Coleção pessoal de mauraprada

1 - 20 do total de 293 pensamentos na coleção de mauraprada

Fiquei. Você sabe que eu fiquei. E que ficaria até o fim, até o fundo...

Planetas

Ela não sabia amar, só sabia que queria. Acho que é porque quando a
gente ama de verdade, nunca tem certeza, apenas desconfia (mesmo que no
fundo tenha certeza). Ter certeza que amamos alguém quando se é jovem,
exige responsabilidade demais (tanto para quem ama, quanto para quem é
amado), mas amor, amor é quase sempre irresponsável.
Um dia, olhando fundo nos próprios olhos, ela conseguiu ver todas as
cores bem de perto. Seus olhos pareciam um pedaço de terra. Eram a
superfície de um novo planeta. Foi quando ela percebeu que todo mundo
carrega um planeta nos olhos e que cada um sabe o que vê do seu
planeta. E só cada um sabe o que vê do seu planeta. De vez em quando,
quando ninguém está vendo nem Deus está ouvindo, os planetas choram
sozinhos (é quando eles mais se parecem).
O planeta dela tinha uma vista linda, mas quase sempre confusa demais.
De qualquer forma, era lindo. Do planeta dela, as cores no céu eram sempre
vivas, e a música sempre alta. O resto do mundo dançava, mesmo sem
perceber, o resto do mundo dançava. Chegava a doer de tão bonito. Mas nem
tudo era tão bom assim... Quando ninguém estava vendo, nem Deus ouvia, seu
planeta congelava. Não tinha mais cor, nem som, nem gosto. Só o planeta
congelado e uma saudade enorme de um lugar que não existia. Você já sentiu
saudade de um lugar que não existe? De um
abraço que não recebeu? De uma música que nunca ouviu? Ela sim. Ela sempre
sentia.
Até que um dia, como nunca se espera, ele surgiu de longe, estranho,
fora de contexto. Carregava nos olhos um planeta que ela não entendia, mas
que de certa forma matava um pouco da saudade que ela sentia
daquele lugar que nunca tinha ido. Deve ser por isso que ela quase sempre
o procurava. Depois que um planeta descobre outro, nunca mais é a mesma
coisa. Dá vontade de saber como é a vista daquele novo lugar. Dá vontade
de ser a melhor vista daquele lugar. Mas no caso dela,
talvez fosse só saudade.
Ele dizia coisas que faziam ela rir. Ou não dizia nada, mas sem ter o
que dizer, ela também ria. Ela sempre ria dele. Ele a incomodava de um
jeito estranho (de um jeito quase bom). Na hora de ir embora dava
sempre uma tristeza, porque os dois sabiam que no fundo eram apenas dois
planetas diferentes. Da última vez que ela foi embora, a
tristeza foi maior do que de costume. Talvez ela não volte mais tarde.
Antes de ir ela sentiu medo, um nó, que de tanto espremer o coração fez
molhar aquilo, que bem de perto parecia um pedaço de terra(parecia outro
planeta), mas na verdade eram apenas dois olhos. Ela queria dizer que ao
encontrar ele teve a sensação de matar a saudade de um lugar desconhecido
(mas que mesmo antes de se conhecer, já se sentia falta). Ela nunca vai
conhecer bem esse lugar, mas vai continuar sentindo saudade dele.
Ela não sabia amar, só sabia que queria. Acho que é porque quando a
gente ama de verdade, nunca tem certeza, apenas desconfia (mesmo que no
fundo tenha certeza). Foi quando ela percebeu que todo mundo carrega um
planeta nos olhos e que cada um sabe o que vê do seu planeta. E só cada um
sabe o que vê do seu planeta. O planeta dela tinha uma vista linda: as
cores no céu eram sempre vivas, e a música sempre alta. O resto do mundo
dançava, mesmo sem perceber, o resto do mundo dançava...

A vida é sempre uma história mal terminada, porque ela nunca termina até
terminar...

Te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a gente teve um dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em tudo outra vez.

Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra.

Então me vens e me chega e me invades e me tomas e me pedes e me perdes e te derramas sobre mim com teus olhos sempre fugitivos e abres a boca para libertar novas histórias e outra vez me completo assim, sem urgências, e me concentro inteiro nas coisas que me contas, e assim calado, e assim submisso, te mastigo dentro de mim enquanto me apunhalas com lenta delicadeza deixando claro em cada promessa que jamais será cumprida, que nada devo esperar além dessa máscara colorida, que me queres assim porque assim que és...

Não te quero senão porque te quero,
e de querer-te a não querer-te chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.

Quero-te só porque a ti te quero.
Odeio-te sem fim e odiando te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te como um cego.

Talvez consumirá a luz de Janeiro,
seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,

Nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor, a sangue e fogo.

As coisas pedem espaço
Pedem silencio
E isso é
Tanto, eu sei
Mas peço que
Não estejas sempre aqui
O tempo todo é
Todo o tempo
E eu preciso
De um pedaço
Dele

não vou envelhecer, e se um dia o fizer, não vai ser quando disserem que agora tenho de ser velho porque é assim que tem que ser. nada tem que ser. não vou às ruas manifestar. eu vou festar e é este o meu manifesto. não voto ao escândalo. fico longe dos olhares de porteiros e câmeras de corredores. eu quero é não ser visto. mas quando for e se for. eu quero é botar o rock na vida. street fighting man. eu quero é a liberdade e que ela sim ninguém me tire. e deixe que digam que pensem que falem.

mas estou ja distante
como se fica na
hora de ir
distante como se
já tivesse ido
e ainda mais do que
isso
muito mais
tao distante como
não deveria
ainda estar

junho 2014

Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.

Havia, em algum lugar, um parque cheio de pinheiros e tílias, e uma velha casa que eu amava. Pouco importava que ela estivesse distante ou próxima, que não pudesse cercar de calor o meu corpo, nem me abrigar; reduzida apenas a um sonho, bastava que ela existisse para que a minha noite fosse cheia de sua presença. Eu não era mais um corpo de homem perdido no areal. Eu me orientava. Era o menino daquela casa, cheio da lembrança de seus perfumes, cheio da fragrância dos seus vestíbulos, cheio das vozes que a haviam animado.

Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem – pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela – apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. Seu focinho é úmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome. Ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente que um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e vai. Aviso também que não se deve temer o seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou de cólera, a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez.

Amar é mudar a alma de casa.

Sou livre para o silêncio das formas e das cores.

Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas. E me encantei.

Canção De Nós Dois

Tudo quanto na vida eu tiver,
Tudo quanto de bom eu fizer,
Será de nós dois,
Será de nós dois.

Uma casa num alto qualquer,
Com um jardim e um pomar se couber,
Será de nós dois,
Será de nós dois.

E depois, quando a gente quiser,
Passear, ir pra onde entender,
Não importa onde a gente estiver,
Estaremos a sós.

E depois quando a gente voltar,
O menino que a gente encontrar,
Será de nós dois,
Será de nós dois.

E de noite quando ele dormir,
O silêncio do tempo a fugir,
Será de nós dois,
Será de nós dois.

E por fim, quando quando o tempo fugir,
E a saudade nos der de nós dois,
E a vontade vier de dormir,
Sem ter mais depois.

Dormiremos sem medo nenhum,
Pois aonde puder dormir um,
Podem dormir dois,
Podem dormir dois,
Podem dormir dois.

Dialética

É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz

Mas acontece que eu sou triste...

Eu não existo sem você

Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso, meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos
Me encaminham pra você

Assim como o oceano
Só é belo com luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só é grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
Eu não existo sem você

Tomara
Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho

Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz

E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais...

Tem mais presença em mim, o que me falta.

Um Poema de Amor

Todas as mulheres
todos os beijos as
diferentes formas que amam e
falam e carecem.

suas orelhas todas elas têm
orelhas e
gargantas e vestidos
e sapatos e
automóveis e ex-
maridos.

na maioria das vezes
as mulheres são muito
quentes elas me lembram
torrada com a manteiga
derretida
nela.

está estampado no
olhar: elas foram
tomadas elas foram
enganadas. eu nunca sei o que
fazer por
elas.

sou
um bom cozinheiro um bom
ouvinte
mas nunca aprendi a
dançar — eu estava ocupado
com coisas maiores.

mas eu apreciei suas variadas
camas
fumando cigarros
olhando para o
teto. não fui nocivo nem
desleal. apenas
um aprendiz.

eu sei que todas têm
pés e descalças elas andam pelo piso enquanto
eu olho suas modestas bundas no
escuro. sei que gostam de mim, algumas até
me amam
mas eu amo muito
poucas.

algumas me dão laranjas e vitaminas;
outras falam mansamente da
infância e pais e
paisagens; algumas são quase
loucas mas nenhuma delas deixa de fazer
sentido; algumas amam
bem, outras nem
tanto; as melhores no sexo nem sempre são as
melhores em outras
coisas; cada uma tem seus limites como eu tenho
limites e nós aprendemos
cada qual
rapidamente.

todas as mulheres todas as
mulheres todos os
quartos
os tapetes as
fotos as
cortinas, é
algo como uma igreja
raramente se ouve
uma risada.

essas orelhas esses
braços esses
cotovelos esses olhos
olhando, o afeto
e a carência eu tenho
agüentado eu tenho
agüentado.