Nao Consigo te Odiar
CONSCIÊNCIA PRETA E PARDA
Demétrio Sena - Magé
Minha terra tem dores e gemidos
que não cessam; ecoam no meu ser;
meus ouvidos perguntam até quando
vai doer a presença do passado...
A ferida simula cicatriz,
mas a casca não dura sobre a pele
do país que a cutuca; não perdoa
o silêncio rompido à luz dos tempos...
Despertamos a nossa consciência;
não há mais paciência pro racismo
declarado, sutil nem distorcido...
Seja meu e de todos meu país,
filial de matriz da qual se orgulham
filhos pretos e pardos da esperança...
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Respeite autorias. É lei
BILHETE
Demétrio Sena - Magé
Não é que eu não queira mais me magoar. Tudo bem eu me magoar. Mas acontece que quando você me causa mágoa, corro sempre o risco de lhe causar mágoa maior do que a mágoa que você me causa.
Sim; magoar você me magoa. De certa forma, o amor que lhe devoto me fez egoísta... e me tornou capaz de finalmente fugir, para que você não me magoe outra vez, levando-me a magoá-la profundamente pela nova mágoa profunda que sofro.
Mesmo sabendo que não serei perdoado pelo meu não perdão, peço perdão por não perdoá-la como sempre fiz... de antemão lhe perdoo por, de antemão, você não me perdoar porque agora não lhe perdoo.
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POESIA INTRANSIGENTE
Demétrio Sena - Magé
Pra que serve a poesia em nossa vida,
se não for pra ser tudo, absoluta,
pra rasgar a ferida e suturá-la,
ir à luta e também à diversão?
Ser profunda; supérflua; densa e leve;
versos livres ou livres pra não serem;
brincalhona, de greve, guerra e paz,
engajada e sem lema nem bandeira...
Como ser um poeta que se obriga
ou que foge dos riscos de querer
e se abriga de seus inusitados?
Não entendo a poesia sem poesia
do poema que teme o novo e o velho,
quando cria raiz intransigente...
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DECLARAÇÃO DE AMOR
Demétrio Sena - Magé
Se ainda não o fiz nem tenho mais como construir belas e reconfortantes lembranças afetivas, preciso magoar bastante quem ainda me ama... trocar em seus corações, antecipadamente, a longa dor da machucada saudade pelo breve alívio do rancor... e pela tristeza do vazio a deixar, o conforto bem resolvido e inexplicável da decepção e da mágoa. O longo ranger de dentes, farei trocar pela ira vingativa e doce de alguns dias. Ou ainda o sentimento inevitável de perda pela sensação de livramento. Será minha última declaração ou prova de amor a quem amo e por acaso também me ame: dar-lhes a última e grande chance de substituir o gosto amargo do adeus pelo impulso libertador e fugaz de "já vai tarde".
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PLANTIO CIDADÃO
Demétrio Sena - Magé
Nada muda,
se todo mundo
não plantar
sua muda...
Nada muda
pra melhor,
se até o mudo
e a muda
não gritarem
com atitude...
Todo mundo,
todo mudo,
toda muda
(de temor),
têm que achar
a coragem
no auto amor...
soltar a voz
tão grave
quanto aguda...
E saber
que nossa vida
um dia muda,
se nossa voz
soltar o ato...
plantar a muda...
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"ESCREVIDÃO"
Demétrio Sena- Magé
Chego ao fim,
se não escrevo;
me comprimo, anulo,
congelo e travo...
é por isso que me atrevo
a dizer: eu não escrevo...
eu escravo.
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"POETA E ESCRITOR"
Demétrio Sena- Magé
Não entendo por que dizem "poeta e escritor". Com ou sem livro publicado, quem tem a prática da escrita literária - poesia ou prosa - é um escritor; uma escritora. Dizer poeta e escritor é como dizer: artista e fazedor de arte; professor e ensinador; enfermeira e profissional de saúde; arquiteta e desenhista de projetos arquitetônicos; católico e cristão... Você entendeu o que eu "disse e verbalizei", ou melhor; o que eu "escrevi e redigi"? Agora você já "sabe e tem conhecimento disso". "Por nada e não há de quê".
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PROMISSÓRIA
Demétrio Sena - Magé
Devo à vida um empréstimo tão alto;
meu passado não quis me perdoar;
um assalto a meus anos mais singelos
me tornou seu eterno devedor...
Tenho tantos ferrões em minha mente;
a poeira nos olhos pro futuro
faz levar o presente como carga
sem seguro e nenhuma garantia...
Há um mundo blindado ao meu redor;
minha dor de saber que não me cabe
sabe quanto vazio está por vir...
Hoje sei como a vida é agiota;
como hei de morrer pagando juros,
mas a nota jamais será quitada...
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"EMBORA O NÃO OBSTANTE"
Demétrio Sena - Magé
Às vezes faço de às vezes,
o que no fundo é de sempre,
no meu excesso de nunca...
Por vezes tento não crer
no que os ouvidos enxergam;
não ver a voz do silêncio
do que acontece ao redor...
Ou tento não dar ouvidos
aos próprios olhos atentos,
pelo melhor do pior...
nem dar sentido ao que sinto
que já nem sinto que sinto,
de tanto que já senti...
E tantas vezes percebo
que disse puras verdades
em tudo quanto menti...
Fecho a boca pra não ver,
pra saber que não sei nada,
embora o não obstante...
Em outras tento tentar
manter a mente calada;
o coração não pensante...
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COMO TODA FÉ PRESCREVE
Demétrio Sena - Magé
O ateísmo não é uma forma de crença. É uma não crença. Como não crença, não é uma certeza: não acreditar não é o mesmo que saber que não existe, não há ou não é. Seria uma forma torta de fé, ter a certeza de que Deus não existe. Ou aquela certeza inversa do invisível; do intocável; do impossível de provar, absurdamente, como inexistência. Como desmentir o que acreditam pela fé, sem nenhuma exigência científica ou de qualquer outra natureza? Como alguém poderia provar uma não existência?
Em meu ateísmo, sei apenas que não sei de nada, e vejam só: ainda plagio Sócrates, ao confessar meu não saber. Isso prova o quanto não tenho qualquer bagagem para desqualificar a fé no Possível Deus, em deuses, em sobrenaturais. Além de tudo, meu ateísmo não nasceu de uma grande agonia, uma busca incessante ou qualquer frustração de natureza espiritual. Nasceu e cresceu de uma tranquilidade pessoal; da falta estrutural de uma necessidade íntima dessa busca de apoio extra-terreno.
Nada comove ou converte quem é bem resolvido com as agonias e desventuras do ser humano. E para mim, seria injusto e cruel "descomover" e "desconverter" quem achou esse justo e confortável sentido de seguir. Pregar o ateísmo seria criar o caos absoluto, para convidar pessoas a perderem o sentido que um dia encontraram e saltarem nesse abismo sem a garantia fantástica da fé no sobrenatural. Ateísmo é construção intima e lenta, não induzida. Um ateu não é um pastor do caos.
Que haja respeito recíproco sincero a todos os de fé. Aos que vivem realmente a fé (qualquer fé, em quem ou quê), de boa fé... e haja paz entre as diferentes crenças que se respeitam entre si e também respeitam as não crenças, como toda fé prescreve... como todo livro sagrado manda ou orienta... como todos os dias deveria ser, pela construção e a permanência de um mundo realmente melhor... e o tal de mundo melhor deixe de ser apenas um bordão atado aos interesses de cada um.
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DOR SOCIAL
(um poema solidário)
Demétrio Sena - Magé
Não entendo essa gente que bajula,
porque tem que ficar do "melhor lado",
coagula o carinho, a identidade,
por agrado a quem dá maior status...
Cuja escolha faz contas, avalia
os perigos do ético e do justo;
da real amizade, a promissória
ou o custo por não se tabelar...
Beija pés de patrão contra o colega,
se desvia do amigo por prestígio;
menospreza os afetos por "imagem"...
Vim aqui te abraçar, correr os riscos
desses fiscos cobrados ao redor,
nessa dor social que te sufoca...
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MINHA COLCHA
Demétrio Sena - Magé
Se remendo meus dias por aqui,
é porque não conheço a fraude certa
pra deixar a cortina com seus flancos
numa rua deserta e sem saída...
Vou perdendo vontades e sentidos;
descarrego as quimeras que sobejam;
calo todas as minhas tempestades
que trovejam arroubos de festim...
Ser poeta me traz algum alento;
ter o vento que acolhe meus segredos
pra guardar na distância que me chama...
Só aí se completa minha colcha,
porque forjo no tempo meus retalhos
em atalhos de sonhos desbotados...
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SEGUIR VIVENDO
Demétrio Sena - Magé
Hoje dá para rir; se não pra vida,
rir da vida e de suas ironias,
desses dias intensos e pesados
que parecem milênios ante os pés...
O deboche me ajuda na jornada;
ser curinga dá forças pra seguir,
pois é minha fachada; camuflagem
pra forçar a licença mundo afora...
De repente não acho tão difícil
suportar cada míssil da verdade
sobre toda esperança construída...
Finalmente me achei nestas ruínas;
pulo minas, dou língua para tudo
e pareço pacato a quem me vê...
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BEM-TE-VI
Demétrio Sena - Magé
Desde sempre te vi, apesar de não ver,
te senti com a força da minha existência,
no vazio do ser que alimentava um flanco
sem essência possível para se nutrir...
Eu te vi no silêncio da distância infinda,
vi teus olhos tão fora do alcance dos meus,
te achei linda sem formas nem fisionomia,
sob véus de mistérios, fundos desafios...
Foste a minha vidência, minha profecia,
que minh'alma guardava temendo ilusões,
não sabia se dava para esperançar...
E te vi conquistar o meu mundo carente,
minha mente, meu corpo como não previ,
quando vi que te vi tão real para mim...
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(PIN)GENTES
Demétrio Sena - Magé
Há quem sinta saudades do "não sou coveiro";
de governo que manda "passsar a boiada",
quando a própria boiada não sabe que passa
nem percebe o terreiro sob as próprias patas...
Muitos têm nostalgia das "filas dos ossos",
do tirano que "zoa" enquanto o povo morre;
que propõe um veneno pra "santo remédio"
e um porre de farsas pra calar as mentes...
Multidões de capachos da falácia insana,
da versão desumana de governo "brabo",
querem ter novamente o seu "dono e senhor"...
Os que pensam que pisam como são pisados,
querem anos passados de tormenta e caos;
pendurados nos maus é que se sentem bons..
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DECLARAÇÃO DE AMOR
Demétrio Sena - Magé
Quando me sinto magoado e me afasto, não é exatamente porque me sinto magoado. É porque uma; no máximo duas vezes magoado com profundidade, a próxima vez pode ser bem dura, não para mim, mas para quem volte a me magoar. Pelo meu temperamento, sou capaz de retornar a mágoa ao quadrado; ao cubo; exponencialmente... não quero isso para quem tem o meu afeto. Ninguém, nas minhas relações mais estreitas merece a natureza do meu rancor, quando sou ferido mais do que posso entender e suportar. Prefiro causar a indignação passageira do silêncio e o sumiço, a cometer o destempero do qual sou capaz, caso sinta, repetidamente, a dor da decepção com uma pessoa muito querida. Nestes casos, meu afastamento é protecionista... é a minha incompreensível demonstração de amor.
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RENÚNCIA PREVENTIVA
Demétrio Sena - Magé
Se não for pra ser leve, destravada,
divertida, sem muitos entrelaços,
não há nada que assine uma paixão
nem ateste outros laços afetivos...
É preciso fluir, planar sem peso,
ser alegre, sem pontos obscuros,
não haver indefeso em um dos lados
ou ter juros extensos pra pagar...
Nenhum laço combina com entraves,
cadeados e chaves, aguilhões
gradativos; crescentes no silêncio...
Precisamos olhar além do agora,
quando a hora sugere longo tempo
de rangidos e toxicidade...
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SEM RESSENTIMENTO
Demétrio Sena - Magé
Constatei numa ida que não trouxe vinda,
em um tímido aceno pra te resgatar,
que não vais dar um passo pra fora do andor
nem calar a razão que sempre tens que ter...
Esse meio caminho que perfiz pra ti
não te fez repensar e perfazer teu meio;
consenti ao meu peito relevar a mágoa
ou achar esse freio da fuga sem fim...
Afiaste a vingança contra o que fizeste,
porque tens que fingir que na verdade fiz
e lançar uma peste na minha Sodoma...
Mas no fim me fez bem dar o braço a torcer,
ao vencer o meu brio e sentir a leveza
pra voar sem correntes de ressentimentos...
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NUDEZ
Demétrio Sena - Magé
Temos corpo; não tê-lo é que seria
uma coisa imoral; despudorada;
todo dia nos vemos como somos
(não há nada profano à flor da pele)...
Tudo bem; nossas roupas nos adornam,
mas a nossa beleza rompe as tendas;
os recortes nos mostram sob os panos,
pelas fendas de zíperes; botões...
Somos corpos que os braços insinuam
(nossos rostos, as mãos e os joelhos
são espelhos do quanto renegamos)...
Nosso espírito é corpo da fachada;
a nudez é sagrada; sacrossanta
e o corpo é o espírito carnal...
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ASPAS
Demétrio Sena - Magé
Quem "não erra" me causa temores e cismas;
a razão como regra me faz pisar leve;
os excessos, sofismas, não importa como,
que definem alguém como senhor dos fatos...
Como sou tão incerto, mas às vezes tenho
minhas luzes menores de saber modesto,
chega o dia em que venho reclamar a vez
de ser quem está certo em alguma questão...
Quem "não erra", por isso nunca sai das aspas,
põe as caspas ocultas entre a cabeleira,
já me cansa do quanto está sempre no alto...
É assim que desisto, me rendo, me puxo
para o luxo da paz de ceder a razão,
mesmo quando a detenho de fato e direito...
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