Coleção pessoal de MuriloMelo

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Passou por mim na rua, me olhou fundo nos olhos, sorriu delicadamente e depois desviou os olhos. Deu uma coisa estranha aqui dentro. Acho que foi vontade de ter. Mas se foi.

Ela que se dizia esperta, cheia de planos e conceitos, na verdade sentia um vazio enorme dentro de si. Então se olhou no espelho e viu a criança boba com laço amarelo na cabeça que nada sabia da vida e tanto queria explorar. Ela era tão pura quanto os olhos amendoados. Olhou-se no espelho e enxergou exatamente o que queria ver: O começo. Ela queria ser aquela menina boba que desenhava balão no caderno da escola, que decalcava coração grande e o pintava de vermelho sem pensar nas cicatrizes.

Mas, em todos esses lugares você vai comigo. Você segura a minha mão na hora de atravessar a rua, eu vejo você deitar no meu colo quando eu menos espero. Você me olha triste quando eu encaro o relógio pela milésima vez. Sente orgulho de mim quando eu domino um assunto. Me admira quando eu solto uma gargalhada. Vira o rosto se alguém se interessa por mim. Você me espera na porta do carro. Come devagar só pra me fazer companhia. Você aparece quando eu acordo e me presenteia com um lindo e sincero sorriso. Aparece em todos os filmes de romance, em trechos de livros também. Eu até acho graça disso tudo, porque, virou normal essa coisa de passar a sentir a sua presença mesmo quando estou sozinho. Meu coração se acalma quando ouve a simples menção do seu nome e os medos evaporam quando lembro de que ainda te tenho em algum lugar em mim. Você não sabe, mas eu vejo você o tempo todo.

Quanto a mim, acho que estou feliz como nunca estive antes. Acordei muito bem hoje. Disposto, imune, irreconhecível. Tô muito solto. Tô muito foda. Nada mais atrapalha essa minha vontade de viver.

Preciso de alguém que me faça companhia no banco da praça ou no balcão gasto da cozinha para falarmos bobagens ensandecidas até o final do dia. Alguém que pouco se importe com meus deslizes e escute, engula e assimile todas as minhas verdades inventadas. Alguém que nem sequer tente solucionar o meu problema. Nunca pedi resolução de nada. Eu peço salvação, mas ninguém vem, ninguém ouve, ninguém acuda.

Tenho aprendido coisas magníficas. Hoje, por exemplo, aprendi que amanhã é outro dia.

E era quando estavam juntos que todos desconfiavam que aquilo era mais do que amizade. Todo mundo via uma química explícita e absurda naqueles dois. No toque, nos gostos, no abraço, no olhar. Os dois sabiam que era amor, mas cansaram fácil de tentar entender o motivo de não dar certo. Teve uma vez que, juntinhos e a sós, um deles fechou os olhos, para depois abri-los devagarzinho, na esperança que houvesse um beijo doce. Mas não tinha acontecido nada. Parecia que nunca iria acontecer. Alguém precisava urgentemente tomar atitude.

Eu sofro todos os dias pra tentar afogar as lembranças.

Às vezes eu penso que você deve ler as coisas que eu escrevo, ao lado de alguém, e deve ficar rindo da minha cara.

Depois apareceu dizendo que tinha arranjado um namorado novo, que estava cheio de planos, que nunca tinha sido feliz como agora. E eu pedia por dentro pra que esse não sofresse tanto quanto eu.

A mulher mais linda da cidade

Minha mãe não entende o porquê eu não mudo mesmo depois dela ter me dado tantas broncas, mesmo depois de ter crescido, mesmo depois de passar a bancar o garoto maduro. Não entende que, mesmo depois dos vinte, eu nunca vou conseguir tomar sorvete ou comer macarrão sem me lambuzar feito uma criança de quatro anos, e ela vai sempre como uma boba ter que tirar às pressas a mancha da camisa branca, porque eu sempre digo que aquela é a minha preferida. Não entende que eu nunca vou me acostumar em acordar cedo, que eu vou sempre estar atrasado, correndo, atropelando os horários das refeições. E vai passar a vida reclamando que eu como coxinha de padaria, e que logo pegarei uma fraqueza e vou parar num hospital. Acho que ela não vai entender que eu nunca vou aprender a colocar água na forminha de gelo sem derramar, nem conseguir soltar uma gargalhada um pouco mais baixa, seguindo os bons modos que ela sempre me ensinou. Ela vai continuar reclamando que eu meto a mão na panela, que eu abro o forno antes do bolo ficar pronto. Não entende que eu nunca vou conseguir deixar de bater o dedinho do pé na quina, muito menos parar de ralar meus joelhos. Que volta e meia vou aparecer com um corte, mas não vou conseguir explicar como foi. E ela vai sempre como uma boba, com a testa vincada, preocupada ao ver o ferimento. Ela nunca vai entender que, ainda que eu tenha crescido, eu nunca vou aprender a descascar laranja, como também nunca vou aprender a fazer um bom suco, arrumar as malas para uma viagem sem colocar todo o meu guarda roupa lá dentro. Nunca vou trocar as meias por vontade própria, nem parar de colocar besteira na lista de compras. Minha mãe nunca vai entender meu armário desarrumado, minha gritaria no chuveiro, minhas cenas no celular. Nem as batidas de porta pra chamar atenção. Não adianta, ela sempre vai achar que é imaturidade, que essas atitudes são coisas de filho que não cresceu, e ainda vai pedir a Deus que um dia eu aprenda. Minha mãe não sabe, mas eu tenho um medo absurdo de um dia deixar de ser filho.

Não cabe por dentro e transborda e chora e sara e ama e enlouquece.

Demorou, mas os ventos de maio chegaram. Espero que levem o que for contrário, desde sonhos quebrados até o que já se foi, mas insiste ficar. É preciso escancarar portas e janelas, reaprender a viver, a amar, a se doar com cuidado, com fé, sem angústia. É preciso aproveitar os ventos para se buscar, se renovar de alguma forma, ignorar quem não acrescenta. E, se não for pedir demais, é preciso comandar completamente a própria vida, começar esses dias se amando insaciavelmente.

Daí depois veio com aquele papo que eu apareci na hora errada, que eu era especial demais, que não queria me fazer sofrer. Mal sabia que eu já havia me entregado tanto, e que, a essa altura, não tinha mais volta.

Todo mundo pediu um novo amor, dinheiro e sucesso. Em maio, eu só queria coragem e sossego.

Faziam quase cinco meses, mas não esquecia ele. Não conseguia ir adiante.

Às vezes passa só um pouquinho. Mas aí volta mais pesada, dolorosa, sem dosagem. Nenhum ser humano é capaz de aguentar. É uma dor desocupada, amargurada, infeliz. Me mata todos os dias.

E para que não doesse demais, deixei que o tempo resolvesse por si só. Não fazia mais o mínimo esforço para dar certo.

Dia desses, desligou o celular, roeu as unhas e chorou no banho por causa de uma paixão quase boba.

Ainda sinto meus cílios dormentes, porque forço meus olhos, para que eu não adormeça, para não deixar de pensar em você.