Coleção pessoal de meiremoreira

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Eu não gosto de você, Papai Noel!
Também não gosto desse seu papel
de vender ilusões à burguesia.
Se os garotos humildes da cidade
soubessem do seu ódio à humildade,
jogavam pedra nessa fantasia.

Você talvez nem se recorde mais.
Cresci depressa, me tornei rapaz,
sem esquecer, no entanto, o que passou.
Fiz-lhe um bilhete, pedindo um presente
e a noite inteira eu esperei, contente.
Chegou o sol e você não chegou.

Dias depois, meu pobre pai, cansado,
trouxe um trenzinho feio, empoeirado,
que me entregou com certa excitação.
Fechou os olhos e balbuciou:
“É pra você, Papai Noel mandou”.
E se esquivou, contendo a emoção.

Alegre e inocente nesse caso,
eu pensei que meu bilhete com atraso,
chegara às suas mãos, no fim do mês.
Limpei o trem, dei corda,
ele partiu dando muitas voltas,
meu pai me sorriu e me abraçou pela última vez.

O resto eu só pude compreender quando cresci
e comecei a ver todas as coisas com realidade.
Meu pai chegou um dia e disse, a seco:
“Onde é que está aquele seu brinquedo?
Eu vou trocar por outro, na cidade”.

Dei-lhe o trenzinho, quase a soluçar
e como quem não quer abandonar
um mimo que nos deu, quem nos quer bem,
disse medroso: “O senhor vai trocar ele?
Eu não quero outro brinquedo, eu quero aquele.
E por favor, não vá levar meu trem”.

Meu pai calou-se e pelo rosto veio
descendo um pranto que, eu ainda creio,
tanto e tão santo, só Jesus chorou!
Bateu a porta com muito ruído,
mamãe gritou ele não deu ouvidos,
saiu correndo e nunca mais voltou.

Você, Papai Noel, me transformou num homem
que a infância arruinou, sem pai e sem brinquedos.
Afinal, dos seus presentes, não há um que sobre
para a riqueza do menino pobre
que sonha o ano inteiro com o Natal.

Meu pobre pai doente, mal vestido,
para não me ver assim desiludido,
comprou por qualquer preço uma ilusão,
e num gesto nobre, humano e decisivo,
foi longe pra trazer-me um lenitivo,
roubando o trem do filho do patrão.

Pensei que viajara,
no entanto depois de grande,
minha mãe, em prantos,
contou-me que fôra preso
e como réu, ninguém a absolvê-lo se atrevia.
Foi definhando, até que Deus, um dia,
entrou na cela e o libertou pro céu.

⁠Enquanto vivemos
Escolhemos como vamos morrer.
Pense nisso.

⁠Eu não acredito muito em declarações de amor nas redes sociais. Da mesma forma que não acredito em fotos românticas de casais se olhando porque muitas vezes isso não corresponde à realidade.
Amar é muito mais preparar uma refeição com amor para as pessoas que você gosta. Dizer alguma coisa motivadora quando você percebe que ela precisa. É cuidar dela quando ela está precisando ou mesmo quando não está merecendo. É preparar um chá, é fazer uma massagem nas costas, e lembrar de pegar suas meias para que a pessoa durma mais aconchegante.
Por isso concentre-se sempre nas ações das pessoas e não nas palavras. Porque as pessoas podem falar o que quiserem. E somente elas saberão o que há dentro de seus corações.
Amor, generosidade, bondade e empatia são coisas que não aparecem na foto.

Eu queria dizer que o dinheiro não compra a felicidade a dignidade o amor e o respeito.
Eu queria dizer que o dinheiro não paga a lágrima derramada a palavra mal colocada e a gentileza desperdiçada.
Eu queria dizer que o dia passou o tempo correu a lágrima rolou e o canto silenciou
Esse dia não volta mais
Esse dia passou
Não dá para ser o que não foi
Não dá para refazer o que está feito
Parabéns para mim
Nesta data sofrida
Muita infelicidade
Muita ausência sentida.

⁠Faça sempre o que esperam de você
Coma toda a comida
Raspe o prato
Passe a roupa
Volte cedo
Penteie o cabelo, a barba, o bigode
Faça natação, equitação, judô
Termine a lição
Fale pouco
Sente-se direito
Atravesse na faixa
Beba oca ola
Faça algo memorável
Tenha filhos
Respire fundo
Respeite as regras, as leis, os dogmas
Silencie
Pare de respirar
Deite enfim
Porque morto
Você já está.

Meire Moreira

⁠Eu escolho

Eu escolho o sol a luz o vento a flor a brisa a água a manhã o cabelo embaraçado a pele queimada de sol o céu estendido como um tapete cheio de glitter a roupa amassada a unha por fazer a cara amarrotada de uma noite mal dormida dentro de uma barraca eu escolho a simplicidade a beleza gentilmente dizer não gentilmente dizer sim e gentilmente viver dentro daquilo que eu acredito porque eu só posso ser a pessoa que sou ter a alma que tenho e acreditar nas coisas que acredito.

Meire Moreira

⁠Nós mudamos todos os dias. E queremos usar a mesma roupa velha dos velhos costumes num corpo e consciência que se renovam. Não cabemos mais. E vivemos apertados, espremidos, desalojados de nós.

⁠ Quando meu filho sai de viagem pelo mundo buscando aventuras, coisas e sentimentos
Quando meu filho sai pelo mundo com destino definido ou sem destino nenhum
Quando meu filho cheio de coragem e às vezes cheio de medo enfrenta a doçura e amargor de tudo ao seu redor
Quando meu filho montado em seu cavalo de ferro atravessa as fronteiras dos lugares e das barreiras impostas por um mundo demarcado pelo receio, pela angústia e pela incerteza
Meu filho ao sabor do vento morde o mundo como uma maçã
Observa o nascer do sol e depois o ocaso
Se deita em camas desconhecidas e faz sua refeição ao lado de estranhos
Quando meu filho vestido na sua roupa preta de super-herói
Me enche de pavores e de temores e calafrios
Sacode o meu coração e me faz lembrar que viver é a soma de todas as coisas possíveis e impossíveis
Quando ele me lembra que a vida precisa ser domada domesticada adestrada
Mas acima de tudo desfrutada
É quando ele me ensina a mais preciosa das lições entre mãe e filho:
Ele pertence a si mesmo e não a mim
Que ele sempre terá um lar para voltar mas isso não significa que ele precise ficar
Que amar acima de tudo é alegremente balançar entre o abismo e a firmeza do chão.

Meire Moreira

Não me submeto à sua poesia
Não
Ela não me toca
Não me atinge
Não conversa comigo
Suas palavras andam de um lado para o outro
Afundam e emergem
Rasgam as vestes em praça pública
Mas nada...
Nada acontece
Eu sigo
Domei suas mentiras
Assinei um contrato de sanidade comigo
Seus gafanhotos não devoram mais
A minha plantação
Nem sua estiagem compromete minha colheita
Não olhe mais para mim como se eu fosse
Um boneco de argila que você vai moldando
Me poupe de te odiar
Me deixe seguir em paz e sem arrependimentos
Não somos mais um do outro
Nunca fomos
Pare de espalhar cacos de vidro onde eu posso passar
Me deixe respirar sem esbarrar em você
Me deixe ser quem eu era
Quem eu fui
Quem ainda posso ser
Saia de mim sem ser expulso.

⁠Observe as casas...São para os móveis e não para as pessoas. Observe os passeios...são para esnobar os outros, não para a diversão pura e simples.
Observe as roupas...deveriam ser para aquecer, proteger e vestir. Ponto. Mas são para vender uma imagem que sozinhos, só com nossos sorrisos e atitudes não conseguimos alcançar.

O mundo não é um mar de rosas; é um lugar sujo, um lugar cruel, que não quer saber o quanto você é durão. Vai botar você de joelhos e você vai ficar de joelhos para sempre se você deixar. Você, eu, ninguém vai bater tão forte como a vida, mas não se trata de bater forte. Se trata de quanto você aguenta apanhar e seguir em frente, o quanto você é capaz de aguentar e continuar tentando. É assim que se consegue vencer.

Agora se você sabe do teu valor, então vá atrás do que você merece, mas tem que estar preparado para apanhar. E nada de apontar dedos, dizer que você não consegue por causa dele ou dela, ou de quem quer que seja. Só covardes fazem isso e você não é covarde, você é melhor que isso.

(Discurso do filme Rocky Balboa para o seu filho)

Coisa amar

Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente.

Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.

Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como doí
desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.

E esse vazio que nem você nem ninguém preenche nunca que você troca de roupa que você troca de casa que você troca de rosto e tudo continua do mesmo jeito
Esse vazio que você troca de parceiro que você troca o cigarro o isqueiro mas a fumaça e a neblina é sempre igual
E esse vazio que você enche a casa de móvel que você enche a estante de livro que você compra tanta bobagem mas nunca aprende e repete a mesma Velha História ⁠
E esse vazio que você olha para o espelho procurando um rosto conhecido mas na sua frente só vê um estranho

⁠Hoje você é um corpo com consciência.
Quando você morrer será apenas consciência.
Lembre-se disso.

Tira tudo pra lavar
Lava a alma
O pó das coisas velhas
As emoções estagnadas que já não somam nada
Tira tudo
Esvazia
Abre as mãos O coração Os olhos
Enxerga a tua essência e o teu lugar no mundo
Nem todos ficarão
Nem tudo será boa lembrança
Mas o teu eu se manterá intacto
Incólume
Tranquilo
Irrepreensível...

Diante de tudo apenas sê!

Meire Moreira

não sei sentir pouco, sinto muito.

Que maravilha poder fazer somente aquilo que nos faz bem e que de alguma maneira nos traga conforto, segurança e tranquilidade. Abandonar velhos hábitos, deixando de lado a necessidade de impressionar ou satisfazer quem quer que seja se não a nós mesmos... Acredito que a beleza de viver está em merecer a plenitude de ser dono da própria vida, cumprindo as obrigações necessárias mas sem nunca esquecer que a maior de todas as obrigações é estar em paz consigo mesmo. Desfrutar da própria companhia, ver beleza no silêncio e entender que o equilíbrio do universo depende muito do cuidado que temos com o nosso eu interior.
Hoje elegantemente abro mão de todo e qualquer evento ou compromisso que não esteja em comunhão com o meu pensamento e com a minha maneira de viver. Descobrir isso foi para mim a coisa mais importante que já me aconteceu: não sou mais escrava das coisas que digo, me permito mudar de opinião no minuto seguinte, não sou escrava mais das coisas que assumo, porque também posso me desvencilhar delas sem nenhuma culpa... Não se trata de irresponsabilidade ou fraqueza de caráter. Nada disso. Trata-se apenas viver a vida com leveza. Acredito que nascemos assim mas à medida que envelhecemos, nos tornamos rígidos e enclausurados para nos sermos aceitos e fazer parte de uma sociedade doente que sucumbe as próprias regras. Não somos nem a metade do que éramos quando crianças pois envelhecer significa não só perder a pele e os cabelos e o tônus muscular. Envelhecer para a humanidade significa endurecer, transformar-se em qualquer coisa que não seja alegre.

Meire Moreira

Eu fui ver uma exposição de dinossauros e uma coisa me deixou intrigada: os detalhes quanto aos sons emitidos, as cores vivas escolhidas para cada espécie, alguns caroços, escamas e espinhos pelos corpos, além de outras características que seriam quase impossíveis de terem sido preservadas por milhões de anos. Claro que alguns detalhes têm base científica. Estudos traçam o perfil físico e comportamental de qualquer espécie.
Pois bem: imagino num futuro distante, depois que a mazelenta raça humana tiver se auto extinguido, alguma outra raça anos-luz mais evoluída que a nossa, aqui chegando vai encontrar, entre todos os nossos brilhantes inventos e toda a parafernália inútil que produzimos a fim de tornar nossas vidas mais fácil e preguiçosa, um que deverá chamar a atenção mais que todas as outras: Uma lustrosa tampa de privada.
Eu já os imagino, dando ao tão sublime apetrecho a atribuição de coroa. Certamente vão achar que seres tão cabeçudos usavam a tampa para ornar a cabeça. E a bem posicionada abertura, um artifício para permitir que a dita cuja seja tocada por seus súditos.
Essa imagem tem razão de ser: Os seres humanos têm mesmo merda na cabeça.

“As pessoas têm dificuldade de abandonar seus sofrimentos. Por medo do desconhecido, elas preferem sofrer com o que é familiar”

Sou de casa.
Ela é da rua.
Sou dos livros.
Ela dos amigos.
Sou da cozinha com café quentinho.
Ela é da sala, som e copo na mão.
Sou do inverno, roupa quente e vidraça molhada.
Ela é sol, praia e poucas roupas.
Sou do seguro.
Ela é da aventura.
Eu sou dúvida, questiono.
Ela é certeza.
Sou do simples.
Ela é do diferente.
Sou da semana.
Ela é da sexta ao domingo.
Sou do canto, do discreto.
Ela é do centro.
Eu e ela, a prova que o amor adora aprontar e juntar o que não tem nada a ver.