Nao me Pergunte quem sou

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O Mapa

Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...

(E nem que fosse o meu corpo!)

Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...

Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)

Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso...

Quem num mundo cheio de perversos pretende seguir em tudo os ditames da bondade, caminha inevitavelmente para a própria perdição.

Existe a quem falte o delicado essencial.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Velhos amigos, novos amigos

Quem é seu melhor amigo(a)? Deixe ver se adivinho: estuda na mesma escola ou cursinho, tem a mesma idade (talvez um ano a mais ou a menos), frequenta o mesmo clube ou a mesma praia.
Se errei, foi por pouco. Não é vidência: minha melhor amiga também foi minha colega tanto na escola quanto na faculdade e nascemos no mesmo ano. São amizades extremamente salutares, pois podemos dividir com eles angústias e alegrias próprias do momento que se está vivendo. Mas fique esperto. Fechar a porta para pessoas diferentes de você é sinal de inteligência precária.
Durante a adolescência, é vital repartir nossas experiências com pessoas que pensem como nós e que tenham o mesmo pique: é importante sentir-se incluído num grupo, de pertencer a uma turma. Perde-se, no entanto, o convívio com pessoas de outras idades e de outros "planetas", que muito poderiam lapidar a nossa visão de mundo.
Entre iguais, tudo é igual. A vida ganha movimento é na diferença. Se você é rato de biblioteca, iria se divertir ouvindo as histórias contadas por um alpinista experiente.
Se você tem muita grana, ficaria surpreso em saber como dá duro o cara que trabalha de
dia para poder estudar à noite e o quanto ele precisa economizar para tomar dois chopes no sábado. Se você curte música, seria bacana conversar com quem curte teatro.
Se você é derrotista, seria uma boa bater um papo com quem já sofreu de verdade.
Você, que se acha uma velha aos 27 anos, iria se divertir muito com os relatos de uma cinquentona irada. E você, beirando os 60, se surpreenderia com a maturidade de um garoto de 18.
Para os de meia-idade, nada melhor do que ter amigos nos dois extremos: da garotada que lhe arrasta para dançar até aqueles que estão numa marcha mais lenta, que já viveram de tudo e de tudo podem falar.
A cabeça da gente comporta rafting e música lírica, videoclipes e dança flamenca, ficar com alguém por uma noite e ficar para sempre.
É importante cultivar afinidades, mas as desafinações ensinam bastante. No mínimo, nos fazem dar boas risadas.
Vale amizade com executivo e com office-boy, com solteiros e casados, meninas e mulheraços, gente que torce para outro time e vota em outro partido.
Vale sempre que houver troca. Vale inclusive pai e mãe.

Existirá algo mais agradável do que ter alguém com quem falar de tudo como se estivéssemos falando conosco mesmos?

Eu ouço música
como quem apanha chuva:
resignado
e triste
de saber que existe um mundo
do Outro Mundo...
Eu ouço música como
quem está morto
e sente
já um profundo
desconforto
de me verem
ainda neste mundo de cá...
Perdoai,
maestros,
meu estranho ar!
Eu ouço música
como um anjo doente
que não pode voar.

Mario Quintana
Apontamentos de História Sobrenatural. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

Quem rebaixa a si mesmo, quer ser elevado

O Tempo

Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.

Industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar
e entregar os pontos.

Aí entra o milagre da renovação
e tudo começa outra vez, com outro número
e outra vontade de acreditar
que daqui para diante tudo vai ser diferente.

Roberto Pompeu de Toledo

Nota: Texto muitas vezes atribuído, de forma errônea, a Carlos Drummond de Andrade.

Dizem que a vida é para quem sabe viver, mas ninguém nasce pronto. A vida é para quem é corajoso o suficiente para se arriscar e humilde o bastante para aprender.

Desconhecido

Nota: O pensamento costuma ser atribuído a Clarice Lispector, mas não há fontes que confirmem essa autoria.

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Tenho mais compaixão do homem que se alegra no vício do que pena de quem sofre a privação de um prazer funesto e a perda de uma felicidade ilusória.

Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto – e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente. Mas é um vazio terrivelmente perigoso: dele arranco sangue. Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavras que digo escondem outras – quais? talvez as diga. Escrever é uma pedra lançada no poço fundo.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Quem me dera
ao menos uma vez
Que o mais simples
Fosse visto como o mais importante...

A mulher e o homem da nossa vida é quem está à mão e nos faz feliz.

Quem vive comigo sabe. Quem convive comigo sente. Eu amo poucos. Mas esses poucos, pode apostar, amo muito.

O que é um espelho? É o único material inventado que é natural. Quem olha um espelho, quem consegue vê-lo sem se ver,quem entende que a sua profundidade consiste em ele ser vazio (...) esse alguém percebeu o seu mistério de coisa.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Rocco. 1998.

Para vermos o azul, olhamos para o céu. A Terra é azul para quem a olha do céu. Azul será uma cor em si, ou uma questão de distância? Ou uma questão de grande nostalgia? O inalcançável é sempre azul.

Clarice Lispector
Todas as crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 2018.

Nota: Trecho da crônica Cosmonauta na Terra.

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ENTRE SONO E SONHOS

Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.
Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.

Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.

E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre —
Esse rio sem fim.

Assim que escurecer vou namorar.
Que mundo ordenado e bom!
Namorar quem?
Minha alma nasceu desposada
com um marido invisível.

Sábio é quem se contenta com o espetáculo do mundo.

Fernando Pessoa

Nota: Trecho adaptado do livro "Odes de Ricardo Reis", de Ricardo Reis (heterônimo de Fernando Pessoa). Link

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Erra muito menos quem, com olhar sombrio, considera esse mundo uma espécie de inferno e, portanto, só se preocupa em conseguir um recanto à prova de fogo.