Coleção pessoal de MelanieKwol

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Me espreguiço em minha cadeira e me preparo para atender a última ligação do dia. Quando o telefone toca, deixo-o tocar duas vezes antes de retirá-lo do gancho.
- Alô! Quem fala?
- Meu nome é Tony e eu te acho bonita.
Simples. Direto.
- Nunca me viu, Tony.
Ele sorri. O sorriso sai abafado, é quase bonitinho.
- Não preciso. Digo não aparência. Digo a alma. E você parece ter a alma bonita.
Tu tu tu. Caiu a ligação.

- Alô?
- Quem fala?
- Sou eu.
- Eu quem?
- O amor da sua vida.
Reviro os olhos.
- Comida não fala.
Desligou. Realmente comida não fala.

- Coração partido.
A garota choramingava. Eu estava sem paciência, minha cota de telefonemas no dia já tinham literalmente se esgotado.
- Use cola, se não servir apenas ache alguém que o cure.
Eu desliguei o telefone antes que a garota começasse à chorar mais.

Os gêmeos Gordon me ligaram, outra vez.
- É o Joe ou o Josh? - A voz me perguntou.
Apertei o telefone no ouvido, girando na cadeira.
- Josh? - Arrisquei.
A risada aguda ecoou do outro lado da linha.
- Tu ta ficando esperta, menina da rádio.
Silêncio.
- Me dá um conselho aí. O que não fazer num primeiro encontro? Meu irmão vai sair com uma mina hoje e eu também.
Peguei uma caneta mordendo a ponta dela.
- Para de ser o malandrão, sacou? E coloca essa merda no viva voz pro babaca do seu irmão ouvir.
Ouvi um "click" do outro lado.
- Sejam educados, e não sejam um completo babacas como sempre são. Não falem de futebol, as garotas vão querer assassinar vocês.
- Putz, acho que não vou mais não. Olha o tanto de coisa, velho.
Josh reclamou.
- Mas as mina são gostosas, mano. - A voz de Joe soou ao fundo.
Eu estava ficando impaciente.
- Não tratem as garotas como se fossem pedaço de carne, seus merdinhas. Estão ouvindo o que eu estou dizendo?
O telefone chiou um pouco, e parou.
- A gente entendeu.
Antes de eu apertar o botão de desligar, Josh interrompeu.
- Depois a gente te liga e avisa se seus conselhos serviram. - Ele abafou um riso.
- Vão servir se vocês praticarem.
- Se a gente não trocar as minas, né.
Eu parei.
- Espera! Elas também são gêmeas?
Eles desligaram.

— Minha mãe disse que a fada do dente não existe. E eu chorei e chorei.
Uma criança? Tinha um criança me ligando na rádio.
— Sua mãe sabe que está usando o telefone? — Perguntei.
— Ela está no banheiro, fazendo o número dois e chorando. Ela briga muito com o papai.
— Porque está me ligando?
— Eu já disse. — ele choramingou.
Fada do dente. Ok. Que merda eu sabia sobre fada do dente?
— Pequeno, acredita em papai noel?
Ele ficou em silêncio.
— E em coelhinho da páscoa?
— Acho que sim. — Ele respondeu.
— E no amor? — Perguntei.
— Amor? Mamãe acho que me ama mas acho que não ama o papai. Esse amor? Eu não sei.
Ele parecia em dúvida.
— Tem tanta certeza sobre coisas que não existem, mas o amor ele existe. Mas não podemos vê-lo e sim sentir.
— Ah não. — ele dava gritinhos. Afastei o fone do ouvido. — Papai noel e coelhinho da páscoa não existem? Não existe amor também. Não acredito.
Nem eu, eu quis dizer. Nem eu.

- O telefone está chiando.
Parei, impaciente. Era uma senhora, a voz estava fanha.
- Menina, preciso da sua ajuda. Ta me ouvindo? - Ela berrou.
- Estou ouvindo, senhora.
- Nem acredito que consegui te ligar, menina.
- Diga em que posso te ajudar.
O outro lado da linha silenciou. Ué, desligou?
- Minha neta está doente. Eu não sei o que fazer, médico nenhum resolve.
- E acha que vou resolver?
- Claro! Espera, espera. Deixa eu te dizer os sintomas.
Apertei o telefone nos ouvidos.
- Ela não come, e nem dorme. E fica só escutando uma tal de Sfit.
- Swift? - Interrompi.
- Foi o que eu disse. Minha neta só escuta essazinha, e ainda fica rindo à toa. Endoidou.
Comecei à gargalhar, suprimindo um soluço.
- É amor, senhora. É amor! Isso nem eu nem médico algum resolve.
- Lascou.
O telefone chiou e chiou, e a ligação caiu.

"A garota chorava ao telefone, por causa de homem. É mole? A garota dizia se chamar Lizza, o que achei que fosse mentira. Nem todos revelavam seu nome. Lizza, enquanto soluçava contava.
— Ele me traiu, com aquela vaca.
E eu refletia. Que vaca? Vaca melhor amiga, colega ou inimiga?
Lizza jorrava emoções engraçadas, por vezes tentei acalmá-la. Pobrezinha.
— Lizza, conte-me sua história.
E ela contou.
— Estavamos casados há três anos, e ele conheceu uma garota na academia. Foi embora com ela, sumiu. Lizza não chorava mais, sua voz de criancinha tinha sumido. Mulher, ela era uma mulher.
— Ele vai ter o que merece, Lizza. Passa um batom vermelho e vai beijar na boca.
Lizza riu e desligou. Acho que ela foi."

Dessa vez foi um tal de Roberto que ligou. Tinha a voz afeminada (não que eu tenha algo contra.)
— Em que eu posso te ajudar, Roberto?
Ao fundo, eu podia ouvir um forte batidão sertanejo.
— Sinto falta daquele canalha.
Voz afeminada. O que foi que eu disse?
— Vai ficar nessa foça até quando? Desliga a merda dessa música sertaneja, coloca uma eletrônica e vai dançar. Sabe dançar né, bem?
— S-s-sim. — Ele gaguejou.
— Ótimo. Achei que só sabia apanhar da bad.
O telefone ficou mudo.

"Eu amo coisas antigas. Desde filmes, à livros. Eu prefiro mil vezes filmes em preto e branco do que essas vergonhas de hoje em dia, do cinema. Eu não faço a linha romântica, mas alguns gestos aleatórios e nada forçado, costuma derreter esse meu coração, vez ou outra. Eu já me decepcionei muito com amizades, com amor, não muito. Isso não quer dizer que eu nunca tenha me apaixonado. Talvez já tenha. Mas nada que tenha feito eu tirar os pés do chão. Eu não sou muito de me abrir com as pessoas, por medo de incomodá-las mesmo. Eu prefiro escutar os problemas delas e aconselha-lás. Eu nunca sei lidar comigo.
Eu gosto de desenhos animados, e problema dessas pessoas que acham infantil demais. Eu gosto de música clássica, não que eu escute o tempo inteiro. Mas eu gosto.
Gosto de abraços, me sinto tão segura dentro de um.
Leio tão rápido quanto respiro, e se leio devagar, não entendo nada. Eu sou muito fria quando fico brava. Eu aprendi a perdoar, mas não a esquecer. Eu sou mulher, menina e aquelas crianças encrenqueiras em um corpo só.
Eu sou muito lerda, e não sei flertar ou seduzir. Eu sou patética quando se trata de dizer a alguém que gosto dela. Eu não sei fazer nada certo, e não consigo imaginar alguém pensando em mim. Sou pessimista e um pouco paranóica.
Gosto de conhecer pessoas, e ainda mais quando elas possuem os mesmos assuntos que eu. Eu sou tudo isso, e um pouco mais. Mas não me recomendaria para ninguém. Eu sou problema, meu bem."

Valentina

Como o sibilar de uma serpente
Subi lá em cima enfeitiçado
A moça sorriu para mim, com o seu vestido dourado

Comi muitos pratos de ilusão
Para as sombras me iluminar
Enquanto do topo do prédio
A garota pensava em se jogar

É um triste fato que me ocorreu
A ventania do vento, agitando os cabelos da moça.
Como um gato escala um telhado
Finquei nas paredes, minhas coxas.

Onde já se viu algo assim?
Quem te viu, quem te vê
Atrás de uma moça, que sibilou para você.

Quando cheguei ao topo
A fim de cessar aquela dor
Era tarde demais
A brisa matinal da manhã eclodia.
Doce Valentina!

Quando nascemos, queremos coisas de criança. Brincar, jogar bola, empinar pipa e desenhar. Quando alcançamos a bagunça que é a adolescência, choramos à toa, queremos beijar na boca, trocar confidências com os amigos e estarmos certos em tudo. Quando passamos dessa fase aborrecente, e nos transformamos em adultos (ou quase) deixamos tudo isso para trás. Vem a faculdade, o trabalho e mais algumas iguarias de responsabilidades, as coisas de crianças esquecidas, a adolescência soterrada. Vem a construção de uma família, os filhos e os netos. E a velhice? Ah, a velhice vem. Traz de volta a vontade de ser criança. Traz idas frequentes ao hospital, e a aproximação da família. Traz aquela nostalgia gostosa, aquela vontade de chupar um picolé, e se lambuzar sem medo de alguém estar olhando. Traz aquela frase à tona "Ah, na minha época..."

"Querido,

Encerro essas infinidades de cartas com você. Foi o último homem que passou pela minha vida, e sei que virão outros. Talvez diferente de todos, ou igual a você. Eu te odeio e eu te amo com a mesma intensidade. Essa sua coisa de dizer me amar, mas na verdade, precisar de mim quando não tem outra opção, me enlouquece. Eu queria sentar com você em uma sala de aula e lhe explicar o sentido da frase "Eu te amo" e o real significado de "Preciso de você", porque você é egoísta a ponto de não enxergar. Meu coração anda cansado, torturado pelos seus atos e suas palavras. Se quiser ir, vá. Mas não insiste em ficar, quando seu desejo é ir. Eu mal me aguento, quero inteiridade. Pessoas pela metade me incompletam. Me ame. Com garra, desejo e vontade. Mas não fica com essa negligência de precisar de mim. Minhas malas já estão na porta, me ame ou eu irei me amar, sem olhar para trás.

Com amor, Anônima."

"Querido,

Se você pudesse seguir uma outra carreira, além da que você escolheu, seria desmontador de corações. Desmontar você sabe, você só não sabe juntar os pedaços, nessa parte quem tem mestrado e doutorado sou eu.

Com amor, Anônima."

"Querido,

Se eu pudesse livrar todas as mulheres de você, eu livraria. Você é o mestre em simetria perfeita, sabe escutar e dar o espaço que uma mulher merece. Aceitou meu caos de bom grado, e ainda me levou pra conhecer sua família. Mas eu, nunca fui o suficiente. Meu amor própio é muito, mas nem tanto. Antes que gerasse um pedido de casamento eu usei as palavras que mais dariam sentido "o problema sou eu, e não você." Fui embora com uma dor no coração, e com um cíumes horrendo da mulher que teria você ao lado todos os dias. Me desculpa, eu nunca gostei de me prender a nada. Sou mulher de imensidões, jamais de gaiolas.

Com amor, Anônima."

"Querido,

Você é o sexto homem que passou pela minha vida. Depois de você vieram mais alguns cafajestes, porque eu, teimosa como sou, continuei insistindo no amor. Você de alguma forma não marcou só minha vida. Mas meu coração. Fez eu esperar por você sentada e olhava com aqueles olhos castanhos que me conheciam tão bem e que imploravam para eu te esperar. Passei horas ao lado do telefone esperando você ligar. Sim, fui idiota a esse ponto. E aposto que você estava em alguma festinha, iludindo mais uma. Tentei em vão insistir em um amor que só eu sentia. Mas estapeei meu rosto e disse para mim mesma: Vá viver, mulher. E eu fui.

Com amor, Anônima."

"Querido,

Sua carta provavelmente será a menor. Quero que saiba que estava tão obcecada com o fato de estar distante de você, que deletei seu número para não te mandar mensagens, apesar de deletar do meu celular, você foi aquele filho de mãe que ficou algum tempo presente em meu coração, até que eu dei de ombros e abracei minha vergonha na cara.

Com amor, Anônima."

"Querido,

O amor que senti por você foi aquele de sentir dores musculares e ânsias de vômito. Borboletas no estômago e uma agonia insana. Eu me tornei patética, e te amei mais que a mim. Você era um poço de problemas, e eu tomei todos eles para mim só para te ver bem. Persisti, insisti e você virou as costas e foi em busca de quem nem ao menos sabia que sua comida favorita era lasanha. Larguei de mim, e me finquei em você. Tive que ficar no escuro pra perceber que a luz que eu via em você, eu já tinha.

Com amor, Anônima."

"Querido,

A sua carta talvez seja a mais melancolica. Você foi um daqueles amores inesquecíveis. Nunca esqueci como e quando trocamos número de telefone. Ambos tímidos e com certa insegurança do que viria depois. Mas o depois veio, nos trouxe momentos duradouros e decepções e sofrimento que em vão tentei deixar no passado mas que ainda carrego no peito. Suas lembranças estão comigo, presas em fotografias. Com você, pude ser eu sem medo de parecer rídicula. Aceitamos os defeitos um do outro e o fato de sermos orgulhosos, e estamos seguindo em frente e aceitando ambos nossas decisões. Eu te compreendo, espero que me compreenda também, por ter esmorecido e estar enterrando o passado, com essa carta que nunca será lida por você.

Com amor, Anônima."

"Querido,
Claro que eu escreveria una carta para você. Você, eu acreditei que casaria. Lembro que você segurou meu cabelo enquanto eu vomitava, e de tão bebâda que eu estava troquei seu nome e te chamei pelo nome do meu ex-namorado. Eu sou o desastre em pessoa, e mesmo assim você quis esse caos ambulante que sou. Te peço desculpa por descobrir que eu não era quem você precisava. Descobri que você casou, e já é pai. Eu não estava pronta para algo tão grande assim, e você diferente de muitos, entendeu que eu gosto mesmo é de ser livre.

Com amor, Anônima.

Querido,

Essa é especialmente para você. Escrevo aqui esta carta que nunca será entregue, e que em vão eu insisto em escrever. Eu quero que saiba que odiava quando você se deitava ao meu lado e roçava sua barba por fazer em meu rosto. Mas de certo modo, quando eu te conheci adorava isso. Achava que você era o homem dos meus sonhos, mas me enganei. Que clichê. Me enganei com você, como me enganei com todos os outros que passaram pela minha vida.

Com amor, Anônima.