Paulo Leminski

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Haja hoje para tanto ontem

cortinas de seda
o vento entra
sem pedir licença

viver é super difícil
o mais fundo
está sempre na superfície

acordei e me olhei no espelho
ainda a tempo de ver
meu sonho virar pesadelo

tudo dito,
nada feito,
fito e deito

amar é um elo
entre o azul
e o amarelo

jardim da minha amiga
todo mundo feliz
até a formiga

a estrela cadente
me caiu ainda quente
na palma da mão

ameixas
ame-as
ou deixe-as

soprando esse bambu
só tiro
o que lhe deu o vento

outubro
no teto passos pássaros
gotas de chuva

lá embaixo
vai ter
o que eu acho

o mar o azul o sábado
liguei pro céu
mas dava sempre ocupado

Quem dera eu achasse um jeito
de fazer tudo perfeito,
feito a coisa fosse o projeto
e tudo já nascesse satisfeito

Paulo Leminski
Distraídos venceremos. São Paulo: Brasiliense, 1987

Nota: Trecho do poema "Sujeito Indireto"

...Mais

Isso de ser exatamente o que se é ainda vai nos levar além.

Paulo Leminski

Nota: Trecho adaptado de poema de Paulo Leminski

Lápide 1
Epitáfio para o corpo

Aqui jaz um grande poeta.
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito,
são suas obras completas.

Paulo Leminski
Toda Poesia

Dor elegante

Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Como se chegando atrasado
Andasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nessa dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra

vazio agudo
ando meio
cheio de tudo

Enchantagem

de tanto não fazer nada
acabo de ser culpado de tudo

esperanças, cheguei
tarde demais como uma lágrima

de tanto fazer tudo
parecer perfeito
você pode ficar louco
ou para todos os efeitos
suspeito
de ser verbo sem sujeito

pense um pouco
beba bastante
depois me conte direito

que aconteça o contrário
custe o que custar
deseja
quem quer que seja
tem calendário de tristezas
celebrar

tanto evitar o inevitável
in vino veritas
me parece
verdade

o pau na vida
o vinagre
vinho suave

pense e te pareça
senão eu te invento por toda a eternidade

nunca cometo o mesmo erro
duas vezes
já cometo duas três
quatro cinco seis
até esse erro aprender
que só o erro tem vez

quando eu tiver setenta anos
então vai acabar esta minha adolescência

vou largar da vida louca
e terminar minha livre docência

vou fazer o que meu pai quer
começar a vida com passo perfeito

vou fazer o que minha mãe deseja
aproveitar as oportunidades
de virar um pilar da sociedade
e terminar meu curso de direito

então ver tudo em sã consciência
quando acabar esta adolescência

duas folhas na sandália

o outono
também quer andar

Confira
tudo que
respira
conspira

Estupor

esse súbito não ter
esse estúpido querer
que me leva a duvidar
quando eu devia crer

esse sentir-se cair
quando não existe lugar
aonde se possa ir

esse pegar ou largar
essa poesia vulgar
que não me deixa mentir

sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos afora

calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa