Conto Amor de Clarice Lispector

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Que a sua própria chave não estava com ele, a isso ainda menino habituou-se a saber, e dava piscadelas que, ao franzirem o nariz, deslocavam os óculos. E que a chave não estava com ninguém, isso ele foi aos poucos adivinhando sem nenhuma desilusão, sua tranquila miopia exigindo lentes cada vez mais fortes.
Por estranho que parecesse, foi exatamente por intermédio desse estado de permanente incerteza e por intermédio da prematura aceitação de que a chave não está com ninguém – foi através disso tudo que ele foi crescendo normalmente, e vivendo em serena curiosidade.

Clarice Lispector
Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Nota: Trecho do conto Miopia progressiva.

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De algum modo pairava acima da própria miopia e da dos outros. O que lhe dava muita liberdade. Às vezes apenas a liberdade de uma incredulidade tranquila. (...)

“Amor sem seleção” representava uma estabilidade ameaçadora: seria permanente, e na certa resultaria num único modo de julgar, e isso era a estabilidade. A estabilidade, já então, significava para ele um perigo: se os outros errassem no primeiro passo da estabilidade, o erro se tornaria permanente, sem a vontade da estabilidade, que é a de uma correção possível. (...)

Aceitara a incerteza, e lidava com os componentes da incerteza com uma concentração de quem examina através das lentes de um microscópio. (...)

Ele conheceu uma das raras formas de estabilidade: a estabilidade do desejo irrealizável. A estabilidade do ideal inatingível. Pela primeira vez, ele, que era um ser votado à moderação, pela primeira vez sentiu-se atraído pelo imoderado: atração pelo extremo impossível. Numa palavra, pelo impossível. E pela primeira vez teve então amor pela paixão.

E foi como se a miopia passasse e ele visse claramente o mundo. Talvez tenha sido a partir de então que pegou um hábito para o resto da vida: cada vez que a confusão aumentava e ele enxergava pouco, tirava os óculos sob o pretexto de limpá-los e, sem óculos, fitava o interlocutor com uma fixidez reverberada de cego.

Clarice Lispector
Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Nota: Trecho do conto Miopia progressiva.

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Eu ia andando pela Avenida Copacabana e olhava distraída edifícios, nesga de mar, pessoas, sem pensar em nada. Ainda não percebera que na verdade não estava distraída, estava era de uma atenção sem esforço, estava sendo uma coisa muito rara: livre. (...)

E foi quando pisei num enorme rato morto. Em menos de um segundo estava eu eriçada pelo terror de viver, em menos de um segundo estilhaçava-me toda em pânico, e controlava como podia o meu mais profundo grito. Quase correndo de medo, cega entre as pessoas, terminei no outro quarteirão encostada a um poste, cerrando violentamente os olhos, que não queriam mais ver. Mas a imagem colava-se às pálpebras: um grande rato ruivo, de cauda enorme, com os pés esmagados, e morto, quieto, ruivo. O meu medo desmesurado de ratos. (...)

Então era assim?, eu andando pelo mundo sem pedir nada, sem precisar de nada, amando de puro amor inocente, e Deus a me mostrar o seu rato? (...)

... mas quem sabe, foi porque o mundo também é rato, e eu tinha pensado que já estava pronta para o rato também. Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. (...) É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e o então castigo é amar um mundo que não é ele. (...) Sei que nunca poderei pegar um rato sem morrer de minha pior morte. (...) Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? (...) Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de Deus. (...) Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe.

Clarice Lispector
Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Nota: Trechos do conto Perdoando Deus.

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Só, por exemplo, olhando para o dia passado é que tinham a impressão de ter – de algum modo e por assim dizer à revelia deles, e por isso sem mérito – a impressão de ter vivido. (...)

Não era uma vida de sonho, pois este jamais os orientara. Mas de irrealidade. Embora houvesse momentos em que de repente, por um motivo ou por outro, eles afundassem na realidade. E então lhes parecia ter tocado num fundo de onde ninguém pode passar. (...)

Essa maneira de caber inteiramente no que existia e de tudo ficar tão nitidamente aquilo mesmo – era intolerável. Mas, quando passava, era como se a esposa tivesse bebido de um futuro possível. Aos poucos o futuro dessa mulher passou a se tornar algo que ela trazia para o presente, alguma coisa meditativa e secreta. (...)

Sonhadores, eles passaram a sofrer sonhadores, era heroico suportar. Calados quanto ao entrevisto por cada um, discordando quanto à hora mais conveniente de jantar, um servindo de sacrifício para o outro, amor é sacrifício.

Clarice Lispector
Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Nota: Trechos do conto Os obedientes.

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Sua coragem é a de, não se conhecendo, no entanto prosseguir. É fatal não se conhecer, e não se conhecer exige coragem.

Vai entrando. A água salgada é de um frio que lhe arrepia em ritual as pernas. Mas uma alegria fatal – alegria é uma fatalidade – já a tomou, embora nem lhe ocorra sorrir. Pelo contrário, está muito séria. O cheiro é de uma maresia tonteante que a desperta de seus mais adormecidos sonos seculares. E agora ela está alerta, mesmo sem pensar, como um caçador está alerta sem pensar. A mulher é agora uma compacta e uma leve e uma aguda – e abre caminho na gelidez que, líquida, se põe a ela, e no entanto a deixa entrar, como no amor em que a oposição pode ser um pedido. (...)

Mergulha de novo, de novo bebe mais água, agora sem sofreguidão pois não precisa mais. Ela é a amante que sabe que terá tudo de novo. O sol se abre mais e arrepia-a ao secá-la, ela mergulha de novo: está cada vez menos sôfrega e menos aguda. Agora sabe o que quer. Quer ficar de pé parada no mar. Assim fica, pois. Como contra os costados de um navio, a água bate, volta, bate. A mulher não recebe transmissões. Não precisa de comunicação.

Depois caminha dentro da água de volta à praia. Não está caminhando sobre as águas – ah nunca faria isso depois que há milênios já andaram sobre as águas – mas ninguém lhe tira isso: caminhar dentro das águas. As vezes o mar lhe opõe resistência puxando-a com força para trás, mas então a proa da mulher avança um pouco mais dura e áspera.

Clarice Lispector
Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Nota: Trechos do conto As águas do mundo.

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Conto Erótico

- Às suas ordens.
- Que-quem é?
- Às suas ordens.
- Acho que apertei o botão errado. Ainda não me acostumei com o painel deste novo sistema. Como é que eu faço par conseguir linha direta?
- Linha direta: comprima o botão vermelho no canto direito inferior do painel. Aguarde. Se der sinal de linha, comprima o botão marrom, depois o vermelho novamente.
Repita a operação até conseguir a linha.
- Obrigado, senhorita...
- De nada. Desligo.
- Escute!
- Às suas ordens.
- Olhe. Por favor, não pense que eu estou sendo indiscreto, mas é que não reconheci sua voz. Você é nova no escritório? Alô?
- Às suas ordens.
- Eu só queria esta informação...
- Informação: Comprima o "zero' no painel. Aguarde. Quando ouvir o sinal eletrônico, declare a informação desejada. Fale pausadamente.
- Não. Não. Eu só queria saber... Em primeiro lugar, o que é que você está fazendo aqui a esta hora? todo mundo já foi para casa. Já sei, é seu primeiro dia, você ainda está desambientada. Mas não precisa exagerar. Ninguém me disse que iam contratar uma nova telefonista. Aliás, me disseram que com esse novo sistema, não precisa telefonista. Você não responde?
- Às sua ordens.
- Só me diga seu nome. Olhe, não sei o que lhe disseram a meu respeito, mas eu não sou um patrão duro, não. Só fico até esta hora no escritório porque, francamente, este é o lugar onde me sinto melhor. Minha mulher nem fala mais comigo. Me sinto muito melhor aqui, na minha mesa, na minha poltrona giratória, as minhas coisas, agora este novo telefone... entendeu? Não sei porque estou contando tudo isto para você. Ah, é para você não ter medo de conversar comigo. Sou absolutamente inofensivo. As funcionárias deste escritório, para mim, fazem parte da mobília, entende? Jamais faltei com respeito com nenhuma delas. Aliás, jamais faltei com respeito com mulher nenhuma, ouviu? Você não tem nada para me dizer?
- Não há mensagens.
- O quê?
- Às suas ordens.
- Mas eu sou um animal. Você é uma gravação! Agora entendi. E eu aqui falando sozinho...Mas sabe que você tem uma voz linda?
- Às suas ordens.
- Quero fazer amor com você. Agora. aqui. em cima da mesa. Com a sua cabeça atirada para trás, por ima do calendário eletrônico. Com o jogo de canetas de acrílico espetando as suas costas. E você rindo, selvagemente, de prazer e de dor. Depois rolaremos pelo carpete como dois loucos. Como duas feras. Derrubaremos a mesa do café.
-Café: comprima o botão rosa.
- Ahn. Diz de novo. Comprima o botão rosa. Diz. Café.
- Café: comprima o botão rosa.
- Meu amor, minha paixão. Café,
- Café: comprima o botão rosa.
- Quero passar o resto da minha vida ouvindo a sua voz e comprimindo seu botão rosa. Nunca mais preciso sair do escritório. Só nós dois. Quero fazer tudo com você. Tudo!
- Você deixa?
- Às suas ordens.

Luis Fernando Verissimo
Comédias da vida privada

O sangue escorria, naquele líquido vermelho a dor se ia, era necessidade, diferente do desejo e insanidade, a dor parava, descansava. Os olhos fechavam, ali escurecia, sentia-se bem, era o lugar onde se encontrava, sentia o coração ficar calmo aos poucos, história escrita com sangue, se tornando melhor. Pedaços vazios. Mutilação. Restaram os pedaços que se tornaram cicatrizes, aquelas que mais tarde ao passar a mão, se orgulhou por ter aguentado fortemente sozinho, sem precisar da ajuda de quem o julgava e acabava com suas esperanças de viver a história que escrevia.

Não é porque o príncipe encantado, em seu cavalo branco, esqueceu de me fazer uma visita, que deixarei de acreditar em contos de fadas, em histórias de amor verdadeiro, em romances arrebatadores. Desconfio, que bem dentro do meu coração, o 'foram felizes para sempre', não é clichê, é real, é pra valer. Creio que tudo pode acontecer, que posso ser o que eu quiser. O que posso fazer, se tenho alma de menina, romântica, das antigas e apaixonada, revestida por essa capa de mulher?

Quem diria! Aquela história de príncipe encantado existe mesmo! Mas não, a verdadeira realidade não é tão perfeita quanto aquela que se imaginava nos contos de fadas. O príncipe vem, mas não a cavalo, ele pode estar bem vestido e cheiroso. Pode acontecer um lindo casamento também. Acontece que o amor não é um conto assim tão perfeito, mas tem lá muitas belezas, e com uma imaginação fértil, pode ser sim um conto de fadas, princesas, como preferir.

Ela: Meus pais estão casados a 30 anos.
Ele: Sério?!
Ela: É... Mas não sei se quero isso!! Eles falam Te Amo como uma obrigação sabe, de forma automática!!
Ele: Como assim?!
Ela: É como se dissessem Sanduiche de Queijo ao invés de Te amo, entendeu?!
Ele: Eu Te Sanduiche de Queijo!
Ela: Eu também te sanduiche de queijo...

Estava pronta pra tentar de novo, um pouco ferida, um pouco humilhada, e eu espero um pouco mais esperta!
Acredito que escrevemos nossas próprias historias, e cada vez que achamos que sabemos o final, nos enganamos, talvez a sorte exista em algum lugar entre o mundo dos planos, num mundo das chances, e na paz ,que vem do saber que você não pode saber de tudo, a vida é muito estranha uma vez que você deixa acontecer, o que deve ser será.

"O louco, o amor e a flor"

Vi um louco na rua e lhe perguntei sobre o amor.
O louco era tão louco, falou que amor é igual a uma flor
Bonita, elegante, atraente, mas não vive fora do chão onde alguém um dia a plantou.
Tem que cuidar, tem que ser regada todos os dias, cada manhã.
Senão ela murcha
Perde a beleza
Fica sem cheiro
Ele disse que planta e zela o amor igual se plantar com carinho a linda flor.
Para colher as admirações e a paixão desejadas pela caminho.

SINTOMAS

Emoção,tremor ,desejo ,sedução ,paixão... -será ou não ?
Mãos macias ,Beijos quente, corpos molhados, abraços apertados... sabor de quero mais... sentimentos que vem como uma tempestade derrubando tudo que o enfrentar...

Sentimentos que traz-te grandes frustrações ou um novo amor!
Não sei se para o bem ou para o mal Sempre queremos ir até o final
Quando está febre Invadir-te
Queima..entra pelas corrente sanguínea, faz o coração palpitar mais forte, faz o peito apertado, invadi o cérebro, ocupa seus pensamentos...

Invade seus sonhos ,acorda com a gente, nos faz fragilizados, agir com a emoção... esquece dos custos não olha os prejuízos, muda valores ,passar por cima do preconceito, quebra tabus abre as portas da esperança, te cria insegurança ,cresce o medo de perder, nos traz a vontade de ficar.

Mesmo quando precisamos Ir, cuidado com esse vírus se chama Paixão pode te contaminar a qualquer momento, basta dois olhares encontrarem-se e uma oportunidade surgir...
Gislene Souza

⁠Amor bonito é aquele que chega de maneira inesperada;
É aquele se tem aquela sensação de espanto;
É aquele onde tudo acontece de repente;
É aquele que simplesmente chega no momento certo, no momento em que pensávamos que ele nunca mais chegaria.
Amor bonito é aquele que nunca erra o endereço;
É aquele que chega meio sem jeito e todo desarrumado;
É aquele que chega como um presente simples e sincero;
É aquele que carrega no coração sentimentos verdadeiros.
Amor bonito é aquele capaz de dar vida a um coração outrora quebrado;
É aquele que desperta sorrisos em rostos tristes;
É aquele que transforma as noites frias em dias mais quentes;
É aquele que cura as dores da alma.
Amor bonito é aquele que não exige nada em troca;
É aquele que vem para bagunçar os teus cabelos e mudar o rumo das coisas;
É aquele que se aprende junto um com o outro;
É aquele que dispensa as regras e revela que a maturidade vem aos poucos com o tempo.
Amor bonito é aquele que chega sem medo;
É aquele que transborda para fora peito;
É aquele que dá vida aos nossos sonhos e renova nossa esperança;
É aquele que nos faz viajar pelas estrelas e nos deixa fora de órbita;
Amor bonito é aquele que se expressa sem a necessidade de palavras;
É aquele que respiramos e sentimos através do olhar;
É aquele que nos deixa sem explicação;
É aquele que aquece a alma e incendeia o coração;
Amor, que Amor bonito!

Satânico é meu pensamento a teu respeito, e ardente é o meu desejo de apertar-te em minha mão, numa sede de vingança incontestável pelo que me fizeste ontem. A noite era quente e calma, e eu estava em minha cama, quando, sorrateiramente, te aproximaste. Encostaste o teu corpo sem roupa no meu corpo nu, sem o mínimo pudor! Percebendo minha aparente indiferença, aconchegaste-te a mim e mordeste-me sem escrúpulos.
Até nos mais íntimos lugares. Eu adormeci.
Hoje quando acordei, procurei-te numa ânsia ardente, mas em vão.
Deixaste em meu corpo e no lençol provas irrefutáveis do que entre nós ocorreu durante a noite.
Esta noite recolho-me mais cedo, para na mesma cama, te esperar. Quando chegares, quero te agarrar com avidez e força. Quero te apertar com todas as forças de minhas mãos. Só descansarei quando vir sair o sangue quente do seu corpo.
Só assim, livrar-me-ei de ti, pernilongo filho da...

Carlos Drummond de Andrade

Nota: Autoria não confirmada.

Oração pela Paz

Senhor, fazei de mim um instrumento da vossa paz.
Onde há ódio, que eu leve o amor.
Onde há ofensa, que eu leve o perdão.
Onde há discórdia, que eu leve a união.
Onde há dúvida, que eu leve a fé.
Onde há erro, que eu leve a verdade.
Onde há desespero, que eu leve a esperança.
Onde há tristeza, que eu leve a alegria.
Onde há trevas, que eu leve a luz.
Ó Mestre,
Fazei que eu procure mais
consolar que ser consolado;
compreender que ser compreendido;
amar que ser amado.
Pois é dando que se recebe,
é perdoando que se é perdoado,
é morrendo que se vive para a vida eterna.

Amar é descobrir os detalhes, os avessos

Amar é descobrir os avessos. É olhar o outro lado, o nunca visto, o não investigado.
Amar é exercício de investigação, de constante e atenta observância.
Só o observar silencioso da existência nos capacita para uma formulação de palavras...
Só pode dizer alguma coisa sobre uma pessoa, aquele que soube demorar, que soube ficar, permanecer, vigiar, descobrir. As palavras reveladoras só nascem depois da observação silenciosa.
Uma mulher não se sente amada no momento em que o homem a proporciona uma noite de amor, apenas...
Mas sobretudo no momento em que se sentam à mesa de um restaurante, e sem que ela diga nada ele lhe pede o prato favorito.
Amar é descobrir os gostos, os sabores particulares, os desejos mais ocultos.
Amar é saber a cor favorita, o número que calça os pés, o que causa medo e o que encoraja.
Hoje fiquei pensando...
Meu pai morreu sem que eu soubesse qual era sua cor favorita...

Sabe quando você acha que conhece alguém? Mais do que qualquer um no mundo? Você sabe que entende a pessoa, porque a enxerga de verdade. E então você tenta se aproximar, e ela... desaparece. Você achava que pertenciam uma à outra. Achava que ela era sua, mas não é. Você quer protegê-la, mas não pode.

Descobri que, às vezes, momentos marcam nosso corpo. Eles estão ali, alojados sobre a pele como sementes pintadas de surpresa, tristeza ou medo. E se você virar para um lado ou cair, uma delas pode se soltar, pode se dissolver no sangue ou fizer surgir uma árvore inteira. Às vezes, quando uma se solta, todas começam a se soltar.

O que falei sobre salvar as pessoas não é verdade. Você pode achar que quer salva por outra pessoa, ou que quer muito salvar alguém. Mas ninguém pode salvar ninguém, não de verdade. Não de si. Você pega no sono no pé da montanha, e o lobo desce. E você espera ser acordada por alguém. Ou espera que alguém o espante. Ou atire nele. Mas, quando você se dá conta de que o lobo está dentro de você, é quando entende. Não pode fugir dele. E ninguém que ama você consegue matar o lobo, porque ele faz parte de você. As pessoas veem seu rosto nele. E não vão atirar.