Eu Vou Seguindo sem Voce

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Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta. Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa,.
Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com maiakoviski – seu criador. Fotografei a nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
Mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.

Manoel de Barros
BARROS, M. Ensaios fotográficos. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000.

Aniversário

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

Álvaro de Campos
Poesia Completa de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa.

Nota: Álvaro de Campos é um pseudônimo de Fernando Pessoa.

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Eu quero um punhado de estrelas maduras. Eu quero a doçura do verbo viver.

O tempo passa depressa demais e a vida é tão curta. Então – para que eu não seja engolido pela voracidade das horas e pelas novidades que fazem o tempo passar depressa – eu cultivo um certo tédio. Degusto assim cada detestável minuto. E cultivo também o vazio silêncio da eternidade da espécie. Quero viver muitos minutos num só minuto.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

E pra não chorar eu trato mal.

Eu bebo para fazer as outras pessoas interessantes.

George Jean Nathan
The autobiography of an attitude

Nota: Tradução de trecho do livro "The autobiography of an attitude" de George Jean Nathan. Por vezes atribuído de forma errônea a Groucho Marx.

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De três coisas eu estava convicta. Primeira, Edward era um vampiro. Segunda, havia uma parte dele - e eu não sabia que poder essa parte teria - que tinha sede do meu sangue. E terceira, eu estava incondicional e irrevogavelmente apaixonada por ele.

Que isso foi o que sempre me invocou, o senhor sabe: eu careço de que o bom seja bom e o ruim ruim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero os todos pastos demarcados... Como é que posso com este mundo? (...) Este mundo é muito misturado...

Guimarães Rosa
Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.

Não sei onde eu tô indo, mas sei que eu tô no meu caminho.

Raul Seixas

Nota: Trecho da música No fundo do quintal da escola.

Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta

O show deve continuar
Eu irei enfrentar tudo com um sorriso
Eu nunca irei desistir
Avante - com o show

Infantilidade? Eu acho que é o equivalente a nunca perder o seu senso de humor.

Walt Disney
The Quotable Walt Disney, Dave Smith

Eu me contradigo? Pois muito bem, eu me contradigo. Sou amplo, contenho multidões.

Eu acredito que quando morrer, irei apodrecer e nada do meu ego sobreviverá. Mas me recuso a tremer de terror diante da minha aniquilação. A felicidade não é menos felicidade porque deve chegar a um fim, nem o pensamento e o amor perdem seu valor porque não são eternos.

Poética (II)

Com as lágrimas do tempo
e a cal do meu dia
eu fiz o cimento
da minha poesia

e na perspectiva
da vida futura
ergui em carne viva
sua arquitetura

não sei bem se é casa
se é torre ou se é templo
(um templo sem Deus)

mas é grande e clara
pertence a seu tempo
- entrai, irmãos meus!

Vinicius de Moraes
MORAES, V. de. Antologia Poética. Rio de Janeiro.1960

Eu não sou tão forte como pareço. Eu não gosto de me sentir sozinha e eu sinto sua falta.

Porque na pobreza de corpo e espírito eu toco na santidade, eu que quero sentir o sopro do meu além. Para ser mais do que eu, pois tão pouco sou.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Deus é aquilo que me falta para compreender o que eu não compreendo.

Agora as pessoas voltaram a me irritar. E eu voltei a ter que fazer muita força pra sair de casa.

Porque hoje eu só quero chorar como um poeta do passado, e fumar o meu cigarro na falta de Absinto.