Coleção pessoal de noi_soul

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⁠Indiferente aos movimentos
de pequenos seres terrestres
cruza o céu em passo lento
a majestosa dos poetas
enquanto a luz iridescente
do astro-rei se despede
e uma menina-mulher
em seu quarto reflete
sobre uma cama bagunçada
deitada no cobertor
lendo letras intrigantes
dum famoso escritor
a capa cor de arrebol
a história seca e tenaz
os carros voltando às casas
e os sons dos animais
vozes distantes e dentro
sonhos e sonos sem fim
a moça reflete a beleza
e a estranheza do existir
palavra que mostra tudo
discerne e desfere e ri
no arco de uma personagem
tão longe da sua imagem
tão perto do seu porvir
minutos viram segundos
segundos dissolvem horas
e outra vez a aurora
desperta sua lucidez
começa a vida às 5
trabalha e faz seu risco
entre o não e o talvez
à noite, de sua janela
memoriza os olhos dela
a lua que se desfez…

indiferente
permanece indiferente
ante a desgraça das gentes
que morrem aos montes
em sua frente
não são apenas tiros e facas
não são apenas bombas e farpas
são inundações de tristezas
clamores das extremas pobrezas
ciclos que rodeiam os nós
vozes que abafam os dós
limites perdidos em si mesmos
liames desfeitos aos despejos
indiferentes
eis que permanecem vós
construtores do futuro retrós
adivinhos de promessas desfeitas
mercadores de almas eleitas
con-ve-ni-en-te-MENTE
disfarçados de bondade
entorpecidos em sua própria vaidade
indiferente
permanece a existência
frente a insensatez da eloquência
de quem fala
grita
e nada diz
de quem vive
e morre
sempre
por um triz…

⁠à minha frente
tantas possibilidades
e esta incapacidade premente
de apenas estar no vazio corrosivo
explodindo neurônios
e sentimentos profundos na aparência
vagos na essência
um estado constante de estupefação
sem nexo
sem providência
sem ação
é como se eu deixasse para viver
amanhã
no amanhã
os significados esperam
os olhos humanos
e eu, teimosamente, não os deixo
existir por dentro
a lava do vulcão escorre e transforma
tudo
ideias
sonhos
projetos
em lamento
apenas meus ouvidos escutam
um som inconfundível e mordaz
sua nota reverbera em estribilho e passa a ser
minha
companheira
e juíza
repetida. repetida. repetida.
golpe hipnopédico
como um barulho silencioso e paralisante
como uma pedra engastada
na garganta
o perene não fazer
não existir
não ver
fingir
e deixar para depois
quem sabe…
[ainda são 7 da manhã
e quantas vezes já pensei em fugir?]

⁠se ela me purifica
o que será de mim sem sua luz?
quando ando pelas ruas
e em cada esquina
há uma venda
e neste comércio
a alma é o negócio
não a vejo
não sinto seu esplendor
se ela me purifica
por que recebo o açoite
pela mão de quem se diz pastor?
promessas de um céu
em troca de metais produzidos
pelo trabalho de pequeninas mãos
e onde estão as minhas mãos
nesta hora?
entre o bolso e a prece
entre a sanha e a pressa
de erguer-se a mais um clamor
se ela me purifica
e perdoa os meus desvios
os desvarios
os devaneios
e os anseios
de quem deseja ter fé
e a cada esquina ainda encontra o mercador
disposto a traficar crenças
com a promessa do paraíso-além
porque aqui na carne
no corpo
na face
é só inferno e pronto!
– apenas isso se tem…
[se ela me purifica
a chave vive na dor]

⁠escrevo para nada
e para o nada silencioso
e prefiro esta inutilidade da minha escrita
a ardência do fogo que queima
de dentro para fora
e precisa sair
precisa existir
precisa ganhar forma
e virar faíscas
queimadoras não de dedos
nem de olhos
mas de sentimentos pétreos
ainda cegos para a essência
ainda néscios para a diversidade
ainda impuros e contaminados
– que esta fagulha acenda
as chamas internas de todos quanto
almejam exorcizar seus próprios demônios
e ainda desconhecem meios para tal façanha!
hoje não aceitarei barganhas
e farei de mim
meu mais precioso patrimônio…

⁠quanto custa ser mulher?
quanto custa viver no corpo-mulher
numa sociedade degradante dos direitos de apenas existir
mulher
numa balança que sempre despenca para o lado mais frágil
onde está a fragilidade?
o ser-mulher é criadora da vida
a gênese é dela
o útero é dela
o poder é dela
mas o medo é daqueles que a desejam subjugada
medo da potência-mulher
medo do fogo-mulher
medo da deusa-mulher
e, quando desperta do sono e dos pesadelos,
vê com clareza a certeza do tempo:
a mulher é o basilar elemento.

⁠quem enxerga o que vejo?
quem vê o que vivo?
quem percebe o desconcerto
e a sanha do malabarismo?
sou poeta e nada sou
nas mãos de uma gente cruel
desde o ventre me matou
a chance de ter um céu [e ver o céu!]
trapos
vestem meu corpo
tripas
mordem minha mente
tropas
prendem meus sonhos
sorvendo os seres doentes
visíveis apenas aos olhos
daqueles que ainda sentem
sem o torpor do egoísmo
sem a ponte do abismo
pelo olhar das nossas gentes…

⁠sem ar
sufoco em meio às tempestuosas guerras
sem ar
sufoco em meio às guerras cotidianas
sem comida no prato
sem rede nem cama
sem água de qualidade
sem tempo nem grana
imito a sobrevivência
enganos da aparência
em mim insistem
e
insistentes
persistem:
– grito!
sufoco com minha própria voz
– choro!
sufoco com minhas próprias lágrimas
– clamo!
sufoco com minha própria oração
sou despido
e despedido
do templo
da minha estranha
existência…
[ausência, decência, clemência, dormência]

⁠menina
mulher
pessoa que sou
humana
insana
gente do amor
cuida do brilho
pulsante em seus olhos
siga os trilhos
do destino feito
– ele mesmo
por seus sonhos
lembre-se da promessa
entre sussurros e cantos
seja sempre inteira
mesmo que ninguém contemple
você sabe
– sempre sabe
quando sua dança é aquela
que abraça su’alma
porque ela nunca mente

⁠coração esmigalhado
pelos lábios de quem diz amar
sonhos todos despedaçados
pelos braços de quem DEVIA cuidar
sou apenas um
mais um nesta multidão
de infames seres mal tratados
sem esperança
sequer uma ilusão
sou esquecido dos deuses
neste universo desfigurado
centro de todas as culpas
palco de todas as agruras
vítima de todas as dores
tudo
porque
nunca
fui
amado!

⁠estampa entre as folhas
o horizonte
e nele enxergo o vislumbre de tudo
o que poderíamos ser
e não somos
o que poderíamos ter
e não temos
o que poderíamos sonhar
e não sonhamos
entre a dor e o desespero
dos que gritam por clemência
e apenas recebem ausência
do inefável sentir
em seus braços vazios
encontram doloroso frio
e crenças de um possível
– porvir!

⁠in-sa-tis-feitos

Vestir-se com o ideal de si
A fantasia do seu próprio eu
Aflora narciso
Abaixa decência
-- a tal decadência
!
O máximo e o mal
O bom e o real
A vida
O caos
O filtro
A foto
A pose
O jeito
Janela
Quebrada
É boa a estrada
Pra quem é perfeito
!
Doce ilusão
Amarga verdade
A tal vaidade
Que enche o peito
!
Que golpe num ego
Tão frágil e ferido
Um pobre menino
Que busca respeito...
Mas ele, em seu leito,
Dormente
Insano
Um santo profano
!
Esquece o eleito...
Vive como a ilusão de si
Sem conhecer-se
Sem se amar
Sem merecer-se
Sem se encontrar...
Um dia, ele há de ser!
Um dia
!
ele acordará...
¿Será?

⁠dis-forme


falsa simetria
doses de agonia
ao olhar perplexo
da cidadania.

quem vive de versos
rotos de existir…
passa pelas ruas
esgotos do devir.

fala-se em direitos
falácias sem um jeito
próprio de servir.

os versos tão disformes
da minha boca escorrem
não têm pra onde ir…

⁠como pode uma alma ser tão triste, tão triste
a ponto de não conseguir nem mais sonhar?
– a tristeza profunda é isso:
nada de sonhos
nada de perspectivas
nada de ilusões as quais se agarrar...

⁠Quanto mais olho o céu, mais estrelas consigo enxergar.

⁠sonhos mal-ditos

se a fama dilacera
imagina a cama vazia!
se a lama entorpece
imagina a sanha luzidia!
se a gama impede
imagina a dama-fantasia!

dos pesadelos sedentos
a devorar meus olhos em noites quentes
o pior é o sonho
que nunca se realizou!

capataz do destino
um bandido ferino
de olhar tão amedrontado quanto o meu!

e ainda há tanta futilidade
a embaralhar os devaneios de uma alma
num corpo imperfeito...

há a sede!
há a fome!
há o sono!
há um desejo ardente pela vida!

e isso tudo me consome
como uma ferida purulenta
sem dó nem piedade
sem voz nem silêncio
sem clamor nem liberdade
sem tristeza nem alento!

oh, sonhos impuros!
que mal há em querer
aquilo que me falta?

se são partes da carne ou do espírito,
nunca consigo identificar!
são vermes corroendo
o melhor de um alguém que nunca fui...

mas poderia ter sido
nos sonhos mal-ditos
de outro ninguém...

⁠ponte-iro
entre passagens e paisagens
somos pontes uns para os outros
é como se eu carregasse segredos
de outro alguém
estou correndo para o nada
com medo
de ser descoberta
lendo as linhas secretas
que nunca escrevi…
um dia deixarei
todos sem resposta
um dia darei
meu último suspiro
pode ser hoje, pode ser agora…
enquanto isso
continuo entre passagens e paisagens
sendo ponte para quem
encontro no caminho…
cada centelha importa
e cada importância centelha
entre passagens e paisagens
somos pontes uns para os outros…

⁠O fogo crepita
Lascas do seu corpo
Fulguram entre as cinzas
Nos entendemos em meio às chamas
E esta cama
Já não tem sossego
Sem nós...

⁠é bom viver...
e é difícil!
a vida ou a morte?
o saber...

⁠O que será que se escreve
Quando os pensamentos já não são suficientes?

O que será que se pensa
Quando as palavras se fazem ausentes?

O que será que se sente
Quando a alma não está mais presente?

O que será? O que será?
O que será das verdades sem a gente?