Liberdade pra Mim e pouco
Pode ser que te tenham ferido, como também feriram a mim; mas tudo o que dói costuma ter sido acariciado antes. E a dor e o pranto passam, mas a carícia continua para sempre.
Podes pensar em mim, mas não te canses a pensar por mim! Eu própria me surpreendo a cada dia que me conheço.
Numa tela pintei o teu corpo
com a cor do amor.
Depois desenhei–te em mim
Num abraço profundo..
Sinto-te em mim
Vives em meus sonhos
e meus silêncios!
AUGUSTO E EU
Entre mim e augusto existe o tempo e a imensidão; outonos dourados que derramaram pétalas e desfolharam árvores avolumando a relva que adubaram o solo e esconderam os vestígios dos que perambularam, dos que caçaram, dos que fugiram, ou simplesmente se perderam ao acaso... em busca de um senso, de um espírito, de algo surreal que dê sentido à isso; e o que me faz pensar que eu sou augusto? Ah, eu não sei, algo, uma presunção megalomaníaca, fantasmas, os demônios que escarravam os seus poemas, os vermes... eu não sei... augusto e e, caminhamos... um pântano sinistro galhos e raízes como esqueletos dos que perecem num purgatório que habita na nossa própria essência. Alta madrugada e eu esfacelado na minha sensibilidade diante das agruras que sangram a alma de qualquer ser com fôlego e tato, diante desse cotidiano maldito; Augusto gargalha algum poema com farpas, entrementes onde estive esse tempo? este plasma indócil vagou pelos desertos da África; colhi fome, miséria e inanição; a Etiópia cingiu minh'alma e tingiu minha pele. O deserto habita o meu silencio e povoa o meu coração. augusto me olha deste abismo inexplicável de abstrações que serve de pilar à poesia; caminhamos juntos entre a lógica e o absurdo, tudo que explica perfeitamente o que não somos de uma forma coerente a se fazer dissolver o que é real nesse universo de moléculas, átomos e estrelas; mas eu tenho os meus sonhos, sonhos como chuvas, como rigorosos invernos e nessa realidade árida, só me resta chover...
Você se foi com a chuva de verão levando o sol e a luz
Pra mim paixão não foi e jamais será aquilo que seduz
Assim eu me pergunto o que é isso então que nada apraz
Sinto saudade e a felicidade eu penso nunca mais
Ficaram sim lembranças doces e jamais esquecerei
Nossos momentos e a cumplicidade que tinhamos em comum
O que vivemos juntos, a dimensão não sei
Mas algo igual jamais encontrei em sentimento algum
Sigo mais triste e mais sozinho embaraçado em meu viver
Tentando acreditar no amor ou algo similar
Eu sou teimoso, leigo e insisto nessa insensatez
O que de nós persiste ainda dá prazer
E isso me intriga e me faz acreditar
Que a chuva de verão que um dia te levou te trará outra vez
Sempre digo pra mim mesmo
que não é fácil ter setenta anos anos
meus documentos não dizem que eu tenho setenta anos...
mas quando eu tinha trinta eu já imaginava isso,
as lembranças pesam, as saudades machucam,
acho que já tenho oitenta; olhando adolescentes de hoje
penso que já nasci adulto, eu não fazia muito barulho,
eu não achava tudo engraçado, eu me encantava com as manhãs,
com o céu azul e as colinas, eu gostava de pensar,
não nas coisas que os adultos de hoje pensam,
talvez eu não seja normal, penso que já tenho cinco séculos...
quem normal pensaria que é eterno, quem normal pensaria que é Deus
Amo a poesia
e a poesia é apaixonada por mim,
às vezes, de madrugada
ela me acorda
e murmura no meu ouvido:
''escreve-me''
Não faz assim, vai devagar
tem pena de mim
só sei fazer poema
e tenho ponte de safena
o coração pode nem suportar...
UM POUQUINHO DE MIM
Todos os poemas que fiz,
Nos momentos que pensei
Que era triste ou infeliz,
Todas as palavras que falei
Ou tudo que deixei de dizer,
Todos os beijos por compaixão,
Por paixão ou por prazer...
Por tudo que eu disse sim,
Ou tudo o que eu calei
Quando não dizia não,
Por algum motivo á toa,
Todas as lembranças boas
Ou que eu julgava assim...
Foi por uma doce ilusão,
Que já ficou esquecida
E deixada para trás
Porque pensava infinito
O que era apenas bonito
Mas que logo tinha fim...
Por tudo isso eu digo,
Que todos os poemas que escrevi
Tinha um pouquinho de mim...
Mil poetas habitam em mim,
Muitos deles vêm das trevas,
Podem ver não tenho estilo,
Sou uma espécie de purgatório
Até os seus dias de juízo...
A OUTRA MARGEM
Se eu soubesse de mim há muito tempo
não teria perdido tantos ocasos;
me perdi nos olhos de gurias farsantes, acanhadas e recatadas;
em seus sorrisos de pérolas,
ou nos perfumes de rosas campestres de suas presenças.
Do outro lado do rio, onde caía todas as pipas,
onde se escondia o resto do arco- Iris
e o sol cochilava no final de tardes tépidas de verão
morava um outro eu.
Mas vovó falava de um lobisomem daquele lado.
Eu chegava à sua margem e acenava àquela silhueta magra do outro lado;
a noite sonhava com uma trilha de pegadas gigantes
e imaginava uma figura horrenda
acordava afobado, rezava o credo
e corria pro lado de mamãe na outra cama .
um dia um balão caiu no outro lado do rio
e incendiou parte das minhas fantasias,
mas eu já conhecia o perfuma campestres de rosas
e o sorriso de pérolas de algumas gurias.
Agora percebo que as pipas gostam de transpor fronteiras
e as vezes o vento sopra para o nosso lado;
os ocasos jamais se perdem,
eles ficam de uma forma ou de outra guardados em nossos olhares
e quanto aquela silhueta magra
que me acenava do outro lado do rio;
o meu outro eu, me impõe uma única dúvida:
quem é a outra margem??
ESQUECE
Não se esqueça de mim
Não esquece a roupa no varal
Não esquece tem sal no feijão
Não esquece a vida
As contas de água e de luz,
Não esquece segunda é feriado nacional
Não esquece o gari vai passar,
O dentista o plano funeral,
Não esquece a ração
E as vacinas dos gatos,
Os retratos CPF e título de eleitor,
As cobranças boletos e faturas,
Não esquece as mensagens fonadas,
Não esquece o galego, e o dinheiro do queijo
Quebra pedra, o boldo e o mastruz,
Nõo esquece as ervas...
Não esquece o dízimo e missões
Não esquece o fogão aceso,
O ferro ligado, torneira pingando
E se houver tempo para todas as pequenas coisas
Esqueça de ser feliz...
. Quando a saudade perguntar por mim
Diga que a solidão que já me esqueceu
Solidão sempre pergunta por saudade
Saudade pra mim já morreu
