Poemas inteligentes
Não faças como alguns desses pastores que aconselham aos outros o caminho do céu, cheio de abrolhos, enquanto eles seguem ledos a estrada dos prazeres, sem dos próprios conselhos se lembrarem.
(Hamlet)
Todo o prazer é um vício, porque buscar o prazer é o que todos fazem na vida, e o único vício negro é fazer o que toda a gente faz.
Fernando Pessoa, in Livro do desassossego
Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina. Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.
Visão de Clarice Lispector
Clarice,
veio de um mistério, partiu para outro.
Ficamos sem saber a essência do mistério.
Ou o mistério não era essencial,
era Clarice viajando nele.
Era Clarice bulindo no fundo mais fundo,
onde a palavra parece encontrar
sua razão de ser, e retratar o homem.
O que Clarice disse, o que Clarice
viveu por nós em forma de história
em forma de sonho de história
em forma de sonho de sonho de história
(no meio havia uma barata
ou um anjo?)
não sabemos repetir nem inventar.
São coisas, são jóias particulares de Clarice
que usamos de empréstimo, ela dona de tudo.
Clarice não foi um lugar-comum,
carteira de identidade, retrato.
De Chirico a pintou? Pois sim.
O mais puro retrato de Clarice
só se pode encontrá-lo atrás da nuvem
que o avião cortou, não se percebe mais.
De Clarice guardamos gestos. Gestos,
tentativas de Clarice sair de Clarice
para ser igual a nós todos
em cortesia, cuidados, providências.
Clarice não saiu, mesmo sorrindo.
Dentro dela
o que havia de salões, escadarias,
tetos fosforescentes, longas estepes,
zimbórios, pontes do Recife em bruma envoltas,
formava um país, o país onde Clarice
vivia, só e ardente, construindo fábulas.
Não podíamos reter Clarice em nosso chão
salpicado de compromissos. Os papéis,
os cumprimentos falavam em agora,
edições, possíveis coquetéis
à beira do abismo.
Levitando acima do abismo Clarice riscava
um sulco rubro e cinza no ar e fascinava.
Fascinava-nos, apenas.
Deixamos para compreendê-la mais tarde.
Mais tarde, um dia... saberemos amar Clarice.
Let me not to the marriage of true minds
Admit impediments. Love is not love
Which alters when it alteration finds,
Or bends with the remover to remove:
O no! it is an ever-fixed mark
That looks on tempests and is never shaken;
It is the star to every wandering bark,
Whose worth’s unknown, although his height be taken.
Love’s not Time’s fool, though rosy lips and cheeks
Within his bending sickle’s compass come:
Love alters not with his brief hours and weeks,
But bears it out even to the edge of doom.
——If this be error and upon me proved,
——I never write, nor no man ever loved.
A PALAVRA MÁGICA
Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.
Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
procuro sempre.
Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra
*Carlos Drummond de Andrade
Postado por Di..Resende
Poeta é a sensibilidade acima do vulgar.
Poeta é o operário, o artífice da palavra.
E com ela compõe a ourivesaria de um verso.
Nota: Trecho do poema O poeta e a poesia.
...MaisChego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.
Velha história
Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era tão pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quente. E desde então ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote que nem um cachorrinho. Pelas calçadas. Pelos elevadores. Pelos cafés. Como era tocante vê-los no “17”! – o homem, grave, de preto, com uma das mãos segurando a xícara de fumegante moca, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando do peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho especial… Ora,um dia o homem e o peixinho passeavam na margem do rio onde o segundo dos dois fora pescado e eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho: “Não, não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo ao carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não e não! Volta para o seio da tua família. E viva eu cá na terra sempre triste!…”. Dito isso, verteu copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho n’água. E a água fez um redemoinho, que foi serenando, serenando… até que o peixinho morreu afogado…
O OUTRO
Como decifrar pictogramas de há dez mil anos
se nem sei decifrar
minha escrita interior?
Interrogo signos dúbios
e suas variações calidoscópicas
a cada segundo de observação.
A verdade essencial
é o desconhecido que me habita
e a cada amanhecer me dá um soco.
Por ele sou também observado
com ironia, desprezo, incompreensão.
E assim vivemos, se ao confronto se chama viver,
unidos, impossibilitados de desligamento,
acomodados, adversos,
roídos de infernal curiosidade.
ANÁLISE
Tão abstrata é a idéia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a idéia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.
Fernando Pessoa, 12-1911
Vaga, no azul amplo solta,
Vai uma nuvem errando.
O meu passado não volta.
Não é o que estou chorando.
O que choro é diferente.
Entra mais na alma da alma.
Mas como, no céu sem gente,
A nuvem flutua calma.
E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou à saudade a riqueza
De emoção que a hora tece.
Mas, em verdade, o que chora
Na minha amarga ansiedade
Mais alto que a nuvem mora,
Está para além da saudade.
Não sei o que é nem consinto
À alma que o saiba bem.
Visto da dor com que minto
Dor que a minha alma tem.
Fernando Pessoa, 29-3-1931
todos os dias que passam
sem passares por aqui
são dias que me desgraçam
por me privarem de ti
tem um livrinho onde escrevo
qdo me esqueço de ti
é um livro de capa preta
onde inda nada escrevi
o canário ja nao canta
não canta o canario já
aquilo que em ti me encanta
talvez nao me encantará
Loucura de sonho naquele silêncio alheio!...
A nossa vida era toda a vida... O nosso amor era o perfume
do amor. . . Vivíamos horas impossíveis, cheias de sermos
nós. . . E isto porque sabíamos, com toda a carne da nossa
carne, que não éramos uma realidade. . .
Éramos impessoais, ocos de nós, outra coisa qualquer. . . Éramos
aquela paisagem esfumada em consciência de si própria. . .
E assim como ela era duas — de realidade que era, e ilusão
— assim éramos nós obscuramente dois, nenhum de nós sabendo
bem se o outro não era ele-próprio, se o incerto outro vivera.
. .
Quando emergimos de repente ante o estagnar dos lagos sentíamo-
nos a querer soluçar. . . Ali aquela paisagem tinha os
olhos rasos de água, olhos parados cheios de tédio inúmero de
ser. . . Cheios, sim, do tédio de ser qualquer coisa, realidade ou
ilusão — e esse tédio tinha a sua pátria e a sua voz na mudez e
no exílio dos lagos... E nós, caminhando sempre e sem o
saber ou querer, parecia ainda assim que nos demorávamos à
beira daqueles lagos, tanto de nós com eles ficava e morava, simbolizado
e absorto. . .
Não fiz nada, bem sei, nem o farei,
Mas de não fazer nada isto tirei,
Que fazer tudo e nada é tudo o mesmo,
Quem sou é o espectro do que não serei.
Vivemos aos encontros do abandono
Sem verdade, sem dúvida nem dono.
Boa é a vida, mas melhor é o vinho.
O amor é bom, mas é melhor o sono.
A comunicação muda
O que nos salva da solidão é a solidão de cada um dos outros. Às vezes, quando duas pessoas estão juntas, apesar de falarem, o que elas comunicam silenciosamente uma à outra é o sentimento de solidão.
Laura Dantas
Quero só mais um minuto antes de ir voar, Laura Dantas,
Eu me encontro sonhando quando você esta comigo
Eu me sinto em paz, então, você tem que ir embora
e eu fico aqui com um sorrisinho de quem foi vencido.
Quando o tempo insiste em brisas e calmarias
Dizem que tudo já foi visto e experimentado
tenho constantes confusões sensoriais, Laura Dantas,
e eu te beijo tentando não esquecer seu cheiro.
Laura Dantas, quando você vai vir me salvar?
eu me ajoelharia mas sinto uma dor no tornozelo
E eu agradeço aos homens e as sua tecnologia,
que me permitem ver que ainda posso ser verde.
E mesmo assim, eu te amo Laura Dantas – pelo menos por esta tarde.
E eu alvejo a mim mesmo com fé e balas de prazeres passageiros
Quando os deuses se escondem de nossas criações
Você percebe que a vida é um passo após o outro e nada te toca mais:
O negocio é insistir com coisas do passado,
e espremer os limões para fazer bebidas doces a tarde.
Mas agora eu percebo que sou ignorante
pois não entendo de canto, nem de melodias , nem de beleza musical
Contudo fui capaz de amar-te uma vez mais Laura Dantas,
Por toda a extensão da tarde
Pois sua imagem de mulher me veio preciosa
Numa chama queimando leve e preguiçosa
Laura Dantas: sonho místico ao entardecer.
Chegamos a mais um final e você tem que ir voar,
E eu sou capaz de te amar uma vez mais
Pelo simples motivo de ter te visto passar
Em um movimento, através de sua voz.
Estas coisas fazem sofrer, mas o
sofrimento passa. Se a vida,
que é tudo, passa por fim,
como não hão de passar o amor e a dor,
e todas as mais coisas, que não são
mais que partes da vida?
[...]
Nada sou, nada posso, nada sigo.
Trago, por ilusão, meu ser comigo.
Não compreendo compreender, nem sei
Se hei de ser, sendo nada, o que serei.
Fora disto, que é nada, sob o azul
Do lato céu um vento vão do sul
Acorda-me e estremece no verdor.
Ter razão, ter vitória, ter amor.
Murcharam na haste morta da ilusão.
Sonhar é nada e não saber é vão.
Dorme na sombra, incerto coração.
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