Fernando Pessoa Criança

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Tudo o que dorme é criança de novo. Talvez porque no sono não se possa fazer mal, e se não se dá conta da vida, o maior criminoso, o mais fechado egoísta, é sagrado, por uma magia natural, enquanto dorme. Entre matar quem dorme e matar uma criança não conheço diferença que se sinta.

Fernando Pessoa
SOARES, B. Livro do Desassossego. Vol.II. Lisboa: Ática. 1982

Nenhum livro para crianças deve ser escrito para crianças.

A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou.
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Mais vale ser criança que querer compreender o mundo

A Criança Que Pensa Em Fadas

A CRIANÇA que pensa em fadas e acredita nas fadas
Age como um deus doente, mas como um deus.
Porque embora afirme que existe o que não existe
Sabe como é que as cousas existem, que é existindo,
Sabe que existir existe e não se explica,
Sabe que não há razão nenhuma para nada existir,
Sabe que ser é estar em algum ponto
Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer.

A Criança Que Ri na Rua

A CRIANÇA que ri na rua,
A música que vem no acaso,
A tela absurda, a estátua nua,
A bondade que não tem prazo -

Tudo isso excede este rigor
Que o raciocínio dá a tudo,
E tem qualquer cousa de amor,
Ainda que o amor seja mudo

A Criança que Fui Chora na Estrada

A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,

Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.

Em dias da alma como hoje eu sinto bem, em toda a consciência do meu corpo, que sou a criança triste em quem a vida bateu.

Grande é a poesia, a bondade e as danças. Mas o melhor que há no mundo são as crianças.
(in "Liberdade")

Fernando Pessoa
Cancioneiro

Tomamos a Vila depois de um Intenso Bombardeamento

A criança loura
Jaz no meio da rua.
Tem as tripas de fora
E por uma corda sua
Um comboio que ignora.

A cara está um feixe
De sangue e de nada.
Luz um pequeno peixe
— Dos que bóiam nas banheiras —
À beira da estrada.

Cai sobre a estrada o escuro.
Longe, ainda uma luz doura
A criação do futuro...

E o da criança loura?

Inserida por MERRAH

⁠Quando as crianças brincam
E eu as oiço brincar,
Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar.

E toda aquela infância
Que não tive me vem,
Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém.

Se quem fui é enigma,
E quem serei visão,
Quem sou ao menos sinta
Isto no coração.

Fernando Pessoa
Poesias. Lisboa: Ática, 1942.
Inserida por pensador

Escrevo e divago, e tudo isto parece-me que foi uma realidade. Tenho a sensibilidade tão à flor da imaginação que quase choro com isto, e sou outra vez a criança feliz que nunca fui, e as alamedas e os brinquedos, e apenas, no fim de tudo, a supérflua realidade da Vida...

(Fonte: PESSOA, Fernando. In “Correspondência (1905-1922)”, Lisboa: Assírio & Alvim, 1999, p.150. / Fonte: Templo Cultural Delfos)

Inserida por portalraizes