Lago
TRIGÉSIMO SEXTO HEXÁSTICO
vê… rosas multicoloridas
estão novamente nascendo!
todas as praças estão sorrindo
há nova esperança surgindo
em cada jardim florescendo
cada pétala é liberdade
TRIGÉSIMO SÉTIMO HEXÁSTICO
Resgata teus mitos e símbolos
traze-os ao limiar da consciência
a imagem é tua plenitude
resgat’a dimensão existencial
perdida nos vales modernos
serás pois espelho de deus
TRIGÉSIMO OITAVO HEXÁSTICO
Queira pois o Tempo e o Sem-Tempo
“Ksana” é momento favorável
hierofania do ser sagrado
iluminação dos opostos
no espaço do contraditório
produz ser e sabedoria
TRIGÉSIMO NONO HEXÁSTICO
esquece da morte profana
transcende-te a ti tão somente
verás que do eterno retorno
tua ossatura será outro verbo
após livre da mundidade
toda vida é sabedoria
À BEIRA DO CAIS
De João Batista do Lago
O velhinho sentado à beira do cais
é silêncio puro
num final de tarde febril
no ocaso de um dia de abril
onde o sol não sorriu para os cabelos brancos
feito asas de gaivotas soltos na imobilidade do vento
Sento-me ao seu lado
vazio...
e calado...
e mudo na prenhez do tempo e do espaço…
Os meus cabelos ainda estão viçosos
alinhados e sem quaisquer querelas com o vento
estão nervosos
e bem mais sofridos que aqueles cabelos brancos sustentados de experiências
capazes de tudo falarem sem uma palavra sussurrar
E eu tão jovem querendo auscultar
o lamento que somente as ondas do mar ouvem
caladas e correm como loucas para...
para guardar na profundidade do seu mar profundo e eterno
as minhas queixas...
as minhas querelas...
e todas as minhas
mágoas guardadas na plenitude daqueles cabelos brancos feito asas de gaivotas famintas do peixe
De repente
o velhinho sentado à beira do cais
levanta-se
e sem me dizer uma palavra
sem um adeus
sumiu na plenitude do tempo e do espaço
Fiquei só sentado à beira do cais...
ESPÍRITOS LIVRES
Onde vos encontrais
Ó espíritos caminhantes e
livres?
Por quê vos deixais
aprisionar pelos dogmas
dos monastérios acadêmicos
― tão velhos e tão toscos! ―
que oram terços dos passados
enclausurados nas cavernas?
Vossos caminhares são
os espaços livres dos tempos… e dos templos.
Ainda não aprenderam que o
bom caminhante não sabe para onde vai;
e que o caminhante perfeito
não está preocupado com a sua origem?
Caminhai como os loucos!
Ó espíritos caminhantes e livres
despertai de vossos sonhos e dos vossos pesadelos
― ilusões e fantasias! ―
e tomai vossa sagrada loucura
e a ofertai como palavra divina
aos acorrentados da sagrada família.
Vosso caminho é livre:
ele não tem início;
ele não tem fim.
Amanheço assim como anoiteço
ciente da minha animalidade
senhor da natureza que quero dócil
deus encarnado na bestialidade
de guerras, fomes e miserabilidade
São os intervalos de sanidade que tenho na minha loucura que me incomodam!
As pessoas sãs não conseguem ver além da alienação do mundo.
QUADRAGÉSIMO QUINTO HEXÁSTICO
Toda imanência recrudesce
ao sentir a vida em potência
caos sagrado e profano nasce
no Sujeito-poema acontece
faz-se desejo de existência
no eterno retorno da mente
QUADRAGÉSIMO SEXTO HEXÁSTICO
Representar-se poema é:
saber-se duplo na imanência
observador e objeto em essência
sujeito na extensão do poema
criador e criatura em si mesmo
único sujeito em potência
QUADRAGÉSIMO SÉTIMO HEXÁSTICO
Deixa-te voejar sobre o caos
há nele visível beleza
toda representação há
seja sagrada ou profana
não o olhes com tua indiferença:
caos requer visibilidade
QUADRAGÉSIMO OITAVO HEXÁSTICO
Olhar-se profano no caos
saber-se da vida princípio
sugere ao poeta o universal:
ser agora transvalorado
senhor do totem sagrado
livre do veneno moral
QUINQUAGÉSIMO HEXÁSTICO
Há um rio que me navega sempre
na profundeza há águas claras
lâmina cortante na face
lá onde não existe luz
translúcido me gero calmo
aqui onde tudo reluz: guerra
OPULÊNCIA DA VELHA SENHORA
De João Batista do Lago
São Luis – essa Velha Senhora! ‒
Quanta opulência ainda te mora
Segredada em teus casarios
Nas tuas ruas estreitas… sombrias
Em tuas pedras de cantarias
Nos becos de todos os Desterros:
Sombras que tatuam teu presente!
Teus poetas sequer desconfiam
Do mal luso em ti segredado
Desconhecem as tuas patranhas
Amam-te ‒ todos! ‒ enganados
Porém ‒ eu ‒ sei das artimanhas:
Teu altruismo de vãs veleidades
É “Quimera” colonial
Cantamos os teus azulejos
Declamamos as tuas sacadas
Nos extasiamos com telhados
Pintamos de orgulho toda Ilha
Porém não temos sentimento
Para enxergar toda obviedade:
Índios e negros marginais da cidade
O ‘fausto’ da Velha Senhora
Expande-se à Caxias e Alcântara
Onde também se cantam versos
Da nobiliarquia maranhense
Onde suas gentes nobilíssimas
São almas per se condenadas
Por algozes do algodão e arroz
Do estratagema dominante
Monta-se a treta arrogante
Miscigenam-se as nacionais
Com filhos de comerciantes
Garantia do futuro ufano
De escravagistas sociais
Casta de senhores feudais
É dessa casta que aparece o
Estupro da preta escrava
Nos casarios e nas senzalas
Sob o manto desses silêncios
Relicários da velha igreja
Estuprada pelo vintém
Perdoará pecado senhorio
É desse caráter social
De fonte lusitana tosca o
Genocídio do povo indígena
Ainda hoje aqui perpetrado
Pelo lusitano esquálido
Que se imagina proprietário
Da nação timbira sem terra
A Velha Senhora impávida
Desfilava só sua opulência
Sobre as pedras de cantaria
Sua carruagem sempre rangia
No lombo negro que sofria
A mesma desgraçada sorte
De um Souzândrade ameríndio
Atenas fez-se por encanto
Pensando ser toda sua glória
Esparta faz-se na história
Ainda hoje na sua memória
Retém os grilhões dos infantes
Almas penadas que vergastam
Ruas e becos da Velha Senhora
Índios… negros ‒ sempre! ‒ excluídos
Remetem a uma não Paideia
Mesmo que a opulência planteia
No imaginário dum só poeta
Por certo haverá miséria na
Opulenta Ática timbira
Amo-te ‒ Ó Velha Senhora! ‒
E quanto mais amante sou
Te quero livrar dos pecados
Dar-te o fogo dos numinosos
Ver-te livre das injustiças
Saber-te mãe eterna: virtude
Plena de toda alteridade
AS FLORES DO MAL
De João Batista do Lago
Vago-me como “Coisa” plena
pelo labirindo que me cidadeia
meus passos são versos inacabados
há sempre uma pedra no meio do caminho:
tropeços disruptivos que me quedam
na dupla face das estradas
espelhos imbricados na
memória experencial dos meus tempos
Vago-me como “Mercadoria” plena
atuando no teatro citadino a
comédia trágica dos atos que não findam
um “Severino” ou um “Werther” autoassassinos
transeuntes de suas identidades
perdidas pelas ruas das cidades
onde me junto e me moro nos
antros cosmológicos de experiências e memórias
Vago-me como o “Amor” sempre punido
tonto e perdido no meio da sociedade
donde me alimento do escarro possível
onde “sujeitos” sem experiência e sem memória
negociam os amores vendidos na
fauna de “humanos” prostitutos
segredados nos prostíbulos das igrejas:
lavouras de todas as flores do mal
Eu e minh’alma
De João Batista do Lago
Aqui, diante um do outro,
eu e minh'alma nos olhamos
‒ com olhares narcísicos.
Acima de nós um espírito que nos contempla
admirado e intrigado e esperando o primeiro verbo…
Quem, diante de nós falará a palavra inicial – ou terminal! ‒
num afeto magistral de dois entes que se amam, mas se destroem ao mesmo tempo,
na nave que nos segreda a milionésima parte dos nossos átomos
que nos tornam unos e indiferenciados?
A fogueira do tempo queima-nos diante da divinal espiral
que nos empurra para cima
fazendo com que dancemos os enigmáticos sons
que nos saem dos mais profundos átomos
que nos enfeixam de vida e morte,
como se vida e morte existissem!
Eu diante da minh'alma sou eu e minh'alma.
Sou único…
sou uno!
Sou apenas alma.
Sou apena eu.
Somos o átomo universal na cadeia infinita do universo
que nos produz como carnes e verbos
oferecidos aos lobos que se nos desejam alimentar.
Ó grande espírito que nos espreita,
se nós – eu e minh'alma –
tivermos que furtar o fogo para ajudar a toda humanidade
a superar seus atributos infernais,
assim o faremos.
Em nós – eu e minh'alma –
não há sentimentos de pudicas verdades…
O universo é o espaço e o tempo
que precisamos para gerar nos ventres cosmológicos
os sãos sujeitos de nós mesmos:
a trindade agora é perfeita…
é única…
é una
– eu, minh'alma e tu, ó grande espírito!
Entendido pois está o mistério:
Somos tão somente o verbo atômico universal.
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