Poema Mude de Clarice Lispector

Cerca de 9 poema Mude de Clarice Lispector

O SEGREDO

Há uma palavra que pertence a um reino que me deixa muda de horror. Não espantes o nosso mundo, não empurres com a palavra incauta o nosso barco para sempre ao mar. Temo que depois da palavra tocada fiquemos puros demais. Que faríamos de nossa vida pura? Deixa o céu à esperança apenas, com os dedos trêmulos cerro os teus lábios, não a digas. Há tanto tempo eu de medo a escondo que esqueci que a desconheço, e dela fiz meu segredo mortal.

Clarice Lispector
Todas as crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 2018.

Aceitar-me plenamente? É uma violentação de minha vida. Cada mudança, cada projeto novo causa espanto: meu coração está espantado. É por isso que toda minha palavra tem um coração onde circula sangue.

Clarice Lispector
Um Sopro de Vida (Pulsações). Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1978.

Não entendo de sonhos. Mas este me parece um profundo desejo de mudança de vida. Não precisa ser feliz sequer. Basta ano novo. E é tão difícil mudar. Às vezes escorre sangue.

Clarice Lispector
Todas as Crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 2018.

Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena!

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro, Rocco, 1999

Não, é que vivo em eterna mutação, com novas adaptações a meu renovado viver e nunca chego ao fim de cada um dos modos de existir. Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como posso, entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus.

Clarice Lispector
LISPECTOR, C. Um Sopro de Vida (Pulsações) . Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira. 3ª edição. 1978
...Mais

Não tenho uma palavra a dizer. Por que não me calo, então? Mas se eu
não forçar a palavra a mudez me engolfará para sempre em ondas. A palavra e a
forma serão a tábua onde boiarei sobre vagalhões de mudez.
E se estou adiando começar é também porque não tenho guia. O relato de
outros viajantes poucos fatos me oferecem a respeito da viagem: todas as
informações são terrivelmente incompletas.
Sinto que uma primeira liberdade está pouco a pouco me tomando... Pois
nunca até hoje temi tão pouco a falta de bom-gosto: escrevi “vagalhões de
mudez”, o que antes eu não diria porque sempre respeitei a beleza e a sua
moderação intrínseca. Disse “vagalhões de mudez”, meu coração se inclina
humilde, e eu aceito. Terei enfim perdido todo um sistema de bom Mas será este o
meu ganho único? Quanto eu devia ter vivido presa para sentir-me agora mais
livre somente por não recear mais a falta de estética... Ainda não pressinto o que
mais terei ganho. Aos poucos, quem sabe, irei percebendo. Por enquanto o
primeiro prazer tímido que estou tendo é o de constatar que perdi o medo do feio.
E essa perda é de uma tal bondade. É uma doçura.

A paixão segundo gh pág 20/21

"Tem toda a iluminação feérica — e ao mesmo tempo que se habitua lenta e muda e majestosa e delicadíssima e fatal — em ser mulher — é modesta demais para sê-lo, é fugaz demais para ser definida.
Ela me contou que na rua dirigiu-se a um guarda — e explicou que assim fez porque ele devia saber das coisas e ainda por cima estava armado, o que infunde respeito a ela. Falou assim para o guarda:
o senhor pode me informar, por obséquio, quando começa a primavera?"

Inserida por tham

A comunicação muda

O que nos salva da solidão é a solidão de cada um dos outros. Às vezes, quando duas pessoas estão juntas, apesar de falarem, o que elas comunicam silenciosamente uma à outra é o sentimento de solidão.

Clarice Lispector
Crônicas para jovens: de amor e amizade. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.

Estou absolutamente cansado de literatura; só a mudez me faz companhia. Se ainda escrevo é porque nada mais tenho a fazer no mundo enquanto espero a morte. A procura da palavra no escuro. O pequeno sucesso me invade e me põe no olho da rua. Eu queria chafurdar no lodo, minha necessidade de baixeza eu mal controlo, a necessidade da orgia e do pior gozo absoluto. O pecado me atrai, o que é proibido me fascina.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.