Entre as palavras e o mundo que as... Miriam Da Costa

Entre as palavras e o mundo
que as recebe
há sempre um abismo...


Um rio escuro, fundo, largo,
onde poucos ousam entrar,
e menos ainda conseguem nadar
sem se afogar nas próprias sombras...


Interpretar virou um esforço raro,
um músculo atrofiado
num tempo em que tudo
precisa ser rápido, raso e imediato...


Separar fato de opinião
tornou-se um labirinto estranho,
onde muitos tropeçam,
confundindo seus medos e traumas
com verdades
e suas certezas frágeis
com argumentos...


Há gatilhos emocionais pendurados
como armadilhas invisíveis
em cada palavra que se lê ou escuta...
Eles disparam antes do entendimento,
empurrando a razão para fora do caminho...


A polarização cavou trincheiras profundas,
pontos cegos viraram muralhas,
e qualquer nuance é assassinada
antes mesmo de nascer...


O TDAH coletivo,
fabricado pelo excesso de telas,
transformou mentes em páginas
que vivem sendo atualizadas
e nunca realmente lidas...


O viés narcisista ampliou seu império,
ou seja:
se não reflete o meu mundo,
se não confirma meu umbigo,
não serve, não presta, não existe...


A lógica perdeu espaço,
o pensamento analítico
virou peça de museu,
onde poucos o visitam...


E assim,
falar e escrever,
esse direito tão humano
e tão legítimo,
não garante mais compreensão...


Porque entre a boca e o ouvido,
entre a mão e os olhos,
há um rio imenso e profundo...
E nem todos sabem nadar.


Entre a fala e a escritura
há a audição e a leitura...
E nem todos sabem ouvir e ler.


✍©️ @MiriamDaCosta