Coleção pessoal de mauraprada

61 - 80 do total de 293 pensamentos na coleção de mauraprada

Mas tudo veio em sua hora... Tudo vem na hora certa pra quem sabe esperar...

Passei pelo menos trinta minutos de humor massacrante. E, depois, de repente pensei: mas por que é que eu queria tanto que ela a agarrasse? Por que é que dói tanto quando o movimento não é sincronizado? Não é muito difícil adivinhar: todas essas coisas que passam, que deixamos de ter por um triz e que são perdidas para eternidade... Todas essas palavras que deveríamos ter dito, esses gestos que deveríamos ter feito, esses kairós fulgurantes que um dia seguiram, que não soubemos aproveitar e se afundaram para sempre no nada... O fracasso por um triz... Mas foi sobretudo outra idéia que me veio à cabeça, por causa dos "neurônios-espelhos". Uma idéia perturbadora, aliás, e talvez vagamente proustiana (o que me irrita). E se a literatura fosse uma televisão que nos mostra tudo aquilo em que fracassamos?
Bye-bye movimento do mundo! Poderia ter sido a perfeição, e é o desastre. Deveria ser algo que vivêssemos de fato, mas é sempre uma fruição por procuração.
E aí pergunto a vocês: por que ficar nesse mundo?

A verdadeira novidade é aquilo que não envelhece, apesar do tempo. (setsuko no filme As irmãs munakata)

(...) Então, bebamos uma xícara de chá. Faz-se o silêncio, ouve-se o vento que sopra lá fora, as folhas de outono sussurram e voam, o gato dorme sob uma luz quente. E em cada gole, se sublima o tempo.

Esses instantes em que se revela a trama da nossa existência, pela força de um ritual que reconduziremos com mais prazer ainda por tê-lo infringido, são parênteses mágicos que deixam o coração à beira da alma, porque, fugaz mas intensamente, um pouco de eternidade veio de repente fecundar o tempo. Lá fora o mundo ruge ou dorme, as guerras se inflamam, os homens vivem e morrem, as nações perecem, outras surgem e em breve serão tragadas, e em todo esse barulho e todo esse furor, nessas erupções e nessas ressacas - enquanto o mundo vai, se inflama se dilacera e renasce -, agita-se a vida humana.
Então, bebamos uma xícara de chá.

Embora eu nunca tivesse conseguido aprender como se vive aos sábados, se é que existe uma maneira específica de atravessá-los.

"Eu só desejava uma coisa: que me dexassem em paz, que não exigissem muito de mim ..."

Vou me acrescentando em folhas.

O outro lado de mim me chama. Os passos que eu ouço são meus

O que eu te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa. Capta essa coisa que me escapa e no entanto vivo dela e estou à tona de brilhante escuridão.

Não quero perguntar por quê, pode-se perguntar sempre por que e sempre continuar sem resposta: será que consigo me entregar ao expectante silêncio que se segue a uma pergunta sem resposta? Embora adivinhe que em algum lugar ou em algum tempo existe a grande resposta para mim.

Mas estou tentando escrever-te com o corpo todo, enviando uma seta que se finca no ponto tenro e nevrálgico da palavra. (Água Viva)

Hoje acabei a tela de que te falei: linhas redondas que se interpenetram em traços finos e negros, e tu, que tens o hábito de querer saber por quê – e porque não me interessa, a causa é matéria de passado – perguntarás por que os traços negros e finos? é por causa do mesmo segredo que me faz escrever agora como se fosse a ti, escrevo redondo, enovelado e tépido, mas às vezes frígido como os instantes frescos, água do riacho que treme sempre por si mesma.

Escrevo-te toda inteira e sinto um sabor em ser e o sabor-a-ti é abstrato como o instante. é também com o corpo todo que pinto os meus quadros e na tela fixo o incorpóreo, eu corpo a corpo comigo mesma. Não se compreende música: ouve-se. Ouve-me então com teu corpo inteiro. Quando vieres a me ler
perguntarás por que não me restrinjo à pintura e às minhas exposições, já que escrevo tosco e sem ordem. É que agora sinto necessidade de palavras – e é novo para mim o que escrevo porque minha verdadeira palavra foi até agora intocada. A palavra é a minha quarta dimensão.

Rapaz: Olhe
Dorothy: O que há para olhar?
Rapaz: Essas pequenas partículas de pó no raio de sol de abril que passa por essa janela.
Dorothy: O que tem?
Rapaz: Pense um pouco. Você poderia ter sido uma dessas partículas ao invés de ser quem é. Podia ter sido qualquer uma dessas infinitas partículas de matéria muda, inconsciente. Incapaz de fazer, pensar, sentir nada absolutamente! Mas no lugar disso, minha querida amiga, em virtude do mais raro e mais improvável dos azares, resulta que você é o que é. A senhorita Dorothy Simple, de Boston! Bonita, humana, viva. Vapaz de pensar, sentir e trabalhar! Aqui vem a parte fundamentar de minha pergunta. O que vai fazer senhorita Simple?

Jenny: If you never do anything, you never become anyone.

o conhecimento de si só se dá em confronto com o mundo e ele é quem molda até aqueles nossos valores mais irredutíveis. Somos todos forjados conforme aqueles retratos feitos em câmara obscura, que se completam unicamente com a captação da luz exterior.

Era numa casa grande. O arvoredo que a cercava amanhecia sempre cheio de cantos de pássaros. O mundo não terminava ali no fim daquela rua quieta, que tinha um cego que tocava concertina, um cachorro sem dono que se refestelava ao sol, um português que pelas tardinhas se sentava à frente de sua casa e desejava boa tarde a toda gente. Não. O mundo ia além. Além dos horizontes havia mais terras, e campos, e montanhas, e cidades, e rios e mares sem fim. Dava na gente vontade de correr o mundo.andar nos trens que atravessam as terras, nos vapores que cortam os mares. Andar... Nos olhos do menino havia uma saudade impossível, a saudade de uma terra nunca vista. Um dia - quem sabe? -, um dia um vento bom ou mau passa e leva a gente. Um dia...

(...)Um dia veio um vento - bom ou mau? - e levou para longe o menino que queria viajar. Ficou para trás a cidade pequenina com todas as suas coisas bonitas e queridas."

Só agora Amaro percebe que nem tocou nos talheres. Balbucia desculpas.
Estava esquecido até do almoço. Sempre o velho vício. Sonhando, devanenado, enquanto os outros conversam, gesticulam, vivem de verdade. É por isso que não há de passar nunca de simples funcionário de banco. A música não lhe dá dinheiro.
(...) E assim vivia ele dentro do sonho, alheio ao mundo objetivo. Perdia aquilo que os homens práticos chamam oportunidade. Cumpria o seu destino obscuro, de contemplativo."

O olhar morto passeia em torno, vê as imagens familiares: a cama desfeita, os livros da noite, empilhados sobre o mármore da mesinha-de-cabeceira, a escrivaninha com papéis em desordem; nas paredes brancas, a máscara mortuária de Beethoven e o espelho oval por cima da pia, o espelho que rebrilha, refletindo na superfície lisa o semblante dum homem triste...