Disputar uma Pessoa
DE COMO SE CRIA UMA DITADURA
Demétrio Sena - Magé
O extremismo doentio de uma fé coletiva irresponsável, comandada por líderes religiosos loucos e gananciosos aliados a um líder político nazifascista poderoso, funciona mais ou menos assim: Primeiro, com o auxílio de alguns cidadãos mais ou menos elitizados, que já são retrógrados de nascença, são arrebanhados os cidadãos mais fáceis de amoldar, para serem domesticados com falsos discursos nacionalistas, cristãos e de otimismo engessado. A domesticação inclui, entre outros recursos, uma lavagem cerebral que derruba todas as suas admirações por ícones ativistas da cultura, da educação, das artes, da política e de movimentos indignados com as injustiças e desigualdades sociais. Essa lavagem cerebral tem no cardápio, desinformações históricas e difamações pessoais inconsistentes, com argumentos como “ouvi de fonte segura e fidedigna”; “quem me contou foi um primo da prima do primo de um amigo do primo”; “Ele/ela nem deve se lembrar disso, mas estudamos juntos e você nem imagina as coisas que sei” (...).
Após domesticados, os cidadãos amoldáveis aprendem a odiar, além dos ícones difamados, os cidadãos não domesticados; os membros de religiões não cristãs ou menos massificadas; os que resistem ao fanatismo e ao corporativismo extremista; os que pensam por conta própria e sabem ver além dos quadrados; os inconformados com as injustiças; os que se preocupam com os menos favorecidos. Estes, imediatamente são tachados como inimigos da pátria, comunistas (o que na raiz é um elogio), rebeldes e ateus (o que também é um elogio e muitos de fato são). Quando finalmente se forma um exército informal, de soldados bisonhos ou milicianos populares capazes de qualquer ato por seus líderes, institui-se uma ditadura... e se um dia, os líderes quiserem se livrar do exército inicial, facilmente farão com que tais multidões fanáticas pulem de viadutos e precipícios, acreditando que O Possível Deus, em sua Infinita Ociosidade se ocupará de fazer, um a um, pousar em câmera lenta, no chão... eis a queima de arquivo.
RESTO DE POVO
Demétrio Sena - Magé
Há um povo que foge do saber,
uma gente que busca ignorância,
quer viver de mentira e de aparência
pra sentir sua treva dominar...
Um rebanho nascido para o caos;
multidão num estouro indefinido,
no desfile dos maus; dos imbecis
que o cupido das sombras seduziu...
Tem um resto indizível de país,
muita rês infeliz que vai ao nada
e rasteja sem alma e coração...
Alegria infeliz e sem sentido;
esse povo esquecido por si mesmo
tece a teia da própria estupidez...
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DESDE QUANDO NÃO SEI
Demétrio Sena - Magé
Sempre tive uma dor que não posso explicar;
também sinto saudades de nada e ninguém;
tenho vastas lembranças do que não me lembro,
como quem se perdeu do coração e a mente...
Trago muitas tristezas que não sei por que;
lambo tantas feridas que nem vejo em mim;
há um fim sem começo, muito menos meio
em minh'alma cansada porque não se cansa...
Eu me olho no espelho sem saber quem vi,
porque nunca vivi e mesmo assim sou velho
de jamais ter nascido no vão de quem sou...
Na verdade não sou no mais fundo em meu ser,
por morrer desde quando me notei brotar
neste chão que não sinto nas plantas dos pés...
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CECI
Demétrio Sena - Magé
Anteontem ouvi uma linda canção antiga - e memorável - do cantor e compositor Roberto Carlos, mas cujo início considero deplorável, quando afirma: "Você foi a melhor coisa que eu tive".
A melhor coisa que já tive na vida é a Ceci. Ceci não é uma pessoa. É uma bicicleta bem antiga da Calói, que um amigo sabedor de minha paixão por antiguidades me deu. Ela roubou o status de outra velha bicicleta, da Monark. Eu jamais diria que uma pessoa é ou foi a melhor coisa que tive ou tenho.
Chamaria dessa forma qualquer traste humano, como chamo aquela coisa lá de Brasília... mas as pessoas que amo, amei ou mereceriam meu amor, se as conhecesse, não são coisas.
A DESRECEITA DO AMOR
Demétrio Sena - Magé
Não é uma só carne. Nem um só espírito. A máxima bíblica nunca deu certo. Faltou senso de realidade à inspiração do escritor. Também a máxima popular sobre almas gêmeas ou metades da mesma laranja está equivocada e sempre pautou relações abusivas de posses recíprocas. Donos um do outro. Na verdade, as relações em que ambos ou, pior ainda, um dos dois deixa de ser indivíduo falham desde o começo. E se ambos continuam juntos "até que a morte os separe", é porque a própria morte os uniu. Ambos morreram como pessoas ou um deles matou o outro, para supostamente viverem até que a morte física chegue, para dar uma carta de alforria.
Na verdade, quanto mais prisão, mais desconfiança e tristeza. No amor, a resiliência não é virtude. É desespero. As religiões pregam prisão como fidelidade. Pregam vigilância e repressão como garantia de uma felicidade que nunca será real. Uniões conjugais onde cada um decide os passos, as vivências, os fazeres, as crenças e até a profissão do outro, são bem sucedidas como "tempo de casa" ou estabilidade, mas mal sucedidas como relações de amor. Quanto mais liberdade, mais desejo de fazer o outro feliz. Quanto mais confiança, mais fidelidade amorosa e o compromisso recíproco de não trair justamente a confiança.
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SEM O SINAL DA BESTA
Demétrio Sena - Magé
Recentemente, uma jovem conhecida minha foi chamada para uma entrevista empregatícia em uma clínica médica. A primeira pergunta que lhe fizeram foi se ela era evangélica. Se a resposta fosse sim, que dissesse de qual segmento e unidade. Se fosse não, a entrevista já estaria encerrada.
Essa jovem foi membro de uma Igreja Evangélica Wesleyana. Faz tempo que se desligou. Talvez não devesse tê-lo feito, por questão de sobrevivência. Atualmente, as portas da sociedade se fecham para quem não é membro de uma igreja evangélica. São pouquíssimas as inclusões sociais, profissionais e outras, por mais preparo, competência e caráter que se tenha.
E a jovem não mentiu. Disse que não é mais evangélica nem pretende voltar a ser. Que daria o melhor de si como ser humano, social e profissional, caso fosse aceita, mas não; não diria que ainda é evangélica. Uma eventual mentira, certamente lhe daria a vaga, pois a clínica gostou muito do seu currículo, afora o detalhe da religião, mas a moça em questão jamais mentiria.
Mais uma vez, a jovem voltou sem o emprego. Ela não tem o sinal da besta. Continuará se deparando com as portas da sociedade fechadas para ela. Dificultando seu ir e vir. Suprimindo seu direito a "comprar, vender, casar, dar em casamento...".
NEM POR FÉ
Demétrio Sena - Magé
Nem se fosse cristão, eu compraria
uma ideia de bençãos reservadas,
alegrias guardadas em armários
para servos ilustres; mais contritos...
Eu creria num Deus imparcial,
que não tem preferências, preterências
nem a "lei marcial" impiedosa
sempre a postos por erros só do outro...
E meus cultos seriam sem rompantes
de quem acha que Deus é serviçal
dos amantes venais de shows da fé...
Caso fosse cristão, não portaria,
como nunca portei qualquer certeza,
que Deus sempre seria meu mordomo...
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AO PADRE NEUTRO
(Pela forma suspeita com que políticos incomodados pedem uma CPI contra o Padre Júlio)
Demétrio Sena - Magé
Corra um risco na vida. Prefira estar enganado, porém se manifestar. A omissão é mais vergonhosa do que o equívoco. Aprenda com o que seu colega propõe, o valor de se arriscar pelo outro. As barras da batina e da liturgia não são esconderijos dignos dos que pregam justiça.
Arrisque a fama por uma causa justa, e se você estiver enganado, mas por inocência e boa fé, terá valido sua pureza de propósito. Só não pode ser neutro e ver no que vai dar... sua neutralidade será também um julgamento... fará parte silenciosa do linchamento maciço e da condenação antecipada. Irá com a multidão, como aqueles que se juntaram, no grito e no silêncio, pela crucificação do Cristo que você prega, no porto seguro das missas.
Dúvidas propostas, ainda que por motivos duvidosos (politicopartidários, por exemplo), levantam mesmo investigações. Você não precisa estar contra a investigação... mas use a voz para dizer o que pensa. Dê a sua impressão dos possíveis buracos e das distorções que vê... sobretudo, questione as motivações possíveis da investigação de um colega inocente, ativista da justiça social, até prova em contrário.
Seu prestígio não vale nada sem a coragem de mostrar a cara fora das missas e dos palcos. Vale para você e os demais sacerdotes e lideres religiosos de todos os segmentos. Especialmente os queridos das multidões e das mídias.
Só a justiça instituída oficialmente não apenas pode, como deve ser neutra. Mesmo assim, em busca de uma resposta. Atuante pela resposta. Nós, os cidadãos, temos direito à intuição, mesmo equivocada... o dever do corporativismo vigilante, para que os poderes instituídos não façam de nós o que arbitrarem por capricho.
E você é cidadão. Famoso, porém cidadão. Cidadão líder. Esfrie um pouco as costas. Envolva-se. Quebre o silêncio acuado. Abra mão da sabedoria defensiva do seu ego, seu nome, sua fama... seu status. É um ateu que lhe fala. É uma pedra que que clama. Pense nisso e sinta vergonha.
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NÓS CONTRA NÓS
Demétrio Sena - Magé
Há um vício de guerra espargido no vento;
uma raiva sem fundo plantada no ar;
tem um mar cujas abas pelejam sem fim
por domínios que sempre nos dominarão...
Solidões que se atacam numa fúria cega;
narcisismo e ganância que regem sentidos;
sentimentos humanos perdidos no caos
de conquistas que nunca serão mesmo nossas...
Somos nós contra nós refletidos no vão
da loucura maciça que nos faz reféns
do bordão de poder que os poderes impõem...
Porque somos escravos do fazer escravos;
nossos bravos rompantes não nos alforriam
do cinismo dos donos de nossa bravura...
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SUJO DE FLOR II
Demétrio Sena - Magé
Ao ver o pátio de uma clínica - onde aguardava por atendimento - coberto de flores "cor de jambo" caídas de um belo jambeiro prestes a dar frutos -, minha filha Nathalia se lembrou de uma crônica minha, intitulada SUJO DE FLOR e me enviou uma foto. A lembrança ficou ainda mais forte, quando uma senhora, também à espera, reclamou daquele pátio "todo sujo de flores". Uma situação que descreve bem o que me fez escrever a crônica de anos atrás.
Diferente da senhora, um fornecedor de insumos hospitalares, que chegou logo após, decidiu aguardar pelo atendimento à sombra do jambeiro, não sem antes elogiar o cenário. Para ele, aquele pátio não estava "todo sujo de flores". Estava todo florido.Todo enfeitado de flores.
Certa vez, o escritor Isac Machado de Moura também fez referência à minha crônica SUJO DE FLOR em um de seus textos registrados em livros e redes sociais. As estatísticas estão boas. Somos minha filha, o Isac, o vendedor e eu "versus" aquela senhora ingenuamente anti-flores. Podemos nos unir e plantar um jambeiro em cada coração humano, para que todos entendam a magia de ficar sujo de flor.
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#respeiteautorias É lei
MINI-TRATADO SOBRE A INVEJA
Demétrio Sena - Magé
Pode não ser inveja, e sim, uma sóbria e silenciosa admiração sem interesse; por isso mesmo, sem excesso de aproximação e procura. Ou pode não ser inveja nem admiração, mas um tanto faz: a pessoa não dá bola para o que você tem ou quem você é... por isso não estende um tapete vermelho aos seus pés. Você precisa conviver com a ideia de que alguém (ou ninguém) tem inveja de você. A inveja de quem consegue não ter inveja pode corroer suas vísceras. Isso tem cura. Procure ajuda profissional.
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PARA REFLETIR DESARMADO... NÃO DESALMADO
Demétrio Sena - Magé
Só a igreja é uma igreja.
Só a mesquita é mesquita
o tempo inteiro.
Só uma tenda religiosa
ou um terreiro religioso
é uma tenda; um terreiro.
Local de culto é irmandade.
Ambiente de trabalho,
se não falho na memória,
é uma sociedade...
a escola é uma sociedade...
é uma sociedade o clube...
são sociedades os transportes.
Os hospitais, galerias,
teatros, cafeterias,
onde cada um é quem é,
no seu eu mais secreto...
no seu olhar além-teto...
sua fé ou não fé.
A família é uma sociedade,
como a nossa comunidade
ou a nossa nação...
o próprio mundo.
Só é sincero e profundo
amar sem regras e leis...
dentro e fora das greis...
não a simples irmandade.
O amor que nos salva
é o amor expansivo;
extensivo à sociedade.
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REFLEXÃO PATERNA
Demétrio Sena - Magé
Ninguém escolhe o pai que terá. Ser filho é uma sorte favorável para uns, desfavorável para outros... na verdade, para maioria, sobre ter pai. Aliás, o número de filhos que nunca teve um pai, de fato nem de mentirinha, consanguíneo nem adotivo, é imenso. Infelizmente, há casos em que não ter a presença de um pai é melhor do que ter. É aí que tantas mães viram pais, o que não é comum vice-versa.
Ser pai é uma escolha. Essa escolha não pode ser apenas a de fazer uma filha, um filho. Ela deve ser intensa e verdadeira, do fazer ao criar, com afeto; provisão; orientação; acompanhamento presente, com todas as responsabilidades que acompanham o amor. Não entendo como alguém escolhe ter filho e não ser pai; "modelar" simplesmente, um ser humano, e não cuidar. Deixar de lado, abandonar ou ser presença negligente. Muitas vezes brutal; violenta; opressora.
Não chamo de abandono a separação da mãe, e sim, ao tornar essa essa mãe sua ex-mulher, também transformar o filho, a filha em ex-filho; ex-filha. O mundo está cheio de órfãos de pais vivos. Também há mãe que abandona, mas o número de pessoas criadas apenas pela mãe é incontável. São milhões que não têm ao lado nem nos registros de nascimento, a referência do pai. Só conhecem mãe.
Sonho com um tempo de mais filhos felizes. Mais pais presentes, em todos os contextos e sentidos. E de menos dias dos pais que só servem para muitos lamentarem ausências paternas ou presenças que seriam melhores como ausências. Espero que as minhas falhas como pai, até então, ainda estejam naquele grupo das que fazem um homem "passar raspando" em suas provas finais
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Respeite autorias. É lei
PERDÃO
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Raivoso e no auge de uma discussão, chamei o indivíduo de cão sarnento. Gritei, mesmo, em alto e inequívoco som: “Seu cão sarnento! Seu cão sarnento!”. Ele se assustou com a minha ira e se foi. Achou melhor não continuar ali, destilando aquela ironia que me deixara transfigurado. Adivinhou meu próximo passo, que seria fazer com ele o que meninos malvados fazem com os cães sarnentos que proliferam nos subúrbios.
Mas devo confessar que, passado aquele momento refleti. Comecei a sentir um remorso imenso do que fizera. Da ofensa impensada e descabida que tanta gente nem acreditou ouvir da boca de uma pessoa que sempre tenta ser tão serena, reflexiva, social e até ecologicamente correta. Cheguei à conclusão de que fora intempestivo, cruel, truculento e desumano em meu xingamento, especialmente pela comparação que fiz.
Não demorei a vencer o brio e fazer o que era certo. Fui pedir perdão. Não tinha ideia de como seria recebido, mas fui lá. Vesti a coragem de ser humilde, assumi o risco de ser humilhado, abri meu coração e parti para o desafio às cegas. Um desafio que terminaria espantosamente bem, porque fui recebido como se nada houvera. Como se eu nunca tivesse gritado aquelas ofensas que ainda ecoavam em minha mente.
Meu alívio foi total. Tirei das costas um peso que não podia levar por longo tempo. Minha consciência me condenava duramente. Eu mesmo já me punia. Não conseguia me perdoar pelo comportamento insano. Fui surpreendido com uma lição de humildade, ao ser acolhido com afeto. Não precisei me humilhar para ser perdoado. A comunidade canina, muito melhor do que o ser humano, já me perdoara no ato da ofensa.
VALE VIDA
Demétrio Sena, Magé – RJ.
Uma vida só vale seu tempo cumprido
entre sonhos, ações, utopias, verdades,
o cupido, as paixões, desafios aceitos
e as quedas seguidas de novos perigos...
Não há mundo que valha um só giro no espaço
se não for pra causar as vertigens de praxe,
pra borrar nossa guache, nossas aquarelas,
nos fazer insistir e pintar outros quadros...
Todo tempo se cumpre com horas feridas,
porque vidas precisam afrontar a morte
ou serão evasivas; vazias de causa...
Vale a pena viver sem certeza e promessa,
sem a peça que sempre nos falta encaixar
e assim desfazemos pra fazer de novo...
LETRA NOVA PARA UMA VELHA CANÇÃO
Demétrio Sena, Magé – RJ.
É tanto pranto
para chorar,
que é como ter
um mar em mim...
Guardo as águas
de muitas mágoas;
dor sem fim.
Em minha estrada
sem horizonte,
não acho ponte
pra outro amor...
Morro aos poucos,
na solidão
dessa dor.
Estou sem céu,
sem lua, estrelas,
meu caminhar
é infinito...
Abafo angústias
e meu silêncio
devora o grito.
Nem mais espero
a quem amar
como te amei
num tempo findo...
Já não vivo,
percebo apenas
que vou indo.
Agora eu sei,
não há no mundo
um sentimento
mais denso e fundo...
Este amor
é minha sorte;
vida e morte.
VOLTANDO A CHORAR
Demétrio Sena, Magé – RJ.
Passei muitos anos sem chorar. Sem verter uma lágrima; fosse de alegria, tristeza, dor. Era um ser humano impassível por fora. Cheio de sentimentos; ressentimentos; emoções contraditórias; porém, sem pranto.
Quando minha mãe morreu, a maior dor que já senti foi também minha cura. Rachaduras imensas se abriram dentro de mim, para que o Velho Chico acumulado em minh´alma entornasse todo. Fiquei surpreso comigo, ao recuperar a capacidade perdida. Sabia que não me tornara desumano, mas criara uma casca bruta, grossa e destruidora para o meu ser, que definhava dentro do corpo.
Naquele momento, eu chorava copiosamente pela mãe que tanto fiz chorar quando saí de casa. Quando fui conhecer o mundo e a fiz andar por longo tempo em meu encalço, numa luta insana para me acompanhar sem ser percebida. Para saber com quem eu andava. Quem me acolhia e dava guarida. Sobretudo, para não me perder de vista e ao mesmo tempo não negligenciar meus oito irmãos.
Chorar a morte de minha mãe foi reencontrar minha humanidade. Fazer voltar ao âmago meu eu perdido. Esquecido entre os escombros da primeira infância triste, reprimida e de violência paterna, que depois virou abandono paterno e obrigou a todos nós – meus irmãos, nossa mãe e eu – lutar com unhas e dentes contra um mundo que não nos deu moleza. Uma vida que nos testou muito além dos limites.
Mas vencemos. Foram muitos anos, e muita gente pensou que não sobreviveríamos, mas vencemos.
E a minha mãe – nossa mãe Maria de nove santos demônios revoltados por todos aqueles anos de muitas privações e quase nenhuma esperança – nunca esmoreceu. Nós os filhos, muitas vezes esmorecemos; porém ela juntou filhos, mundo e vida, carregou a todos nas costas, no colo e no coração, sempre que os nossos passos cederam ao peso de uma realidade que fechava todos os horizontes.
Depois que minha mãe morreu virei manteiga derretida. Não por coisas grandiosas nem emoções criadas para fazer chorar, mas por sutilezas. Delicadezas entranhadas nas brutalidades do mundo e percebidas por mim, que aprendi a percebê-las. Vira e mexe um acontecimento sutil, de significado ou ressignificado discreto me arranca lágrimas também discretas, e às vezes, até nem tão discretas.
Mesmo na hora da morte, minha mãe fez algo tamanho por mim. Ela me curou de não chorar. Devolveu minha percepção emocional. Fez-me rever a vida pelo prisma da simplicidade, o valor do afeto, a beleza em nuances e o quanto precisamos uns dos outros, quer sejamos família, familiares, amigos, colegas, vizinhos e até conhecidos de nos cruzarmos nas ruas em direção à padaria.
Só tive, pela vida inteira, motivos para ser grato à nossa mãe. E à vida, com todas as pedras no caminho, por todos nós, os nove, sermos cheios de graça, porque somos filhos de Maria... de Maria do Mundo.
EXPRESSO 666
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Há um Cristo forjado entre seres de bem;
uma crista que aguça exaltações febris;
um além prometido pra este momento
em que todos precisam de alguma miragem...
Multidões enaltecem a lenda fugaz;
bradam raivas ungidas, fanatismo pátrio;
pregam paz e guerreiam redundantemente,
por efeito maciço de alguma hipnose...
Um rebanho tangido por gritos de ordem;
umas tristes ovelhas alegres de tontas;
todas prontas pro dia de seus holocaustos...
São regidas por ódio e por frases sagradas,
vão marcadas pra terem uns dias de glória
e depois amargaram seus anos de culpa...
APELOS MODESTOS
Demétrio Sena, Magé – RJ.
Quem tiver um amor sobrando aê,
uma sobra de afeto – qualquer um,
qualquer prisma, soslaio dum olhar,
venha ver quanto bem lhe faço em troca...
Serei grato por gestos e palavras,
por afagos discretos nos cabelos,
minha lavra de sonhos e carências
tem apelos modestos e sutis...
Eu aceito até beijo em minha testa;
faço festa por mão mais generosa
e não vou exigir além da conta...
Tenho tempo; quem sabe lhe seduzo,
mas me privo de abuso e peço aê,
sua esmola de afeto inicial...
PROMISSÓRIA DO MUNDO
Demétrio Sena, Magé – RJ.
Uma voz me convoca pra onde não sei,
cada dia mais perto baforeja n´alma;
feito lei que se cumpre com termo de busca;
faz arresto e me cobra os impostos do tempo...
É a voz da ciência do que já vivi
ou dos passos que o mundo permitiu aos pés,
do que vi desta vida e fiz dos meus caminhos
e me dei de presente para ter futuro...
Lentamente o passado processa meu ser,
porque ser o que fui com tal fome voraz
o feriu tão a fundo pela consistência...
Promissória do mundo estendida sem dó;
uma só dentre as notas desta não canção
do silêncio da voz que fala e cala em mim...
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