15 poemas de cordel para você se encantar pela literatura nordestina

Luan Santos
Luan Santos
Jornalista e Crítico Cultural

Os poemas de cordel ajudam a contar e recontar histórias populares do povo nordestino, que hoje carrega essa tradição por mais de dois séculos. Desde então, novos autores surgem e dão uma nova voz a problemas atuais, sem nunca perder a boa rima e destacar a paixão pela terra de onde vieram.

Como grande parte destes poemas são extensos, separamos 15 trechos de poemas de cordel que vão te fazer ficar ainda mais apaixonado por essa rica literatura regional brasileira.

1. O Mal e o Sofrimento (Leandro Gomes de Barros)

Se eu conversasse com Deus Iria lhe perguntar: Por que é que sofremos tanto Quando viemos pra cá? Que dívida é essa Que a gente tem que morrer pra pagar?

Se eu conversasse com Deus
Iria lhe perguntar:
Por que é que sofremos tanto
Quando viemos pra cá?
Que dívida é essa
Que a gente tem que morrer pra pagar?

Perguntaria também
Como é que ele é feito
Que não dorme, que não come
E assim vive satisfeito.
Por que foi que ele não fez
A gente do mesmo jeito?

Por que existem uns felizes
E outros que sofrem tanto?
Nascemos do mesmo jeito,
Moramos no mesmo canto.
Quem foi temperar o choro
E acabou salgando o pranto?


Não poderíamos iniciar esta seleção de poemas de cordel de outra forma. No dia 19 de novembro é comemorado o Dia do Cordelista em homenagem ao grande poeta recifense Leandro Gomes de Barros, considerado o primeiro escritor brasileiro de cordel. Ao longo de sua vida, Barros escreveu cerca de 240 obras e foi uma referência para outros ilustres escritores brasileiros, como Ariano Suassuna e Carlos Drummond de Andrade que disse que o poeta era "o rei da poesia do sertão e do Brasil".

2. As Proezas de João Grilo (João Martins de Athayde)

João Grilo foi um cristão
que nasceu antes do dia
criou-se sem formosura
mas tinha sabedoria
e morreu depois da hora
pelas artes que fazia.

João Martins de Athayde foi um dos maiores nomes para a divulgação e disseminação da literatura de cordel no Brasil no início do século XX. Além de escrever poemas originais, com destaque para seu estilo irônico e bem humorado, ele também abriu uma pequena tipografia em Recife e tornou-se um dos maiores editores de cordel do país.

3. Sou Cabra da Peste (Patativa do Assaré)

Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba no sofrer
Não nego meu sangue, não nego meu nome
Olho para a fome, pergunto o que há?
Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,
Sou cabra da Peste, sou do Ceará.

Antônio Gonçalves da Silva, que ficou conhecido como Patativa do Assaré, foi um dos maiores músicos, poetas e compositores da música popular regional brasileira. Seus poemas e versos ficaram eternizados através de suas obras literárias e vídeos gravados do poeta que são hoje encontrados com facilidade na internet. Natural do Ceará, Patativa possui uma das mais complexas e celebradas obras literárias do Cordel.

4. Sonhador (Nildo Cordel)

Nas gotas fracas da chuva Que a terra vai borrifando E faz levantar o cheiro De chuva que vou cheirando Eu sonho dias melhores E levo a vida cantando.

Viver é um desafio
Desafiar é viver
Por isso eu vou vivendo
Sempre buscando aprender
Para não ser devorado
Pela falta de saber.

Se posso dou um sorriso
Se não posso, um lamento
Mas não fico esperando
Sonhando sou avarento
E busco sonhar meu sonhos
Até no sopro do vento.

Nas gotas fracas da chuva
Que a terra vai borrifando
E faz levantar o cheiro
De chuva que vou cheirando
Eu sonho dias melhores
E levo a vida cantando.

No blog onde divulga seus poemas, Nildo Cordel diz: “…Não sou de se jogar fora, Mas também não sou um mel, Sou poeta nordentino, Eu sou o Nildo Cordel.” Seus poemas falam sobre o amor pelo nordeste, mas também sobre temas atuais que assolam o Brasil.

5. Brasi Caboco (Zé da Luz)

O qui é Brasí Caboco?
É um Brasi diferente
do Brasí das capitá.
É um Brasi brasilêro,
sem mistura de instrangero,
um Brasi nacioná!

É o Brasi qui não veste
liforme de gazimira,
camisa de peito duro,
com butuadura de ouro…
Brasi caboco só veste,
camisa grossa de lista,
carça de brim da “polista”
gibão e chapéu de coro!

Natural da Paraíba, Zé da Luz é um dos maiores nomes da literatura de cordel do século XX. Seu poema “Ai! Se Sêsse!..” foi declamado por outros nomes desta arte como Bráulio Bessa e adaptado pelo grupo musical Cordel do Fogo Encantado. Natural da Paraíba, Severino de Andrade Silva era alfaiate, mas seu nome eternizado de poeta, Zé da Luz, foi o que o fez brilhar.

6. O Romance do Pavão Misterioso (José Camelo de Melo Resende)

1

Eu vou contar uma história
De um pavão misterioso
Que levantou voo na Grécia
Com um rapaz corajoso
Raptando uma condessa
Filha de um conde orgulhoso.

2

Residia na Turquia
Um viúvo capitalista
Pai de dois filhos solteiros
O mais velho João Batista
Então o filho mais novo
Se chamava Evangelista.

Publicado pela primeira vez em 1923, o Romance do Pavão Misterioso ou O Pavão Misterioso é um dos mais celebrados poemas de cordel de José Camelo de Melo Resende. A história narra um romance entre o jovem Evangelista e a condessa Creusa e foi adaptado para diversas mídias, incluindo histórias em quadrinho e peças de teatro.

7. E Tudo Vem a ser Nada (Silvino Pirauá de Lima)

Tanta riqueza inserida Por tanta gente orgulhosa, Se julgando poderosa No curto espaço da vida;

Tanta riqueza inserida
Por tanta gente orgulhosa,
Se julgando poderosa
No curto espaço da vida;
Oh! que idéia perdida.
Oh! que mente tão errada,
Dessa gente que enlevada
Nessa fingida grandeza
Junta montões de riqueza,
E tudo vem a ser nada.

Nascido em 1860, Silvino Pirauá de Lima junto de Leandro Gomes de Barros foi um dos primeiros poetas da literatura de cordel e também um dos criadores dos folhetos de divulgação desta arte legitimamente brasileira. Seus versos fortes ficavam ainda mais imponentes pelo poeta ser um excelente repentista e violeiro.


8. Sem Título (Cuíca de Santo Amaro)

Versos, caro leitor,
É pra quem tem competência.
É para quem possui
Um pouco de inteligência
Para concretizá-los
Com toda fibra e cadência.

Versos é pra quem tem
O dom que Deus lhe deu.
Aquele dom que veio
Do berço quando nasceu.
Na Bahia tem alguém
Que tem dom igual ao meu?

Segundo Jorge Amado, Cuíca de Santo Amaro era o “Trovador da Bahia”. Nascido em Salvador em 1907, este poeta foi um dos maiores expoentes da literatura de Cordel que se instaurou na Bahia e levava em seus versos temas do cotidiano e da vida da antiga capital brasileira.

9. História de Valentão do mundo (Severino Milanês Silva)

Valentão do Mundo é
Conhecido na história
Venceu e não foi vencido
Teve consigo esta glória
Em toda luta trazia
O triunfo da vitória.
Nas caçadas enfrentava
As mais temerosas lutas
Subjugava nas serras
As feras absolutas
Pegava onça nas furnas
Matava dentro das grutas.

Natural de Pernambuco, o poeta Severino Milanês da Silva era também conhecido por suas improvisações e romances. Suas histórias tinham temas que misturavam a fantasia e o gênero épico em reinos com príncipes e princesas.

10. Brazilian Amazônia (Raimundo Santa Helena)

Depois da “festa” quem é
Que vai se lembrar de junho?
Defender a Natureza
Pra mim não será rascunho
E sim a arte final
A nível universal
Quem falhar eu testemunho…

Com temas que passavam pelo meio ambiente, o sertão, o cangaço e até mesmo a educação sexual Santa Helena ou Raimundo Santa Helena foi um dos mais versáteis nomes da literatura de cordel do século XX. Ele possui mais de 300 títulos em seu nome e publicou livros como “Lampião” e “O sangue de meu pai”. O autor foi também um dos fundadores da prestigiada Feira de São Cristóvão no Rio de Janeiro, famosa por levar as delícias da culinária nordestina à capital carioca.

11. Recomece (Bráulio Bessa)

Quando a vida bater forte
e sua alma sangrar,
quando esse mundo pesado
lhe ferir, lhe esmagar...
É hora do recomeço.
Recomece a LUTAR.

Quando tudo for escuro
e nada iluminar,
quando tudo for incerto
e você só duvidar...
É hora do recomeço.
Recomece a ACREDITAR.

Nascido em 1985 em Alto Santo no Ceará, Bráulio Bessa é hoje um dos maiores nomes da literatura de cordel no Brasil. Suas participações em programas de TV e seu ativismo pelas preservação e divulgação da cultura nordestina atraíram uma legião de fãs que amam seus poemas declamados. Recomece é apenas um dos maravilhosos poemas deste autoproclamado “fazedor de poesia”.

12. Na Hora do Lobo (Bráulio Tavares)

Quando um homem consome a madrugada
rabiscando umas folhas de papel
e ele sabe que a vida é tonelada
oscilando na ponta de um cordel;

ele sabe que o fim de toda estrada
não desagua no inferno nem no céu,
e ele pensa na feira, na empregada,
água e luz, condomínio e aluguel;

Com romances, contos, poesias, crônicas e ensaios publicados em seu nome, Bráulio Tavares é um dos mais versáteis intelectuais brasileiros da atualidade. Com forte influência da literatura de cordel em suas obras, o paraibano natural de Campina Grande, escreveu também uma peça de teatro chamada "Folias Guanabaras”, que possui diversos elementos do cordel.

13. O Triunfo do Poeta no Reino do Cafundó (Pedro Monteiro)

Peguei caneta e papel, Remexi nos meus lembrados, Invoquei sabedoria Dos nossos antepassados, Lembrei-me da minha avó Fazendo seus proseados.

Certa vez imaginando
A nossa ancestralidade,
Joguei luz no pensamento,
E busquei na oralidade
Histórias que se perderam
No vão da modernidade.

Peguei caneta e papel,
Remexi nos meus lembrados,
Invoquei sabedoria
Dos nossos antepassados,
Lembrei-me da minha avó
Fazendo seus proseados.

O piauiense cordelista Pedro Monteiro é um dos maiores nomes da literatura de cordel da atualidade. Nascido em 1956, o filho de lavradores foi influenciado pelos cantos e contos que ouviu na roça durante a sua infância. O escritor publicou diversas obras durante a sua vida e também atuou nos palcos do teatro brasileiro em peças como “Saúde! Salve-se quem puder” e “Danação”.

14. O Interrogatório de Antonio Silvinio (Francisco das Chagas Batista)

Meu avô foi muito rico
e meu pai foi abastado
mas não mandou me educar
porque onde foi criado
o povo não aprecia
o homem civilizado

Ali se aprecia muito
um cantador, um vaqueiro
um amansador de poldro

que seja bem catingueiro
um homem que mata onças
ou então um cangaceiro

Nome celebrado da primeira geração de cordelistas brasileiros, Francisco das Chagas Batista nasceu em 1882 na capital da Paraíba e publicou seus primeiros folhetos entre os anos de 1902 e 1905. O Interrogatório de Antonio Silvinio é uma de suas obras preservadas por instituições que tem como objetivo manter viva a tradição do cordel.

15. História da machina que faz o mundo rodar (Antônio Ferreira da Cruz)

Cego, aleijado e moleque,
Padre doutor e soldado,
Inspetor, Juiz de Direito,
Comandante e delegado,
Tudo, tudo joga o dinheiro
Esperando bom resultado.

Matuto, senhor de engenho,
praciano e mandioqueiro,
Do agreste ao sertão
Todos jogam seu dinheiro
Se um diz que é mentiroso
Outro diz que é verdadeiro.

Pouco se sabe sobre a história de vida e registros de obras do contista paraibano Antônio Ferreira da Cruz. O operário de tecelagem nasceu em 1876 e assinava com os mais variados nomes os seus folhetins. No entanto, ele é até hoje lembrado como um dos mais influentes cantadores das histórias de cordel junto com outros autores também emblemáticos da época.

A tradição da literatura de cordel

A literatura de cordel é um dos maiores tesouros da cultura popular brasileira. Ela chegou ao Brasil ainda no século 18 por influência dos portugueses. Uma de suas principais características era a venda desses folhetos em feiras, onde eles eram amarrados em barbantes, cordas ou cordéis. Estes poemas rimados eram também declamados pelos repentistas ou violeiros em diversas regiões do nordeste brasileiro.

Os principais locais de disseminação da literatura e cultura cordelista aconteceram nos estados de Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Pará, Rio Grande do Norte e Ceará.

Hoje, existe também a Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC) que reúne milhares de documentos, pesquisas, livros e folhetos de cordel em prol da sua preservação. A Academia foi fundada em 1989 e esté estebelecida no bairro de Santa Teresa no Rio de Janeiro.