O Espiritismo na Arte Leon Denis
Ser feliz é complicado
mundo gira, cada passo
voa cavalo alado, algemado
cantando, perder o compasso.
Cantarolar em dor maior
dor que prende num bemol
sentir no peito dó maior
agonizo na espera dum sol.
Sinto caminhar, sem chegar
molho lábios em brisa nebulosa
saio em prantos, corda, sufocar
sou filme de noite conflituosa.
Se por vezes teu caminho odiei
pois fui cão na corrente de sua mão
ingenuo no tanto que te bajulei
me enterro no meio da solidão.
Sou árvore e tu minha poda
mas cresço, em cada estação
eres carro e eu sua roda
zombas, pisas no coração.
(No meio da solidão - Denis Santana - 2015)
Há tanto tempo não escrevo
certas coisas que preciso ouvir
razão qualquer, talvez medo
acordando dum sonho a sorrir.
Sou pássaro a fugir da gaiola
que passou a vida em segredo
não aprendi a voar mundo a fora
quando arrisco sinto ofegante o peito.
Andante sou, andarilho com asas
tenho algo que não, não sei usar
coração, uma vontade que falha
momento, dum sentimento mostrar.
No caminho de tantos cascalhos
fito meus olhos na fina lua nova
poeira de ondas, delicia de orvalho
aspergindo ouro num céu que renova.
Uma vida que vai, noutra vida que vem
chuto ventos, fingindo não me entregar
num querer dum respiro daquilo que tens
fragrância dum beijo de pássaro encantar.
Sigo a pouco escrever, sem ter
sentindo meu próprio canto ecoar
num corredor, de mãos como asas
sou ave migrante, buscando lugar.
(Pássaro - Denis Santana - 2015)
Pairar com o sofrimento
tapete mágico da paixão
ponteiro estalando lento
tempo contado em grão.
Apostar num jogo de azar
sabendo duma decisão
guilhotina a degolar
vida dum atento coração.
Se fria quiseres me arrancar
com força que tens nas mãos
prefira de uma vez me matar
a judiar lentamente em corrosão.
Sabes, meu sorriso é falso
por dentro, pura solidão
estrela dum brilho fraco
sozinha, nessa imensidão.
(Corrosão - Denis Santana - 2015)
Desisto, não sou kamicaze
desespero, rota de colisão
ferida se fecha com gaze
não caio, tenho um corrimão
Nos olhos de mero andante
sorri e bebi dum vulcão
sofri como manada berrante
sufocado de uma erupção
Não posso, sou renunciante
nas mãos, me envolve um vento
caio em prantos, dor torturante
não tem jeito, sou puro lamento
Tão vazio está este pátio
no silêncio ruge um leão
há vozes e no fundo um rádio
que figura, morrer por arpão
Respiro, desejo que arde
confesso, ouvir sua dicção
insisto, não sou kamicaze
sincero, sou seu guardião.
(Kamicaze - Denis Santana - 2015)
Fico perdido, mão trêmula
olho para o céu, vejo azul
teu cheiro como bússola
inebria, costas para o sul
No caminho, chuto pedras
cabisbaixo com o fracasso
arando, caindo na cratera
fogo forjando em pedaços
Me resta amizade, fantasiosa
apenas no rosto, mais um beijo
contato queima, pele vertiginosa
faísca, risco e fuga, devaneio
Um nome, não sei, talvez Lola
no peito, com L num brazão
canto, danço, numa gôndola
tristeza fim, aspiro abolição.
(Lola - Denis Santana - 2015)
Desisto do coração
vou pensando seriamente
jogar no calabouço
proteger avidamente
Desisto de me entregar
olhos fechados pra riqueza
não tenho para dar
sem barco em Veneza
Desisto de me encontrar
não quero me entender
é impossível que me vejas
frio intenso a viver
Desisto de rimar
as palavras são avessas
quando tento te falar
entre trilhas tão espessas
Desisto de mentir
ter coragem, me enganar
eis a vida que é tão seca
deserto vou nadar
Desisto disso aqui
em meu quarto vou ficar
não tenho para onde ir
medo, medo de amar.
(Desertor - Denis Santana - 2015)
Uma voz chamou Cristine
mas ela não respondeu
não há lua que ilumine
estou perdido neste breu.
Não negue que me amou
Cristine, me dê uma razão
não me digas que cessou
o calor do seu coração.
Simples, cale meu olhar
me deixando na tristeza
teu respirar é meu lugar
súdito de sua nobreza.
Eu preciso ter razão
caminhar com mais destreza
pensar com o coração?
suspiro com muita incerteza
Cristine, eu preciso ir
ainda não me respondeu
estou a beira de falir
eis que o dia amanheceu.
(Cristine II - Denis Santana - 2015)
Já não parece ser tão longe
seu coração de onde estou
bela, como este horizonte
suspirante, meu suspiro herdou
Olhando pelo canto da janela
reflete no vidro o seu desenho
te encosto, dou um beijo com cautela
seu gosto, meu amor, sou eu quem tenho
Seguro forte, te olho deste jeito
feche os olhos, quero te ver sorrindo
Minhas mãos deslizam no seu peito
sussurrando, como o vento bramindo
És meu calor, princesa fabulosa
és madeira, e eu seu artesão
delícia, uma pedra preciosa
eternamente, guarde minha confissão.
(Confissão - Denis Santana - 2015)
Se quiseres ausentar-se da cegueira de sua velhice
Recuse aos seus olhos, amanhã, o consolo dos jornais
Visite uma vez mais o radiante pomar de sua infância
Mas rejeite, então, a madureza sedutora dos pêssegos e das mangas
E deixe que os ventos levem os sucos que se precipitam
Siga a oeste sobre o sabor fluido do terreno
Não gatinhando como o menino que fora
Enverede, antes, para o profundo alinhamento de suas árvores
Agarrando-se à zelosa firmeza dos troncos mais cansados
E alcance o ressentido perfume dos limoeiros
Se quiseres ausentar-se da cegueira de sua velhice
Viole os limões com a vil severidade dos seus dedos murchos
Transpasse a falência dos seus olhos com as cascas laminadas
Despeje dentro deles o sumo corrosivo
E esconda-os, depois, atrás destes óculos de espinhos
Morte e redenção
Hoje hei de encontrar-me com Deus
Mamãe, tens de me ajudar nisto
Lembro-me de ter sido anjo um dia
Tu dizias tão certa e tão docemente
“Meu anjinho”
Papai já o dissera também
Lembras?
Mamãe
Não chores, hei de encontrar-me com Deus
Mas aquele anjo pequeno
Lembras?
Não – hei de ser ainda menor
Hei de ser menos
Hei de ser do tamanho de Deus
Mas ao contrário
Podes ajudar-me nisto?
Mamãe
Perdão, que eu não queria ter sido tão grande
Eram os demônios
Tantos demônios
Não bastava ser um anjo
Foi preciso ser grande
Acho que bem do tamanho de Deus
De verdade
Sabes?
Foi preciso te deixar a chorar
E eu chorei também.
Tantos demônios...
Mas hoje hei de encontrar-me com Deus
Tão pequeno quanto Ele é grande
Sabes o tamanho de Deus?
Pois devo ser o contrário
Tão grande quanto eu jamais pudesse ser ao contrário.
Mamãe
Temi-a covardemente, este grande louco
Mas se tu soubesses como é pequena
Acho que do tamanho de Deus
Mas ao contrário
Sabes a morte?
Quando eles nos deixarem a sós
Quero ser menor que o menor dos anjos
Porque hoje hei de encontrar-me com Deus.
Do que se vai passando neste jardim depois da chuva
Há um amontoado de papeis e garrafas, um barbeador, um frasco de desodorante, o resto de um sanduíche, outras tantas coisas descartadas. Ao lado, um saco negro intacto, lixo como o outro e como foi deixado ontem.
Que buscavam os cães?
A mulher que julgo ser a mãe do menino de bonezinho azul descuida e solta as suas mãozinhas por um instante. Ele se espatifa no chão e a alegria vai dando lugar a um chorinho que logo findará também, porque, como o sol e a lua, devem suceder-se sem demora nesta previsível encenação.
Não deviam os homens descalçar os pés, para que se mantenha imaculado o chão dos jardins onde se espatifam as crianças?
Porque choveu neste jardim, alguns pássaros sentem agora a sede urgente das plantas e bebem da água que descansa nos ramos mais fortes das cerejeiras.
Esses ramos, eles resistirão ao próximo outono?
Tivesse sido lançada sobre o fluxo de um rio furioso, também nele flutuaria a bola de cores leves que as crianças esqueceram no chafariz de água calma e já antiga.
Também todas as águas brincam de bola, aquelas do rio desengonçadas como um menino gordo?
Um mendigo dirige-me uma saudação jamais ensaiada, estende sobre um dos bancos o seu cobertor (apropriando-se desse banco ele parece ganhar alguma identidade) e aguarda tolerante o que lhe sirva de alimento.
Se um dia a comida faltar, voltará ele a este jardim?
Posso ouvir a voz lá longe: ...três, quatro, cinco, seis, sete... E me distraio com um bem-te-vi que sobrevoou o jardim e rumou para o leste.
O que procura a garotinha com a diligência de um investigador?
Ele vai se afastando depois de receber o beijo no rosto; abrem-se as comportas que represavam dentro deles o choro pubescente; ela sepulta o seu amor embaixo de uma cerejeira e se põe velá-lo, desprovida daquele colo.
O que teria se adiantado à ternura do olhar que veio depois - o beijo, as lágrimas ou o sepultamento?
"Um louvor às calamidades
É verdade que os soldados ainda morrem
Também crianças e cachorros
Mas não há guerra que me alcance
Não há mísseis nem outra arma sobre mim
Nenhuma ameaça ou perigo
O terror sempre tão distante
(Reconheço o esforço dos jornais
Embora as edições não me encantem
Sei que fariam chegar até mim
Não fosse o atraso da ciência
Um pedaço ainda mole de corpo morto
Uma gota de sangue fumegante)
E adormeço longe de calamidades
Nessa dormência que é ser e só
As pestes andam a depurar sementes
Inviabilizam-se epidemias improváveis
Sou imune à oficial precariedade dos acordos
E a tudo o que será História doravante."
Duas certezas
Só tenho essas duas certezas:
A ansiosa certeza do não saber
Até quando hei de permanecer
Na escuridão que ainda habito
Diante do vão tentador da janela
Calado como o silêncio.
E a covarde certeza de saber-me ameaçado
Não pela perigosa lida do vento
Da chuva, de corujas ou de ladrões
Mas pela luz inofensiva que há além da janela
Onde mora a mais dura das minhas certezas
A que evito cegamente
Cega certeza da sua ausência.
DIANTE DAS ADVERSIDADES E DOS OBSTÁCULOS ENCONTRADOS OU COLOCADOS POR MIM EM MEU CAMINHO E, DA PLENITUDE LIMITADA DE MEUS PENSAMENTOS INFINITOS, PUDE CONSTATAR QUE NA ESTRADA QUE DECIDI SEGUIR NÃO HÁ CERTO OU ERRADO, BOM OU RUIM, BEM OU MAL. HÁ SOMENTE EU...INSATISFEITO COMIGO MESMO E BUSCANDO MUDAR AQUILO QUE É IMUTÁVEL, O EU. A PERSONALIDADE, A ESSÊNCIA ÚNICA DAQUILO QUE NÃO EXISTE PAR, QUE É SINGULAR, IMPAR. E ENTÃO RECONSIDERO...POIS DENTRO DA RAZÃO NÃO HÁ SENTIMENTO E O INVÉS É RECÍPROCO. LOGO, TORNO-ME AQUILO QUE NUNCA FUI E QUE SEMPRE QUIS ME TORNAR, EU!
