Nao sou uma Pessoa que Espera a Elogiar
A raposa e as uvas
Morta de fome, uma raposa foi até um vinhedo sabendo que ia encontrar muita uva. A safra tinha sido excelente. Ao ver a parreira carregada de cachos enormes, a raposa lambeu os beiços. Só que sua alegria durou pouco: por mais que tentasse, não conseguia alcançar as uvas. Por fim, cansada de tantos esforços inúteis, resolveu ir embora, dizendo:
- Por mim, quem quiser essas uvas pode levar. Estão verdes, estão azedas, não me servem. Se alguém me desse essas uvas eu não comeria.
Moral: Desprezar o que não se consegue conquistar é fácil.
[Leitura]
Se é proibido escrever nos monumentos, também deveria haver uma lei que proibisse escrever sobre Shakespeare e Camões.
[A Carta]
Quando completei quinze anos, meu compenetrado padrinho me escreveu uma carta muito, muito séria: tinha até ponto-e-vírgula! Nunca fiquei tão impressionado na minha vida.
Quando você decidiu que uma coisa tem que ser feita, e a está fazendo, nunca evite de ser visto fazendo-a, mesmo que uma multidão possa provavelmente julgá-la inapropriada. Pois se você não está agindo corretamente, evite o ato em si; se estiver agindo corretamente, no entanto, porque temer a censura errada?
Uma infinidade de seres inferiores ao ser humano prova uma infinidade de seres superiores a ele.
Quando você é mãe, você nunca está realmente sozinha em seus pensamentos. Uma mãe sempre tem que pensar duas vezes, uma por ela e outra por seu filho.
A recusa da existência é ainda uma maneira de existir. Ninguém conhece, enquanto vivo, a paz do túmulo.
Observei que o carácter de quase todos os homens parece particularmente adaptado a uma certa idade da vida, de modo que nela se apresenta da forma mais proveitosa. Alguns são jovens amáveis, e depois isso passa, outros, homens enérgicos e activos, dos quais a idade rouba todos os valores. Muitos apresentam-se mais favoravelmente na velhice, quando são mais indulgentes por serem mais experientes e serenos.
Os aduladores são como as plantas parasitas que abraçam o tronco e os ramos de uma árvore para melhor a aproveitar e consumir.
Cedo ou tarde você vai aprender, assim como eu aprendi, que existe uma diferença entre conhecer o caminho e trilhar o caminho.
Aquele que tem uma profissão tem um bem; aquele que tem uma vocação tem um cargo de proveito e honra.
Um Apólogo
Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
– Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma coisa neste mundo?
– Deixe-me, senhora.
– Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
– Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
– Mas você é orgulhosa.
– Decerto que sou.
– Mas por quê?
– É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
– Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu, e muito eu?
– Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...
– Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás, obedecendo ao que eu faço e mando...
– Também os batedores vão adiante do imperador.
– Você é imperador?
– Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana – para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
– Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte; continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:
– Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:
– Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:
– Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!
Perder um pai ou uma mãe, senhor Worthing, pode ser considerado um infortúnio; mas perder ambos parece descuido.
A liberdade é uma planta que cresce depressa quando ganha raízes.