Cronica de Graciliano Ramos
Velha companheira
As horas passam
os dias voam
os anos chegam
e a cada momento
uma pergunta
sempre a mesma pergunta
que nunca se cala
sempre perturba
distorce a alma
estanca a razão
se é que existe razão
essa pergunta
é a mesma que você
está se fazendo agora
não responda
Não existe resposta!
tantas perguntas me faço
que nunca vou responder
se tento me embaraço
só consigo me perder
a noite trás o cansaço
de um dia todo e o porque
vivo preso a esse espaço
que eu mergulhei sem querer
é um mal que a mim mesmo faço
eu nunca pude escolher
criado e predestinado
ao Deus dará Deus querer
carrego o mundo nos braços
suporto tudo e você
que não entende o recado
e ainda quer ver pra crer
Você hoje comprova com todas as letras e ratifica
que não passa de um pobre integrante de uma boiada,sem conhecimento,sem instrução,sem fé,sem interesse algum no controle da sua própria mente,mostra em suas atitudes alienadas que você não tem o mínimo de senso comum e muito menos crítico além de não saber porque faz o que faz,apenas segue a pobre boiada que já foi pro brejo há muito tempo...na minha pobre e inútil opinião á melhor vacina que você pode tomar contra esse "sistema"todo é desligar a sua Tv.
Dura pouco tempo
Uma palavra de amor
Um gesto tão bonito
É um piscar de olhos
Um passar de vento
Um simples momento
Onde estão aquelas horas
Escondidas pelo anos
Encontradas na memória
Dura pouco tempo
Um espaço de alegria
Não sustenta um dia
Flashs de agonia
Uma sorte súbita
Uma condenação
Livre para senpre morto
Onde os quadros são diversos
E as pinturas tão iguais
E os que se julgam tão complexos
São normais.
Me perdoe se as vezes pareço tola
Ao achar importante a forma na qual nos encaixamos ao dormi.
Me perdoe se eu acho perfeita
A forma na qual minha mão se mistura com a cor da sua
É que foi o contraste mais belo que já vi
Me perdoe se algum dia
Já escrevi poemas ou textos demais para ti antes de dormi
É porque você é o sonho mais real e mais belo que eu já vivi.
E por ultimo me perdoe...
Me perdoe por todas as noites que passei em claro te olhando
É porque sempre tive um enorme desejo de viver sonhando.
Sou Maria
Maria de todas as cores
Maria que ri e sorri
Maria que estuda e trabalha
Maria que é mãe
Maria que é dona de casa
Maria que se prostitui
Maria que não sabe quando vai volta pra casa
Maria que hoje tem comida pros filhos
Maria que chora por um pedaço de pão
Maria que é rica
Maria que só tem uma roupa de algodão
Sou a Maria, branca,morena,loira,ruiva,negra
Sou a Maria,rica,podre,miserável
Sou como todas as Marias desse Brasil
Sou a mulher, o seio do Brasil.
Preciso mudar.
Preciso me afastar.
Como pode existir alguém assim como eu?
Eu preciso diminuir a alegria.
Eu preciso sufocar minha simpatia.
Eu preciso me fechar.
Eu não posso continuar despertando ânimos.
Eu não posso me portar causando desafetos.
Eu não posso ser objeto de ciúmes.
Eu preciso me neutralizar.
Desabafos de fim de tarde.
To com saudade do seu dom de me fazer sorrir,
E daquele teu sorriso que me acalma
Sinto falta do seu cheiro antes de dormir
E do seu jeito carinhoso de me acordar
To com saudade de você em todas as manhãs,
Sem você, o meu dia é tão sem graça
É no seu coração que o meu amor se esconde,
Por isso eu digo que estou perto mesmo estando longe
To pertinho de você, feche os olhos e vai ver
Olha pro seu coração
To te amando de um jeito que jamais amei ninguém
Não sabe o quanto eu te quero bem.
Basta só imaginar que eu to indo te abraçar
Basta só você querer que eu vou te proteger
E nos meus sonhos vou te ver,
Pois mesmo longe eu estou perto de você.
Idiossincrasias
A forma como visto meu sapato
como sempre prefiro um casaco preto
o jeans surrado, sempre o mais confortável
as músicas que fazem minha cabeça
e me fazem sorrir já pelo amanhecer
os fones sempre nos ouvidos
uma batida compassada
uma guitarra arrebatadora
uma voz altissonante
meu cabelo desgrenhado - minha vaidade
As frases impactantes
que tenho sempre na ponta da língua
as ruas por onde andei e sempre retorno
as arvores que admiro e desenho
a sombra projetada pelo vôo do pássaro
sobre as pedras - a sombra que eu queria poder pintar num quadro com cuidado e elegância
Meu cérebro, meu intelecto
as memórias que retenho e sempre visito
dia após dia beijo a boca das mulheres
que amei um dia
uma a uma, beijo sobre beijo, beijo e mais beijo, infinitas camadas sobrepostas de beijos
Céus como eu amo os lábios femininos!
as palavras que elas usam para me ferir
ou me conquistar ainda mais
a forma como conseguem tudo de mim
com apenas um toque ou um olhar meigo
A curva do amanhã, o horizonte resplandecendo
a sepultura que jamais me assusta
meu epitáfio já escrito e corrigido
a esperança - minha mão sendo segurada no escuro pela fé
As brigas e as discussões com meu pai
as brigas um pouco mais suaves com a minha mãe
as brigas com meus irmãos e amigos
o arrependimento instantes depois
As palavras que li nos livros
dos clássicos aos best sellers
a ordem enlouquecedora das palavras no dicionário
os poemas, eternos poemas
de todos os grandes poetas
Meus passos sorrateiros pelas avenidas da morte
- sou amigo do abismo a tempos
meus vicios, minhas loucuras
minha vida enigmática
como um conto de Jorge Luis Borges
Minha vontade de escrever sem parar
rasgando a carcaça do tempo
cuspindo sobre tudo que se diz beleza e não é
Eu, minhas idiossincrasias
meu modo de pensar e agir
de repensar e desistir ou prosseguir
Minhas indagações filosóficas e teológicas
meu estoicismo misturado com epicurismo
meu cristianismo livre, solto, despojado
minha profunda admiração pelo eclesiastes
Meus dias cinzentos, azuis
as manhas cheias de sol e sentio
as tardes sempre sonolentas
as noites sedutoras, enluaradas
O perfume das primeiras flores da primavera
a possibilidade de visitar a praia no verão
o outono camaleônico e amarelecido
a pressa de me abrigar do frio do inverno - a gripe
Novamente a presença da morte
e do amor
binomia que me intriga
o que é melhor inexistir ou amar e ser amado?
na morte não existe sofrimento
no amor o sofrimento é presença constante
não amar é não viver
Não disse tudo, sempre fica algo por dizer
que se dane! Tudo é devaneio, palimpsesto de sonhos, pesadelos, delírios.
Um silêncio dentro de outro silêncio:
O que ela não quis me dizer, dentro do que ela pensou em me dizer, mas não disse.
Sou aquele tipo de sujeito que aprendeu a ler as entrelinhas das entrelinhas, traduzo lacunas, percebo o inexprimível, sou meticuloso, concentrado e por isso o mundo é meu, as mais suaves nuances da comunicação humana me são familiares, nada me é estranho ou absolutamente novo.
As palavras não precisam estar impressas para serem lidas; as palavras são os signos sagrados sobre os quais se movem nossos espíritos.
E quando ela tentou guardar a sete chaves o que seu coração gritava, gesticulava e escrevia em letras garrafais ficou mais patente meu talento sobrenatural de entender almas, descobrir mistérios.
Talvez uma das diferenças entre eu ela seja, olhem só, Clarice Lispector: Ela vive citando Clarice, e eu vivo o que ela vive citando. Confesso que devo muito a ela e muito a Clarice se não fosse por essas duas mulheres eu seria um homem...um homem normal.
Existe um Jesus Cristo
Existe um Jesus Cristo com todas as idiossincrasias desse ser complexo.
Existe um Jesus Cristo histórico.
Existe um Jesus Cristo bíblico.
Existe um Jesus Cristo judeu.
Existe um Jesus Cristo gentio.
Existe um Jesus Cristo diferente dentro de cada ramo do cristianismo.
Existe um arquétipo Jesus Cristo na imaginação coletiva.
Existe um Jesus Cristo pessoal.
Existe um Jesus Cristo objeto/resultado de estudos teológicos.
Resumindo existe um grande catálogo chamado Jesus Cristo que cada um escolhe de acordo com sua fé, inteligência, sentidos, etc.
A realidade é a soma de tudo
A realidade parece um caos, pois ela é tecida por múltiplos fatores advindos de multiformes interesses.
A realidade tem muitas religiões, cristianismo, islamismo, hinduísmo, budismo, paganismo, etc.
A realidade tem diferentes sistemas políticos, capitalismo, socialismo, anarquismo...
A realidade pode ser fruto da hipocrisia de alguns ou da virtude de outros.
A realidade é feita de trabalho, de todos os tipos de trabalhos.
A realidade é construída sobre uma vasta gama de pensamentos filosóficos partindo dos pré-socráticos passando por Santo Agostinho, Tomás de Aquino, René Descartes, Kant, Schopenhauer, Nietzsche...
A realidade é dolorosa, às vezes difícil de ser entendida.
A realidade é a fonte de onde jorra toda arte
A realidade também é fantasia.
A realidade é o mundo, as guerras, a miséria, o desemprego, a doença, as mortes.
A realidade pode ser completamente louca e ainda assim podemos vê-la tão distorcidamente que nossos olhos podem entendê-la normal.
A realidade é a beleza da natureza, o canto dos pássaros, o perfume das flores, os beijos e as carícias de quem amamos.
A realidade é o tsunami que arrasa cidades inteiras.
A realidade é o grande fluxo de automóveis que percorrem intricadas estradas debaixo de todo céu.
A realidade é a televisão, o rádio, a internet e o jornal impresso.
A realidade é o silêncio e o grito.
A realidade é ambígua, um ponto de tensão que avança para algum lugar.
A realidade é a nossa casa.
A realidade é a soma de tudo.
Eu quisera teu amor
Como nunca quis nenhum
Eu dissera: amo-te tantas vezes
Em meus sonhos ou fora deles
Eu fora teu, somente teu
Agora na mais absoluta solidão
Sou um vaso quebrado
Onde não mais vicejam flores,
Uma alma vazia,
Uma razão desmesurada,
Qualquer fragmento inócuo
De uma vida desatinada.
Não sou aristocrático
Não sou fidalgo de muitas posses
Também não sou Charles Bukowski
Sou relativamente educado
Um cérebro singular dentro desse país,
Dentro desse Brasil Machadiano
Graciliano – e cruel
Li alguns poetas latinos
Conheço um pouco de Shakespeare
Entendo de literatura russa
Tranquei a faculdade
Mesmo sendo um dos melhores da classe
Devotei-me as letras desde a adolescência
Estou sempre em movimento
Procurando metáforas, sons, ritmos,
Significados
Posso dizer com certeza
Que um dia serei reconhecido como poeta
(mesmo medíocre)
E essa terra, essa pátria, esse tempo,
Esse século disforme
Saberão que um sangue lírico
Correu pelas artérias de aço das entranhas estranhas da loucura e jorrou poesia nos muros alheios.
Muito antes de existir Facebook, Orkut e Google eu já me deleitava com a escrita, e assim como muitos escritores eu escrevia para organizar meu pensamento e dialogar comigo mesmo, sem pretensão alguma, apenas um hobby e isso me proporcionava uma alegria tamanha que seguidamente a euforia dançava em minha mente. Não vou dizer que sei escrever bem, pois ainda tenho muitos atritos com a gramática e considero meu estilo demasiado árido e obtuso, ademais cometo muitos pecados que um bom escritor não pode se dar ao luxo de cometer, como por exemplo: o vicio de linguagem, esse infeliz me assedia em quase todas as linhas. E não é só isso, vários outros obstáculos surgem no meu caminho, outro exemplo: Quando leio um escritor clássico logo penso, Céus, estou a milhas de distância dele!
Entretanto esse pensamento, conquanto difícil de silenciar, encobre um grande segredo que só quem se dedica a profissão de escriba pode aprender: exprimir-se provoca catarse. Nosso imortal do Bom Fim, Moacir Scliar, foi quem me ensinou isso numa crônica da Zero Hora a uns bons anos atrás, talvez perto de dois mil e oito. Quando li o texto e deparei-me com a palavra catarse logo percebi que aquilo falava diretamente a minha alma, aquele canal de comunicação havia feito um milagre e Moacir fora o sábio escolhido para me revelar tal mistério.
Eu ainda não estava familiarizado com a palavra catarse, então avidamente abri o Aurélio e “voilà”; catarse - liberação de pensamentos e emoções que estavam reprimidos no inconsciente, seguindo-se alívio emocional. Subitamente pensei, então é isso o que sinto quando escrevo é esse o grande motivo pelo qual os escritores escrevem, aquela sensação de euforia que sinto é catarse.
Depois daquele dia passei a escrever com mais vontade ainda, com mais paixão, com sangue, com verdade.
A torre de babel estava sendo construída de vento em popa, tijolo sobre tijolo, metro e mais metro acima. Todos riam e brincavam e a torre subia sem parar. Logo nesse momento Deus desceu do céu e confundiu a linguagem dos construtores como relata a bíblia. Depois disso o arquiteto largou a planta no chão e saiu correndo, os construtores jogaram suas ferramentas num canto e partiram, os auxiliares desapareceram até que a obra foi totalmente abandonada.
No outro dia surgiram os cursinhos de idiomas e a construção civil foi deixada para segundo plano.
Hoje me sinto tão só, sofrendo de novo por amor que não sei se foi verdadeiramente meu! enquanto as lagrimas escorrem em minha face eu lembro quando agente se conheceu e como você me encantou, você me fez promessas criamos planos e nesses planos você disse que nunca ia me deixar que toda aquela dor e aquela magoa ia passar mais voltou e voltou por que a pessoa que prometeu nunca me machucar ta me machucando indo embora sem olha pra trás sem diz um te amo.
Você conseguiu fazer com que meu medo de me machucar voltasse e agora ele voltou, não consigo mais pensar em outra pessoa no teu lugar e só hoje consigo enxerga que seria melhor que eu nunca tivesse me envolvido contigo por que agora só me resta lembranças e lagrimas.
A semana de oito dias
Num estranho vilarejo ao sul de uma grande cidade brasileira a população era totalmente analfabeta, erravam até a impressão digital, e logicamente o prefeito da cidade tirava vantagem de todos. Ah, o nome do vilarejo era Toscascaras, o do prefeito Epaminondas. Um belo dia o canastrão teve a diabólica idéia de criar uma semana com “oito” dias para se aproveitar da mão de obra dos pobres coitados toscascarianos. Ele imaginou que um dia a mais de trabalho na semana, ao longo de um ano, lhe renderia um lucro muito satisfatório e com o passar dos anos, se ninguém percebesse, poderia até aumentar a semana para nove ou até dez dias. Claro, esqueci de dizer que a pequena cidade subsistia somente com a agricultura. Dessa forma o prefeito assumia um papel de xamã-climatólogo-agrônomo e era o único capaz de coordenar as diretrizes do programa de enriquecimento de hortaliças, leguminosas e afins e, agora pasmem, o único que sabia a resposta para a clássica pergunta: Que dia é hoje?
Quando Epaminondas era jovem surpreendentemente pediu aos pais para embarcar na misteriosa máquina que passava pelos arredores do vilarejo (ônibus escolar) e foi assim que ele chegou à capital e descobriu, por mérito próprio - já que era extremamente curioso, o que era uma escola. O futuro prefeito acabou ficando viciado naquela aventura toda de viajar assistindo as curvas, o horizonte, as árvores e as casas aproximarem-se e sumirem rapidamente como por mágica, e decidiu que embarcaria todos os dias naquela máquina, e foi assim que consegui a proeza inédita de ser o primeiro toscascariano a ser alfabetizado e ainda por cima galgou o diploma do primário completo. Dali para frente percebeu que o mundo se dobraria ante sua esperteza. O posto de prefeito foi uma idéia que surgiu naturalmente e como ninguém se opôs, voilá: auto-intitulou-se a si mesmo sozinho “Supremo comandante da comarca de toscascaras do distrito de sei lá onde”, isso feito, reorganizou a agricultura familiar de subsistência em uma grande cooperativa a “Cia Toscascaras de Alimentos com Agrotóxicos e outras Drogas mais, mas fica frio, Ltda”. E tratou de administrá-la com mão de ferro tornando-se logo de cara acionista majoritário com noventa e nove por cento das ações.
A diabólica idéia dos oito dias na semana veio logo em seguidinha a fundação da companhia de alimentos... No começo eles nem perceberam já que sempre trabalharam todos os dias. Porém com o passar dos meses alguém quase descobriu, mas era alarme falso.
A semana de Epaminondas era assim elaborada: Segunda, Terça, Quarta, Quarta, Quinta, Sexta, Sábado, Domingo. Como o dia ficava ali camuflado bem no meio da semana ninguém percebia.
Passados alguns anos Epaminondas começou a perceber que sua artimanha não estava funcionando muito bem, já que os lucros anuais não variavam nunca.
– Será que minha semana de oito dias não está funcionando? - pensava ele.
E assim num arroubo repentino de desespero Epaminondas rasga a maior invenção de sua vida o desconcertante calendário semanal de oito dias.
Enigmatizado
Ismael nasceu no dia dezenove de dezembro de 1985. Teve uma infância comum e uma adolescência tumultuada. Depois morreu em um acidente de automóvel no dia primeiro de janeiro de 2008. Fora atropelado por um carro enquanto caminhava tranquilamente pela beira da estrada. Sua família, como é de praxe em todas as épocas com todas as famílias, providenciou um epitáfio com palavras absolutamente vagas e imprecisas. Nem uma vírgula daquele epitáfio seria aprovada por Ismael. O pobre coitado atravessou esse mundo como um homem igual a todos os outros, teve seus amores seus sonhos e suas frustrações. Dedicou-se a projetos triviais para ganhar seu pão, era de família simples e provinciana, e o resto, como diria Shakespeare, é silencio.
Até aqui Ismael seria um homem genérico, sem nada de especial, digo nada de relevante que mereça ser contado em uma biografia. Não pensem que estou fazendo pouco caso dele – longe disso, todo ser humano merece respeito e todas as vidas têm suas particularidades que se bem exploradas podem tornar-se incomuns. Se estou criticando alguém é a família dele por não ter conhecido de fato Ismael. O certo, para falar a verdade, também seria culpar Ismael por sua invisibilidade histórica, porque ele não compartilhou sua vida com os outros? Porque fez questão de levar uma vida mecânica, vivendo o que tinha que ser vivido sem fazer grandes indagações, sem desafiar a ordem pré-estabelecida desse universo misterioso e complexo? Morreu como um carneirinho que seguia o rebanho sem olhar para os lados, sem identificar seu algoz. Claro que em se tratando de um individuo suas idiossincrasias apontam sinais, se, por exemplo, fosse feito um estudo freudiano de tudo que Ismael fez, se coletássemos depoimentos de quem conviveu com ele, provavelmente teríamos uma história mais profunda, adornada com episódios, frases e nuances que certamente desencadeariam uma possível empatia em nós estranhos. Ismael não era nenhum animal, tinha que ter algo de interessante. Mas a história tradicional é assim. A vida de cada indivíduo não tem grande importância. Interessa-nos a história das guerras, dos grandes movimentos sociais, dos reis, dos cientistas e filósofos, dos escritores e poetas, dos santos e mais alguns poucos privilegiados que viveram algo de inusitado e original. Depois disso tudo é a eterna mesmice do eclesiastes. Geração vai e geração vem... levanta-se o sol, põe-se o sol... o vento vai para o sul e faz seu giro para o norte... todas as coisas são canseiras tais, que ninguém as pode exprimir, etecétera.
Agora me deixem explicar um curtíssimo período de tempo na vida de Ismael, dois meses apenas, que podem dar sentido a sua existência e quem sabe até resumir todos os dias de sua vida aqui nesse mundo. O detalhe é que ninguém sabe que isso aconteceu com ele. O que vou contar se passou em agosto e setembro de 2005.
Ismael estava com dezenove anos e resolvera sair da casa de seus pais para morar sozinho na capital. Tinha arrumado um emprego em um supermercado e decidira continuar seus estudos. Se não me engano, ele planejava estudar arquitetura assim que conseguisse ingressar na faculdade, mas começou fazendo um cursinho de inglês. O resto de seu tempo livre era gasto na biblioteca pública num desbravar eufórico e insano de livros de ocultismo, misticismo e religião. Como sou o bibliotecário e vez por outra eu ajudava-o a encontrar determinado livro posso dizer (e garantir) que algo de muito estranho estava acontecendo dentro daquela mente enigmática. Numa quinta feira a tarde ele aparece meio desorientado, com o rosto pálido e procurando livros sobre anjos. No outro dia pela manhã ele queria tudo que estivesse disponível sobre demônios. Ele olhava para os lados a todo o momento, passava a mão sobre o rosto e deixava transparecer uma sensação de desconforto. Depois daquela manhã ele nunca mais apareceu e algumas semanas depois eu soube, através de um conhecido que tínhamos em comum, que ele havia morrido. Não sei por que, mas aquela morte prematura, de um cara que eu pouco conhecia, me fez refletir sobre isso que chamamos vida.
Logo que cheguei ao trabalho fui procurar os livros que Ismael tinha lido em seus últimos momentos nesse mundo. E para minha surpresa encontrei um bilhete dele no meio de um livro de capa esmaecida. O que segue são as próprias palavras de Ismael:
“Encontrei a resposta. Agora tudo faz sentido. Só importa o mundo espiritual, anjos e demônios guerreiam entre si a todo instante. O embate nunca cessa a espada jamais descansa. Céus, eu quero fazer parte disso. Que venha o fim do mundo, que chegue a aniquilação. Que os elementos se desfaçam em fogo e o filho do homem retorne para fazer justiça”.
Confesso que fiquei um pouco assustado no começo, porém logo me acalmei e deduzi que Ismael tinha surtado. O que sei é que ele sempre foi um cara sensato e normal segundo aqueles que o conheceram. Como um homem consegue esconder um furacão dentro da alma? Como uma tempestade bravia atravessa um espírito e ninguém percebe? Será que Ismael era maluco ou descobriu a sensação oceânica e misteriosa que a religião provoca - aquela que Freud ignorava?
Esboço de um epitáfio
O canto do quero-quero, a xícara de café no meio da tarde
Ah, que alegria!
Lembranças que deixo. Sonhos que desvanecem
Vocês – família, amigos, vizinhos, conhecidos, estranhos
Não estou mais aí, aliás, não estou nem aqui
Jazo invisivelmente, sou um símbolo a partir de agora
Nada levo, mas depois de mim – o mundo – belo e áspero, miserável e sublime ainda será o mesmo.
O céu azulado, os desenhos que fiz, as mulheres que beijei e levei para cama, a ânsia de dar sentido a minha vida...
Meu romantismo, minha solidão, meu refúgio, os mundos que criei; as páginas da bíblia, os enigmas espirituais...
Nada mais me toca nada mais me diz um ai
Por quê? Porque não existo mais
Sou pó, ao pó retornei.
