Depoimento para uma Garota que eu Amo
Isto é para as pessoas que têm uma voz dentro de si, que conversam com ela. Essa é a voz que as pessoas devem escutar, pois em tudo que vão fazer, existe um caminho errado e um caminho correto, e se escutarem bem, verão o caminho correto, porque existe uma voz interna conversando com todo mundo.
Escrevo muito simples e muito nu. Por isso fere. Sou uma paisagem cinzenta e azul. Elevo-me na fonte seca e na luz fria.
Somente uma coisa me faria bem agora. Seria adormecer com a cabeça no seu colo, você me dizendo bobagenzinhas gostosas pra eu esquecer a ruindade do mundo.
Os meus livros
Os meus livros (que não sabem que existo)
São uma parte de mim, como este rosto
De têmporas e olhos já cinzentos
Que em vão vou procurando nos espelhos
E que percorro com a minha mão côncava.
Não sem alguma lógica amargura
Entendo que as palavras essenciais,
As que me exprimem, estarão nessas folhas
Que não sabem quem sou, não nas que escrevo.
Mais vale assim. As vozes desses mortos
Dir-me-ão para sempre.
Esmagou o cigarro, baixou a cabeça como quem vai chorar. Mas não choraria mais uma gota sequer, decidiu brava.
A UMA PASSANTE
A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;
Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.
Brilho... e a noite depois! - Fugitiva beldade
De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?
Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!
Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!
"Certamente estamos em uma categoria comum com as bestas; toda ação da vida animal diz respeito a buscar o prazer e evitar a dor."
O fingidor
O ermo que tinha dentro do olho do menino era um
defeito de nascença, como ter uma perna mais curta.
Por motivo dessa perna mais curta a infância do
menino mancava.
Ele nunca realizava nada.
Fazia tudo de conta.
Fingia que lata era um navio e viajava de lata.
Fingia que vento era cavalo e corria ventena.
Quando chegou a quadra de fugir de casa, o menino
montava num lagarto e ia pro mato.
Mas logo o lagarto virava pedra.
Acho que o ermo que o menino herdara atrapalhava
as suas viagens.
O menino só atingia o que seu pai chamava de ilusão.
Sou uma mistura de caras e bocas, sorrisos e olhares, atitudes e palavras, estilos e comportamentos. Mas personalidade eu só tenho uma, diferente de muitas pessoas por aí!
Um grande erro que uma pessoa ingrata comete é esquecer que um dia poderá precisar de você novamente.
Não pode tocar
Entro num museu, paro em frente a um quadro, a uma escultura, a uma cerâmica, e enxergo o aviso: não pode tocar. Não posso, então não toco, tudo bem. Não tocarei pra não estragar, pra não quebrar, pra durar por muitos séculos. Nada de sentir a textura do material, nada de deixar minhas digitais impressas, nada de arranhar a tela com minhas unhas mal lixadas, de desgastar as cores com meus dedos imundos. Então a gente respeita, não chega muito perto, não atravessa a linha amarela, nada de macular a obra com nosso hálito quente e nosso olhar aproximado demais.
Assim é também entre homens e mulheres, entre pais e filhos, entre amigos que procuram se proteger: não se pode tocar em determinados assuntos.
Há questões que arriscam ser maculadas com palavras, que um olhar aproximado demais poderia danificar. Instaura-se sempre um silêncio de museu ao nos aproximarmos de temas perigosos. Tolera-se apenas o som da tevê, de um teclado de computador, de alguém falando ao telefone, ruídos parecidos com silêncio, já que não fazem barulho excessivo, não incomodam o suficiente. Palavras incomodam o suficiente. Vamos falar sobre o que nos aconteceu dez anos atrás. Vamos conversar sobre a morte do seu pai. Vamos tentar entender juntos a razão de você estar bebendo desse jeito. Me diz o que te perturbou na infância. Não, não quero tocar neste assunto.
Mantenha-se atrás da faixa amarela, não chegue muito perto, não acerque-se de meus traumas, não invada meus mistérios, não atrite-se com o meu passado, não tente entender nada: é proibido tocar no sagrado de cada um.
Todas as relações do mundo possuem sua prateleira de cristais. Há sempre um suspense, uma delicadeza ao transitar pela fragilidade do outro. Melhor não falar muito alto, é mais prudente ir devagar e com cuidado. Para não estragar, pra não quebrar, pra durar por muitos séculos.
Morrer é uma destas duas coisas: ou o morto é igual a nada, e não sente nenhuma sensação de coisa nenhuma; ou, então, como se costuma dizer, trata-se duma mudança, uma emigração da alma, do lugar deste mundo para outro lugar. Se não há nenhuma sensação, se é como um sono em que o adormecido nada vê nem sonha, que maravilhosa vantagem seria a morte!
...E ela virá me abrir a porta como se fosse uma velha amante. Sem saber que é a minha mais nova namorada...
Creio que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano - uma das faculdades, ou sentimentos primários, que dirigem o caráter do homem
