Eu sou aquilo que Perdi Fernando Pessoa

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Não se preocupe com os problemas. Eles que se preocupem com a gente. Olhe nos olhos e pise firme. Erga a cabeça.

Quando se deseja realmente conquistar um coração, é preciso que antes já tenhamos conseguido conquistar o nosso, é preciso que ele já tenha sido explorado nos mínimos detalhes, que já se tenha conseguido conhecer cada cantinho, entender cada espaço preenchido e aceitar cada espaço vago.

Esta coisa terrível de não ter ninguém para ouvir o meu grito. Esta coisa terrível de estar nesta ilha desde não sei quando. No começo eu esperava, que viesse alguém, um dia. Um avião, um navio, uma nave espacial. Não veio nada, não veio ninguém.

E esse vazio que ninguém dá jeito? Você guarda no bolso, olha o céu, suspira, vai a um cinema, essas coisas. E tudo, e tudo, e tudo.

(...) Ouvir umas histórias. Contar algumas também. Botar a conversa em dia… Falar sobre nós um pouco, talvez. Contar umas estrelas. Fazer uns pedidos. Quem sabe realizar alguns meus. Rir um pouco. Sentir-se leve. Esquentar um pouco os pés frios… O coração vazio. Se não quer sentar e relembrar o passado. Matar essa saudade. E essa vontade. Quem sabe sentir alguma vontade. Não sei…

Dessa vez não vou querer tudo de uma vez, porque sempre acabo ficando sem nada no final. Estou apostando minhas fichas em você e saiba que eu não sou de fazer isso. Mas estou neste momento frágil que não quer acabar. Fiquei menos cafajeste, menos racional, menos eu. E estou aproveitando pra tentar levar algo adiante. Relacionamentos que não saem da primeira página já me esgotaram, decorei o prólogo e estou pronto pro primeiro capítulo.

Ninguém te ama, ninguém te quer, ninguém te conhece, ninguém tem acesso à tua alma. Tuas neuras são só tuas, e parece que nada nem ninguém preenche esse vazio.

Quem nos faz falta acerta o coração como um vento súbito que entra pela janela aberta.

Ama mas não cuida. Gosta mas não fala. Beija mas não sente. Diz que vem mas mente.

Tem dias que não existem emoções, nem pensamentos: só dor!

Lerdeza


A frase que o Everton mais ouvia da mãe era "levanta e vai buscar", geralmente seguida de um epíteto, como "seu preguiçoso" ou, pior, "lerdeza". Porque o que o Everton mais fazia, atirado no sofá na frente da TV na sua posição de costume (que a mãe chamava de "estrapaxado"), era pedir para lhe trazerem coisas. Uma Coca. Uns salgadinhos...

- Levanta e vai buscar!

- Pô, mãe.

- Lerdeza!

O Everton já estava com quinze anos e era uma luta convencê-lo a sair do sofá e ir fazer o que os garotos de quinze anos fazem. Correr. Jogar bola. Namorar. Ou pelo menos ir buscar sua própria Coca.

- Esse menino um dia ainda vai se fundir com o sofá...

Everton não queria outra coisa. Ser um homem-sofá. Um estofado humano, alimentado sem precisar sair do lugar. E sem tirar os olhos da TV. E como era filho único, e insistente, sempre conseguia que lhe trouxessem o que pedia. Quando não era a mãe, sob protestos ("Toma, lerdeza, mas é a última vez") era Marineide, a empregada de vinte e poucos anos cujo decote era a única coisa que fazia o Everton desviar os olhos da TV, e assim mesmo por poucos segundos.


***

Um dia, estrapaxado no sofá, o Everton se deu conta de que estava sozinho em casa. A mãe tinha saído, o pai estava no trabalho, a Marineide de folga, e ele sem ninguém para lhe trazer uma Coca, uns chips de batata e uns Bis. Levantar-se e ir buscar estava fora de questão.

Fechou os olhos e concentrou-se. Concentrou-se com força. Depois de alguns minutos, ouviu ruídos vindo da cozinha. A geladeira abrindo e fechando. Uma porta de armário abrindo e fechando. Depois silêncio. Quando abriu os olhos, a Coca, os chips e os Bis pairavam no ar, à sua frente. Ele só precisou estender a mão.
No dia seguinte, Everton testou seu poder recém-descoberto na Marineide, que até hoje não sabe como a sua blusa desabotoou sozinha e seu soutien simplesmente voou longe daquele jeito, e logo na frente do menino. Everton também acendeu a TV e mudou de canais sem precisar usar o controle remoto, e fez um vaso voar pela sala só com a força do seu pensamento. Apagou a TV e ficou, atirado no sofá, refletindo sobre o que significava aquilo. Ele era um fenômeno. Tinha um poder único - fazia as coisas acontecerem apenas pela sua vontade. Contaria aos pais, claro. Eles poderiam ganhar dinheiro com seu poder. O pai saberia como. Ele se transformaria numa celebridade. Cientistas do mundo inteiro o procurariam, sua capacidade extraordinária seria usada em benefício da humanidade. No combate ao crime, por exemplo. Nas comunicações. Na medicina a distância.

***

E se aquilo fosse, de alguma forma, um poder religioso? Até onde a revelação do seu dom milagroso seria um sinal de que ele tinha uma missão a cumprir na Terra? Até onde aquilo o levaria? Fosse o que fosse, uma coisa era certa. Ele teria que sair do sofá.

***

- Mãe.

- Ahn?

- Eu quero daquelas coisinhas de queijo. E uma Coca.

- Levanta e vai buscar.

- Pô, mãe.

- Tá bem. Mas esta é a última vez.

E já a caminho da cozinha:

- Lerdeza!

-Você lembra de mim? – perguntei.
- Claro que lembro. Você esteve no meu apartamento em São Paulo, há muitos anos.
- Eu mudei muito, como você lembra?
- Eu mudei também, quem sabe por isso lembro.

Tenho trabalhado tanto, mas penso sempre em você. Mais de tardezinha que de manhã, mais naqueles dias que parecem poeira assentada aos poucos, e com mais força enquanto a noite avança. Não são pensamentos escuros, embora noturnos. Tão transparentes que até parecem de vidro, vidro tão fino que, quando penso mais forte, parece que vai ficar assim clack! e quebrar em cacos, o pensamento que penso de você. Se não dormisse cedo nem estivesse quase sempre cansado, acho que esses pensamentos quase doeriam e fariam clack! de madrugada e eu me veria catando cacos de vidro entre os lençóis.

Caio Fernando Abreu
Pequenas Epifanias

Tem um poema da Florbela Espanca que diz assim: "As coisas vêm a seu tempo/ quando vêm, essa é a verdade". Um dia a coisa sai. E eu acredito no mecanismo do infinito, fazendo com que tudo aconteça na hora exata.

Se você quiser me amar, esteja a gosto, coração.

Limite Branco

É muito confortável bancar o infeliz e angustiado quando se vive num bom apartamento, quando se tem um copo de leite quente toda noite antes de dormir, uma mesada no fim do mês e uma mãe que basta estalar os dedos para dobrar-se a meus pés como uma escrava oriental. Ter demais é o meu mal. Se tivesse que batucar numa máquina de escrever todos os dias num escritório cheio de gente preocupada demais consigo mesma para dar atenção aos meus problemas, e tivesse que andar em ônibus superlotados, usar roupas velhas e sapatos furados, então poderia saber se existe ou não essa força que em vão tento encontrar em meu corpo.

É estranho que para se desfazer laços, baste uma palavra, quando para construí-los de verdade, bem mais!

Te vejo perdendo-se todos os dias entre essas coisas vivas onde não estou. Tenho medo de, dia após dia, cada vez mais não estar no que você vê. E tanto tempo terá passado, depois, que tudo se tornará cotidiano e a minha ausência não terá nenhuma importância. Serei apenas memória, alívio...

TERÇA-FEIRA, 21 DE AGOSTO DE 2007

Existe sempre uma coisa Ausente - Caio F.
Paris — Toda vez que chego a Paris tenho um ritual particular. Depois de dormir algumas horas, dou uma espanada no rodenirterceiromundista e vou até Notre-Dame. Acendo vela, rezo, fico olhando a catedral imensa no coração do Ocidente. Sempre penso em Joana d’Arc, heroína dos meus remotos 12 anos; no caminho de Santiago de Compostela, do qual Notre-Dame é o ponto de partida — e em minha mãe, professora de História que, entre tantas coisas mais, me ensinou essa paixão pelo mundo e pelo tempo.

Sempre acontecem coisas quando vou a Notre-Dame. Certa vez, encontrei um conhecido de Porto Alegre que não via pelo menos á2o anos. Outra, chegando de uma temporada penosa numa Londres congelada e aterrorizada por bombas do IRA, na época da Guerra do Golfo, tropecei numa greve de fome de curdos no jardim em frente. Na mais bonita dessas vezes, eu estava tristíssimo. Há meses não havia sol, ninguém mandava notícias de lugar algum, o dinheiro estava no fim, pessoas que eu considerava amigas tinham sido cruéis e desonestas. Pior que tudo, rondava um sentimento de desorientação. Aquela liberdade e falta de laços tão totais que tornam-se horríveis, e você pode então ir tanto para Botucatu quanto para Java, Budapeste ou Maputo — nada interessa. Viajante sofre muito: é o preço que se paga por querer ver “como um danado”,feito Pessoa. Eu sentia profunda falta de alguma coisa que não sabia o que era. Sabia só que doía, doía. Sem remédio.

Enrolado num capotão da Segunda Guerra, naquela tarde em Notre-Dame rezei, acendi vela, pensei coisas do passado, da fantasia e memória, depois saí a caminhar. Parei numa vitrina cheia de obras do conde Saint-Germain, me perdi pelos bulevares da le dela Cité. Então sentei num banco do Quai de Bourbon, de costas para o Sena, acendi um cigarro e olhei para a casa em frente, no outro lado da rua. Na fachada estragada pelo tempo lia-se numa placa: “II y a toujours quelque choe d’abient qui me tourmente” (Existe sempre alguma coisa ausente que me atormenta) — frase de uma carta escrita por Camilie Claudel a Rodín, em 1886. Daquela casa, dizia aplaca, Camille saíra direto para o hospício, onde permaneceu até a morte. Perdida de amor, de talento e de loucura.

Fazia frio, garoava fino sobre o Sena, daquelas garoas tão finas que mal chegam a molhar um cigarro. Copiei a frase numa agenda. E seja lá o que possa significar “ficar bem” dentro desse desconforto inseparável da condição, naquele momento justo e breve — fiquei bem. Tomei um Calvados, entrei numa galeria para ver os desenhos de Egon Schiele enquanto a frase de Camille assentava aos poucos na cabeça. Que algo sempre nos falta — o que chamamos de Deus, o que chamamos de amor, saúde, dinheiro, esperança ou paz. Sentir sede, faz parte. E atormenta.

Como a vida é tecelã imprevisível, e ponto dado aqui vezenquando só vai ser arrematado lá na frente. Três anos depois fui parar em Saint-Nazaire, cidadezinha no estuário do rio Loire, fronteira sul da Bretanha. Lá, escrevi uma novela chamada Bem longe de Marienbad , homenagem mais à canção de Barbara que ao filme de Resnais. Uma tarde saí a caminhar procurando na mente uma epígrafe para o texto. Por “acaso”, fui dar na frente de um centro cultural chamado (oh!) Camille Claudel. Lembrei da agenda antiga, fui remexer papéis. E lá estava aquela frase que eu nem lembrava mais e era, sim, a epígrafe e síntese (quem sabe epitáfio, um dia) não só daquele texto, mas de todos os outros que escrevi até hoje. E do que não escrevi, mas vivi e vivo e viverei.

Pego o metrô, vou conferir. Continua lá, a placa na fachada da casa número 1 do Quai de Bourbon, no mesmo lugar. Quando um dia você vier a Paris, procure. E se não vier, para seu próprio bem guarde este recado: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo.

O Estado de S. Paulo, 3/4/1994

Me mostre que por você vale a pena lutar.

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