que me chegou, e isto só por volta dos vinte anos, veio do meu amigo Otto. Ele NUNCA era o coitadinho que não tinha tempo para os problemas dos outros.
Se o trabalho a que você se dedica já não é sua própria recompensa, toda recompensa será prejuízo.
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O dever, a verdadeira vocação, está infinitamente acima do prazer e da dor que acompanham todo esforço.
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O dever, por mais tedioso ou doloroso que pareça, é o único sentido da vida.
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A vida, dizia José Ortega y Gasset, é como um soneto que recebemos pronto com um verso faltante. O dever consiste em completá-lo com métrica e rima.
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Seu dever, ensinava Victor Frankl, é aquilo que a situação exige de você e só de você.
Vocês nunca me viram defender, em bloco, nenhuma doutrina, escola ou corrente de pensamento. Só escrevo sobre pontos precisos e determinados que estudei pessoalmente.
Como neste país só há repetidores de generalidades, ninguém sabe lidar com pontos precisos e cada um tenta adivinhar, por trás daqueles que exponho, alguma generalidade entre as que ele já conhece; e, julgando esta última, crê que julgou a mim.
Não temos filósofos, mas, em compensação, temos milhares de representantes autorizados de tudo quanto é idéia pronta.
No Brasil cada um raciocina com os próprios miolos, usa o pensamento crítico e exerce uma tremenda independência de julgamento para aderir à opinião da moda sem precisar saber de nenhuma outra.
A apologia do capitalismo contra o socialismo é fútil e vazia se não levar em conta a crítica do capitalismo empreendida em três fronts principais: (a) a tradição marxista; (b) o socialismo nacionalista ítalo-germânico (aparentado ou não ao nazifascismo); (c) a literatura católica (Chesterton, Bloy, Péguy, Bernanos e tutti quanti). Dedicar uns três anos ao estudo dessas fontes não faria mal nenhum aos liberais mais assanhadinhos.
Todo idiota acredita piamente que qualquer corrente de pensamento que ele desconheça — e da qual não ouça falar na mídia todos os dias — já está, por definição, “superada”.
Um dia darei um curso sobre as tradições anticapitalistas. Vocês ficarão impressionados não só com a riqueza de idéias aí contida, mas com a superficialidade da resposta liberal. Depois de haver absorvido esse material, continuo cem por cento pró-capitalista, com uma diferença: eu SEI das responsabilidades envolvidas nisso.
Liberalismo, em noventa e nove por cento dos casos, consiste em estar a favor da coisa certa pelos motivos errados.
Tal como o entendo, o senso das proporções é uma decorrência lógica incontornável do Primeiro Mandamento. Sem isso, até os outros Mandamentos se tornam meras generalidades.
O senso das proporções não é uma simples expressão da razão. Ele é a razão inteira.
Ignorar o senso das proporções é negar o fundamento absoluto de todo relativo e a relatividade de toda manifestação cósmica ou histórica do absoluto.
"Não tenham pressa de encontrar o seu caminho. Encontrei o meu muito tarde. Posso até datar: foi aos 43 anos. Antes disso, minha vida foi apenas uma luta feroz pela subsistência, e só não posso dizer que foi tempo perdido porque eu aproveitava cada minuto livre para estudar e estudar, sem ter a menor idéia do que iria fazer depois com tanto estudo. Na verdade eu não estava nem buscando caminho nenhum. Aquele que encontrei foi simplesmente seguindo o conselho do meu amigo Juan Alfredo César Müller: 'Quando você não sabe o que quer fazer, faça o que é do seu dever.' Isso simplifica muito as coisas.
P. S. – Quando falo em estudos, não são só livros. Fiz muitas investigações 'in loco', experiências vivas que às vezes me botavam em encrencas danadas. Mas valeu a pena. Usei muito o método do 'observador participante' que aprendi nos livros do B. Malinowski."
