Um dos momentos mais exemplares desse... Antonio Costta

Um dos momentos mais exemplares desse talento lírico-narrativo de José Lins do Rego revela-se em Menino de Engenho, quando ele descreve um incêndio nos canaviais: “o vento soprava, sacudindo faíscas à distância. Mil línguas de fogo devoravam as canas maduras, com uma fome canina. E o vento insuflando este apetite diabólico, com um sopro que não parava.” (REGO, 1932, p. 62). Nesse fragmento, a cena ultrapassa a mera narrativa de um desastre rural para atingir o plano do poema em prosa, tamanha a intensidade sensorial, a plasticidade das imagens e o ritmo interno que confere cadência e musicalidade à descrição. O vocabulário escolhido — “mil línguas de fogo”, “fome canina”, “apetite diabólico” — empresta ao episódio uma dimensão quase mítica, em que a natureza se humaniza e se torna personagem. A força dos elementos — fogo e vento — é transfigurada por uma linguagem metafórica que aproxima a prosa do canto épico e da evocação lírica. A leitura desse excerto basta para comprovar que, em José Lins do Rego, o realismo não se opõe ao lirismo; ao contrário, é nele que encontra sua expressão mais potente e reveladora.
COSTTA, Antonio; A Força da Poesia na Obra de José Lins do Rego. Clube de Autores. 2025. Disponível em: https://clubedeautores.com.br/livro/a-forca-da-poesia-na-obra-de-jose-lins-do-rego