Coleção pessoal de AmandaSeguezzi

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O amor está entre um “sim” e um “com certeza”, nunca é um “talvez”, até porque não se ama pela metade, não se sente quarenta por cento de amor ou essas coisas, por exemplo. Amor é ajustar-se. Se acomodar no tempo do outro, harmonizar os passos, conciliar as respirações. Amor é um clichê multicolorido, o mais belo, quem sabe. Amor é, entre todas as coisas, saber ser simples pelo outro, se apaixonar pelo compreensível, malícia recatada. Amor não é escolha, é convicção. Amor é esquecer os medos, desafinar num riso alto, amor é correr na veia do outro, sentir o pulsar do outro e mesmo assim, costurado a outro corpo, soldado em outra alma, estar confortável como se fosse apenas outro lar. Amor é acertar de primeira e nunca, jamais barganhar, porque o amor é trapaça, golpe de sorte, arritmia inesperada. Amor é se apaixonar pelos mesmos olhos e pela mesma boca todos os dias. É gostar de rotina por saber que nela alguém lhe faz esquecer-se desses dias compridos. Ah o amor, que é a porta do espírito, é preencher o vazio do medo de ser sozinho, é acomodar-se. Amor é um nome, tem mais ou menos o tamanho de um abraço apertado, amor é sentir paz e estar em paz. É nunca roubar o que lhe pertence. E há quem diga que amor é estar com sono, mas esperar a pessoa ir dormir primeiro apenas para não perder momento algum ao lado dela, porque amor também é doar-se, amor também é um momento. Amor é ouvir um “Eu te amo” e revidar com um “Eu também te amo” e não apenas com um “Eu também”, justamente por não existir metades, todavia sim um bocado de encaixes esperando o instante certo de amoldar-se. Amor é não duvidar do destino, desafiar a morte, o amor acontece feito uma bomba implosiva de ações e reações. Amor é sonhar a dois, dançar sempre com o mesmo par. Ah esse amor, que faz agradecer todos os dias por respirar o mesmo ar, o amor esse que caminha por anos, sem resposta para as perguntas, talvez, mas quem se importa? Amor é um terminar a frase do outro, é cuidar, é importar-se. Amor é recomeçar todos os dias a mesma história e nunca enjoar dela. Ah mais amor, este que move o mundo, que muda pessoas, amor é renascer dentro de si e ficar surpreso pela batidas do coração que se parecem tanto com tambores sem ritmo. Amor é dançar sem música, escrever poesia no ar, amor é olhar o nada e lembrar-se de alguém, porque amor também é insignificância, amor é jamais esquecer. Amor é perder-se na pele do outro, decorá-la, enfeitá-la de felicidade recíproca. Amor é não hesitar. O amor nunca morre, apenas adormece. Ah o amor! É não saber nem quando, nem onde. Amor é zelo excessivo, rota de fuga das fugas. Amor é perder-se com outrem sem fazer questão de ser encontrado. O amor não tem êxito, porém urgência sim. É amar os pés, os dentes, a curva da orelha. Amor é dizer não ao peso do tempo nos ombros e viver intensamente o eterno dos dias. Amor também é esquecer-se de prever o imprevisível. Amor é perdoar o que pode ser perdoado, o justo pelo justo. É unir fio de sangue, criar raízes como a natureza e ser infinito feito ela também. O amor, ele adoça a vida, ele adoça o ser humano. Ah o amor! É a espera do que vale a pena. Amor é conquista.
E quando o amor da sua vida bater à sua porta, você não irá hesitar. Já vai saber.
Amor é nunca se arrepender.

Eu moro num quase, naquele cantinho no infinito que ninguém parece ver.
E é ali que me embriago de incertezas e rodopio numa valsa enquanto o último acorde da música exige o teu nome. Sentia-me perversa por cerrar os olhos ao mundo real, sentia-me uma causa perdida dentre tantas outras, talvez comum demais, sonhadora na mesma proporção. Gostava de ligar os pontos brilhantes das estrelas esperando que a esperança se formasse e despencasse feito chuva de fim de tarde. E era num desses devaneios que eu desejava a gente numa dessas passagens de estrelas cadentes. Elas eram tão rápidas quanto as tuas vindas e tão passageiras quanto a tua presença. Talvez eu tenha te perdido num desses horizontes de céu rosa, ou quem sabe você apenas não pertencia ao meu céu, não sei. Talvez eu tenha até te perdido para a tempestade, porque além do meu porto seguro, você era a minha calmaria. Acho te dedicaria uma orquestra de trovoadas se você quisesse. Eu sempre me desacelerei por sua causa, sempre quis que os relógios congelassem, o tempo parasse, queria guardar para mim um sorriso que só cumprimento por fotografia. E nas somas de tudo que é finito, o resultado para nós nunca será positivo, meu bem. Improvisei a vida inteira esperando pelo momento certo de te encontrar e perceber que era você o tempo todo. Mas não é você, não é? E não importam quantos muros eu piche, quantos outdoors eu espalhe pela cidade ou quantos porta-retratos comprimam o teu sorriso. Eu te perdi para um tempo que nunca tivemos. Era como se todas as belezas do mundo me traíssem e se transformassem no mundinho que nunca conhecemos. Acho que as covinhas das suas bochechas são os meus maiores traumas. E no meio da procura interminável e preguiçosa por tua loucura em outras pessoas, eu me perdia num mundo desconfortável e vazio. Lembrava então que sentia tristeza bonita ao teu lado, pelo menos eu sentia. Prometi então que você seria o meu vício só até o sol se pôr e aqui estou esperando por um solstício de carinhos teu. Enquanto me envergonho de preferir os teus cheiros aos meus perfumes, aperto os olhos com toda força como se fosse capaz de fazer as coisas voltarem para os seus respectivos lugares. A desordem é confortável no entrelaçar dos nossos sorrisos. Você dizia que tudo estava bem e, por um segundo, realmente tudo estava. Não queria ser tão clichê ao ponto de dizer que “o que é pra ser, tem que ser”, até porque essa não sou eu, este é você e nós não somos nada. E quando eu não dormia cedo para evitar a ressaca de uma noite sem tuas reclamações, eu ria sozinha lembrando o colorido da tua alma, no brilho do teu rosto, das estrelas orbitando o teu mundo de fantasia que eu mesma criei. Percebi então que jamais voltaria a ver o brilho dessas estrelas, eu nunca mais seria o motivo do brilho delas. Depois de duas puxadas de ar constatei que não esperava que a esperança despencasse do céu, eu ligava os pontinhos brilhantes justamente pra decorar o mapa do teu sorriso. Você sempre vai ser o meu “quase”, o meu cantinho do infinito que ninguém conhece. Vai ser sempre você.
Hoje não tinha estrela do céu.
E nada pareceu mudar.

sonhei contigo noite passada

Eu me perdi em algum “E viveram felizes para sempre.” que estava escrito num daqueles folhetins de rua que a gente nunca lê. Talvez eu tenha me enrolado um pouco nas definições de amor colorindo o céu de vermelho apenas para me apaixonar pelo teu todo, sei lá.
Dizem que o amor de um escritor nunca morre, e mesmo morto dentro de tudo que eu sempre achei bonito, estais por aqui, estranho. Entre tantos que me arrancaram risos estrondosos, gargalhadas vergonhosas, apenas você rouba as minhas palavras e sucumbe tudo que há de bom em mim. Sinto-me mal por não ser o teu bem, me sinto mal por você ser o meu mal, mesmo que você nem saiba disso.
Sabe menino, eu escrevo sobre tudo o que já morreu aqui dentro.
Escrevo sobre as metáforas que crio para justificar minhas fugas rumo ao infinito. Inicio da maiúscula até o ponto final milhares de tracejados que combatam a memória ruim. Bordo em palavras sobre o dia que passou, sobre as chances que perdi. Você é a minha chance perdida, você ainda está vivo em algum canto aqui celebrando carnavais. Está aqui, talvez, navegando em uma das veias, controlando um bocado de nervos. Está aqui. Por isso ainda não merece um texto meu, pois eu ainda não te esqueci.
Entrelaçávamos os dedos, porém não os planos, e eu até esquecia os infortúnios no exato momento em que as costas da tua mão direita deslizavam pelo meu rosto. Disse que me amava, e eu não entendia como os teus olhos não eram tão mentirosos quanto a tua boca. Era uma exceção entre todas as exceções, a melhor consequência, a melhor coisa que nunca tive.
Você me amou apenas uma vez. Eu te amei apenas uma vez entre todas as vezes que nunca demonstrei, mas estavam ali, gritando por uma resposta urgente, aturdidas por ouvirem os teus ecos de reciprocidade num único momento de vontades vorazes.
Vou esquecer o outono enquanto te embalo nos meus pensamentos, não existe tempo seco quando o úmido da tua saliva desconecta os meus sentidos. Barganhava o meu zelo, movia-me de acordo com os seus acordos. Ele me desarmava com dois sorrisos e duas mordidas no pescoço.
Porque até o coração vende uma imagem errada de si, não é?
Continuo sentada no muro da existência verbalizando os meus anseios, como se traduzi-los em poemas fossem me fazer voltar num tempo que nem sei ao certo se quero voltar. Quem sabe isso tudo me convença de quê eu choro poesia só para não te perder pro esquecimento, ou apenas para não me perder nos meus próprios devaneios. Embriago-me de possibilidades, rodopio em um olhar que sempre achei que fosse meu. E morro a cada vez que concordo com a cabeça baixa, a cada vez que aperto a mão do destino, engolindo a seco as coisas que poderíamos ter sido – e não fomos.
Enlouqueço aos pouquinhos quando até o moinho de vento canta o teu nome.
Andando por essas ruas não tão familiares sem a tua presença, percebo que nem eu me familiarizo mais comigo. Acho que vai ser assim que vou marcar os teus hábitos na lua e te encontrar a cada eclipse. Eu poderia ter sido o teu sol se você não preferisse as noites estreladas.

Pelo menos alguma coisa sobrou da gente.
O nosso eclipse.

E eu nunca mais te encontrei.

A verdade que eu sempre evitei.

Dizem que para tudo que olhamos ao nosso redor associamos a algo que a gente ame muito. Eu vejo palavras, um colorido de metáforas tão rápidas quanto um sonho bom. Admiro um mundo encantado no mesmo ritmo em que o bordo com as mais belas estrofes de tristeza bonita. Percebi então que até o céu ficava triste, e quando ele chorava, eu chorava junto, Quando as nuvens se esbarravam num trovão eu os descrevia na tenacidade de uma lágrima também. Chovia em minhas folhas rabiscadas de incertezas um bocado de palavras sem sentido, tempestade tenaz, sublime. Sentia amor nisso também. Então talvez, só talvez, o amor seja cego, inescrupuloso, cruel, ou quem sabe, amor seja algo grandioso, sem significado algum mesmo, algo que não podemos tocar e que nos encanta justamente pelo impossível. Talvez, por uma fração de segundos, esse impossível fosse logo ali, na segunda rua à direita. E aproveitando o embalo das impossibilidades, dos males que habitam o intocável, aproveitando a deixa dos gritos que transpiram em mim feito poema, ouso até a dizer que amor é quando eu escrevo uma poesia no céu e ela dispersa nas nuvens. Sorrio para o impossível, e também para o horizonte acompanhado dos mais belos versos que alegram os meus dias. Isso é amor, amor de poeta, doença curada com doses e mais doses de contos de fadas. Quem sabe o amor esteja nos olhos de quem vê. Quem sabe o amor que eu sinto por tudo que me remete à escrita tenha lhe moldado perfeitamente para mim assim como um perfeito dueto. E eu via amor, nas palavras, nos prédios, nas ruas. Nos muros pichados, nas árvores secas. Eu via amor em tudo o que eu podia eternizar em poesia, em tudo o que eu não podia conter. Acho que você sempre se encaixou nessa categoria, b’shert. E foi ali, no meio do fogo cruzado sem guerra que eu preparava o meu antídoto com o teu veneno. Numa puxada de ar consegui sugar todas as palavras que sempre quis te dizer, mas nunca tive coragem. Enquanto as desembaralhava e as encaixava tentando, ao menos, montar um quebra-cabeça sem sentido, questionava há quanto tempo minhas vontades estavam escritas na palma da tua mão. E eu, que sempre fui ímpar, vê via perdida nos cálculos que fariam o teu caminho cruzar com o meu. Seria tão mais fácil encontrar alguém com o teu nome, com o teu cheiro, tuas verdades. Ilusório vício de querer ser o teu vício. Seria tão mais fácil eu te encontrar, sussurrar o teu nome, apreciar o teu cheiro e ser a tua verdade. Não conta pra ninguém, mas você ainda é a minha. Tinha medo de quê outra pessoa decorasse as tuas monomanias assim como eu fiz. Tinha medo de quê você gostasse tanto desta pessoa que esquecesse as minhas também. Teu orgulho é tenaz, granada de indiferença prestes a explodir.
E eu nem ligo.
Suas asas prateadas lhe impulsionaram ao longe de onde não estou, se é que o céu é o seu lugar.
E eu nem ligo também.
Por que sei que nós vamos repetir os mesmos erros tendo em vista que os novos erros ainda estão lá prontos para serem cometidos. Vamos sumir de vista, mas nunca do coração de quem amamos. Vamos pegar o ônibus errado, rir na hora errada, acordar na cama errada, mas teremos a audácia de tentar consertar as coisas e atribuir um colorido nesta rotina tão cinza. Vamos tentar amar o que nos convém e não apenas usar o que pensamos ser o amor. E descobri-lo, sabe, re-descobri-lo e descobrir de novo. Mudar o rumo num segundo, aproveitar as horas, aproveitar as oportunidades. Vamos assumir os nossos enganos, aceitar o peso da bagagem que por obrigação ou descontentamento carregamos nas costas. Vamos sorrir com a boca mesmo quando o sentimento não dominar o espelho da alma também. Porque, uma vez eu ouvi dizer que somos reféns das nossas próprias vontades, somos linhas desconexas de impulsividade o tempo todo. Decepções são inevitáveis, mas a tristeza é opcional.

Devagar com a solidão, menino, ninguém é feliz sozinho.

Trago através dos dias os estragos que você me causou.
O cigarro resguarda o teu gosto, escondido timidamente na essência de hortelã. Cada inalar de fumaça surgia no formato das curvas do teu corpo e eu as dispersava com as mãos, evitando qualquer sinal de presença teu. Você tinha carta branca, você tinha todas as cartas, era a dona do jogo. Você foi embora e pela primeira vez eu me senti perdido, um bocado de tralha velha esquecido no canto da casa, toalha molhada jogada em cima da cama.
E foi ali que percebi, quando colocasse o pé direito porta a fora para nunca mais voltar, ali, bem na hora que as mais belas palavras engasgaram na minha garganta, foi ali que apelidei os raios de sol com o teu nome para me sentir aquecido por algum tipo de recordação tua. Depois de abaixar a cabeça, elevar as mãos aos olhos e apertá-los até acordar do pesadelo, constatei que não acordaria, pois nos sonhos ainda estarias comigo.
Foi ali, sentado com a televisão ligada, mesmo sem prestar atenção alguma, balançando os pés num ato involuntário, foi ali que reparei que até os móveis estavam enfeitiçados no teu encanto e sentiam a tua falta também. A casa permanecia assombrada com o teu gargalhar alto e as rosas do jardim murcharam sem os teus cuidados. Eu morria a cada hora sem os teus carinhos e as horas se estendiam e me sorriam, incentivando que eu pegasse o primeiro trem e lhe encontrasse onde quer que fosse. Mas você não queria a minha presença, as minhas reclamações. Você não quis quem lhe queria na eternidade de um momento.
Calava-me o tempo todo para ouvir a marcha da felicidade passando no meio da rua sem intenção alguma de me conduzir. Mordia o canto dos lábios buscando tuas manias, por mais insignificantes que fossem, só para não te perder pra memória ruim. Ainda lhe prendo nos porta-retratos junto das ironias que você jogava no chão junto com as peças de roupa, menina.
Nos intervalos da guerra brutal diária com os infortúnios, adotei um amigo chamado saudade e o tranquei num álbum de fotos preto e branco, num vaso de flores mortas que não consigo me desfazer.
Porém, vou seguindo, esquecendo uma lembrança por dia, desacelerando o coração em uma batida a cada mês. A cada respiração fico mais velho. Mas você nunca vai saber disso, menina, porque eu não existo mais na sua vida. E estás aqui, correndo através dos campos dos meus pensamentos, jovem e radiante. Ainda lembro o sabor da sua pele e o toque do vestido na minha perna enquanto lhe rodopiava naquela valsa. Não recordo o seu nome, porém o seu perfume, ah o mais belo dos perfumes, ainda sufoca os meus dias. Você puxava a minha atenção só pra si e me pegava admirado como quem observa a fotografia de uma paisagem bonita. E ainda coloco dois lugares á mesa, duas xícaras de café em cima da pia, e torço, com esperança adormecida, que venhas de imediato passar a mão em volta da minha cintura, acender um cigarro e dizer que a vida era um eco de felicidades que gritava durante os nossos encontros. Foi assim, desabotoando o meu sorriso, as camadas de tecido das minhas roupas. Foi assim, desmontando-me num olhar afetivo, indo embora com outras agonias sondando os teus olhares, foi assim que eu me apaixonei mais. Calculava o tempo em minutos até o dia que te conheci. Você era o meu tempo, o meu passatempo, rota de fuga de longos contratempos, hoje é só mais um tempo perdido dentre tudo que eu nunca disse, mas sempre pensei que você soubesse.

Para a clandestina do meu mais bonito engano.
E mais triste também.

Mesmo depois de tudo, eu ainda te desejo um arco-íris de todo mal que guardo. E me calo por todas as vezes que te bato com uma flor com medo de sentir o teu sofrimento dentre a maciez das pétalas. E não diga que nunca decorei os teus detalhes, pois os descubro em mim, ocultos pelos meus poros, tatuados em forma de poesia. Tinha o controle dos meus pensamentos quando não te avistava no horizonte das minhas vontades, o que raramente me persuadia.
Você me transformou num refém de mim mesma, sem objeções. Nas noites à toa num banco de praça, descobria você na minha cura para o tédio e até lhe encaixava na minha pasta velha de tristezas bonitas. Lembrava que o infinito era logo ali, quando eu te abraçava e ria do combustível que era o fogo dos teus olhos nos meus. Seus olhos. Eram eles cor de terra e os mais bonitos da cidade. Eram os meus olhos. Os seus olhos eram versos rimados, um poema que me vislumbrava ao ler. Eu estava ali o tempo todo, apenas mais um trançado de estrofes vagas que existia numa linha na palma da tua mão. Não me importava. Porque eu amava o imperfeito e as cores que te traziam pra mais perto, mesmo quando você fazia procurar demais por desculpas que eu nem sabia que existiam.
Ao fim, você foi embora como um cometa, um daqueles feixes luminosos que não ancoram no céu. Encontrava-me então perdida em tudo que você me disse, uma linha reta de palavras desenroladas. Aí talvez, por alguma distração, torço para que eu seja reescrita numa dessas ruas de quase-amores e suspiros inquietos. Aí talvez eu tenha sorte. Ou, quem sabe, eu nunca a embale de novo por constatar, pela milésima vez, que você também era a minha sorte, assim como a minha guerra perdida. Para as texturas que só enxergava em ti, o tempo me presenteou com as lembranças de hábitos tão teus. Este era o problema, o tempo não atrasava a minha melancolia, não retardada as minhas aflições, a escassez da tua acidez. O tempo não chorava, não contava a ti que na terça-feira passada eu não dormi por tua causa.
Foi em você, moço, que encontrei minha primeira tempestade, e ainda sinto o gosto das ondas dançando com as marés que não me tiravam do lugar. E mesmo distante, me sucumbindo, lá no horizonte, me desarmando com a indiferença. Mesmo assim, me pergunto sobre qual é a estrela que preciso pra conquistar você. Falho nas constatações, na união do existente, convencendo-me entre um ou dois soluços de quê não vai adiantar de nada multiplicar as coisas.
Trapaceei no jogo do amor e acabei perdendo os bônus de uma forma não muito bonita. Quis abraçar um mundo denso num mar de nuvens ilusórias, um inferno que não era meu. Bordo este conto em notas desafinadas enquanto o visto de maneira sutil. Pouso os olhos suavemente num ponto fixo enquanto tento encontrar meus erros numa escolha que não decidia apenas o meu rumo. Minhas palavras flutuavam até onde estavas como se soubessem exatamente para quem foram declamadas. E no intervalo de dois cigarros e quatro puxadas de ar, eu lhe tinha nas mãos, controlando as pontas dos meus dedos. Tranquei a respiração até o último ponto só pra não te perder pro suspiro de novo.
Eu vou te eternizar em literatura já que o eterno do nosso amor não durou uma primavera. Vou transformá-lo em estrofes só para não esquecer de ler a poesia e lembrar do encanto do teu riso.


Esse é o mal do poeta – pensei, vê vitrais em espelhos trincados.

A história que eu nunca quis contar.

Estava a dois anos dormindo no sofá da sala da sua vida sem previsão de me mudar ou ir embora. Desculpe o incômodo, a inconveniência e a imensa vontade de ficar por aí. Desculpa não ter tido a coragem de sair correndo porta a fora, de pular pela janela. Desculpa não entender a tua bagunça, mas mesmo assim conseguir me ajustar a ela. Não sei em qual canto você me jogou para que fosse tão facilmente esquecida, mas ainda bordo os meus sonhos nas paredes dos meus devaneios e estais nele - de algum modo. E mesmo com o mau jeito na coluna, a falta de jeito com as pilhas e mais pilhas de recordações que não consigo me desfazer, mesmo te querer não querendo, mesmo assim eu quis ficar pra te ajudar caso o teu mundo desmoronasse. Eu queria te servir de apoio, imoralidade, válvula de escape. Eu só queria te proteger num dia de tempestade, mesmo que o grito dos estrondos nunca lhe inspirasse o medo. Mas você não me deu a oportunidade de passar do sofá da sala. Estava a dois anos passando fome de novos hábitos e dormindo com as expectativas em posições desconfortáveis. E não entendia o que me prendia numa morada que não era minha, num lugar que não me pertencia. Talvez, só talvez, eu tivesse medo de te ter por perto na mesma proporção em que tenho medo de nunca mais te ver. Tenho medo dos meus limites incalculáveis quando o assunto é o nosso par. Tinha medo de pagar pra ver e me arrepender, tinha receio de não ser nada além daquele sofá. E num belo dia senti a agonia dos raios de sol tentando vencer a solidez das frestas das janelas, então percebi que a minha pele tinha urgência pelo afago quente, sede de novos imprevistos, novos infinitos. Esta, quem sabe, é a história que eu nunca quis contar. Porque mesmo depois do desfecho inesperado, do atrito entre sala e quarto, mesmo depois da convicção dos erros, do caos que arrepiava apenas os meus sussurros. Mesmo depois de dois anos, eu ainda tenho medo de que você bata na porta e saia correndo sem ao menos avisar. Ao fim, enfim. Primeiro passo porta a fora e consegui ficar extasiada com as cores que procurava em quatro paredes, sem sucesso. Senti a poesia passando por aqui insegura e frágil, guardei-a no bolso logo após sussurrar ao pé do ouvido que eu tinha uma alma ferida, cheia de espinhos e flores alternadas. Falou que dentro de mim habita uma primavera obscura feita de procuras e visitante silenciosos. E pela primeira vez fiquei com vontade de escrever histórias prontas para serem lidas, aturdidas esperando por propagação sem temor. Que as utopias nos tragam mais sorrisos do que incertezas. Que o abraço do acaso seja tão confortável quanto o esquecimento do passado. Que nada lhe impeça de sentir a barriga doer num gargalhar alto. Da história que nunca quis contar, foi tristeza até o último suspiro de sentimento bom. Não diga que eu não tentei. Acho que pela primeira vez os ventos contrários estão a favor.
E pela primeira vez eu não te quis.

Queremos outros encantos. – Pensei.
Queremos outro tempo.

aos olhos cinza

O Conto de Alice

Ele provavelmente não fazia à menor ideia de que, há algum tempo, eu havia passado por seis longos anos de aulas de dança, muito menos que em algum momento nos meus oito anos, jurei que seria a melhor professora do mundo. Ele me conhecia há tão pouco tempo, apenas sabia a cor dos meus olhos, se é que sabia. Porque eu o encarava – mesmo que inconscientemente – e via refletindo no mar cor de bronze a minha vida toda. Via um passado movediço, um futuro tão borrado quanto o presente incerto. Eu cobiçava a vontade de ser dele, de ser uma bailarina, uma professora. Eu só cobiçava. Queria abraçar o mundo num sufoco só, sem me dar conta que de ele estava me mudando e não ao contrário. E nas vezes que pensei em desistir do teu sorriso, lembrava das tantas outras vezes em que tu sussurrava meu nome no escuro como se conseguisse a proeza de fazer carinho nele. A mim me encantava a nossa poesia silenciosa, descompasso bonito de se admirar. E do dia para a noite eu não era apenas Alice, eu era a Alice do menino dos olhos cor de bronze e, sinceramente, eu nem me importava. Comparava a presença dele com uma manhã fria acompanhada de raios solares efêmeros, e num abraço, sentia a calmaria de uma noite de Natal. Acho que a felicidade tem exatamente o contorno da sua alma – de alguma forma -, acho também que nunca me imaginei feliz, mas se caso assim fosse, o imaginava do meu lado. Achava os nossos horizontes desproporcionais, nossas sinas tão distintas quanto. Não o queria pra sempre, apenas o queria por aqui, por perto. Porque descobri através dos dias sem notícia alguma que um lugar bom mesmo é aquele onde ele está. Nas horas a fio, procurando um antídoto para a falta de sossego, um equilíbrio entre o pensamento e o corpo, nas horas sem sentido, nos minutos sem ele, sem sentir o perfume tão presente na ausência, eu entrava em combate com o controle das minhas ações e o encontrava nelas também. Tinha urgência dos teus instintos persuadindo os meus, queria ouvir teus passos num rumo que você sequer cogitou conhecer. Acho que as estrelas não serão mais as mesmas sem o teu semblante, assim como as nuvens tão cinzas sem o teu disfarce. Eu nunca serei tão eu sem a parte de mim que foi embora. Num beijo salgado que nunca mais irei sentir, no desconforto das palavras que estão cansadas e querem repousar também. Eu devo ter te perdido a cada frase que nunca disse. A cada mudança de estação. Pegava-me desconsertada, olhando uma xícara quente e me perguntando o porquê de você não sentir a dor que eu sentia a cada gole que, a mim, vinha acompanhado do teu gosto. Encontrava-me desnorteada, perdendo tempo sentindo inveja de quem tu conheceste antes de mim, sentia ciúme do teu passado, das outras bocas, dos outros abraços. Desejava que você tivesse me conduzido as aulas de dança naqueles seis anos, que me incentivasse a ser a melhor professora do mundo. Desejava que você me conhecesse tempo suficiente para que já soubesse de cor os nuances dos meus olhos. Sabe, tive que me costurar na tua pele para descobrir que o teu avesso te revela muito mais, que os teus poros têm a necessidade que uma respiração desregulada que por infortúnio não é a minha. Nunca imaginei que o nosso final seria assim, uma roleta russa sem balas. Numa guerra silenciosa, sem escoriações visíveis. Eu só queria ter tido tempo de dizer que de todos os meus desamores,b’shert, você foi o mais bonito. Que a sorte te acompanhe, já que nem isso mais eu posso fazer.

A história tão bonita de fim trágico fez a menina mudar de nome, mudar de tom.
E tudo virou um amontoado de recordações. Um amontoado de causas perdidas.
Tudo virou apenas mais um conto de Alice.
Que chorou, chorou, conseguiu recolher seus pedaços e foi embora.

Inveja de Alice.

Um menino chamado...

E tentando – ela milésima vez – ter um pouco de ti nos meus contos, percebo que o perco a cada maldita palavra, as mesmas que, por birra ou consentimento, fazem um carnaval em minha mente todos os dias. Percebia então a minha falta de respeito com o destino não aceitando outras linhas tortas no meu caminho, justamente por me adaptar em tua linha, tão confusa, e conseguir me aninhar nela. Desespero, talvez. Ver-te assim, tão vivo, tão morto, tão seco, fingindo prazer no nada, letargia óbvia, consciência adormecida, olhar vazio, consegui distinguir do sonho qualquer zelo que a ti já dedique, qualquer adoração maluca que, por milhas do tempo, me acompanharam feito uma máscara de porcelana. Tinha uma boca na tua boca que não era a minha. Você provou outro gosto, outra espessura. Você arruinou qualquer possibilidade do nosso par – por mais sem sentido que fosse -, e todos os afetos que algum dia pensei em te presentear num embrulho dourado. Eu não chorei, porque, veja bem, por mais que sentisse a enxurrada de lembranças me dando pontapés no estômago, a fuga das borboletas, a vontade de verter tudo que um dia escapou junto com o sol naquele fim de tarde. Apesar das pernas bambas, do caos me consumindo, do impulso insano de sair correndo e não ver, de ficar parada e aplaudir. Apesar da inveja de quem não conheço, do sentimento de sorte por cair à ficha. Eu descobri que eu alimentava um monstro aqui dentro, o alimentava com a tua presença, que num piscar de olhos pareceu morrer. E ao final de tudo eu ainda conseguia sentir pena daquele menino ali tão amedrontado, tão vazio. Ele era só um menino. Ele era um menino tão só. Contemplei a inexatidão dos olhos que há muito me acompanhavam nas mais diversas formas de sonho. Eu admirava o medo transcendendo em silêncio, e posso até ousar ao dizer que eu sentia o cheiro do teu desespero e ele fedia. Compreendi então, num lapso, que não precisaria mover um dedo, encontrar um significado para tanto desalento ou um conforto para a tua desordem. Percebia através da nuvem negra no contorno do teu corpo que tua desconsolação iria te matar aos poucos e você iria seguir se depredando. Sumindo. Virando o pó de uma biblioteca com livros sem história alguma. E até me atrevo a dizer que Gabito Nunes lhe dedicou a frase:“Você mal deve ter uma alma, quanto mais gêmea de alguém.”. Caiu a ficha de que eu não preciso querer o mal de quem faz isso sozinho, sem precisar de alheios.Acho que você vai me acompanhar pra sempre a cada loucura, a cada gargalhada alta. Porque você preencheu um vazio em mim que eu nem sabia que existia, e agora eu me sinto vazia também. Vazia de nós. Depois de tudo, eu ainda te desejo um novo recomeço e uma nova perspectiva. Eu te desejo um infinito mais bonito, mesmo que nunca o tenha visto. Desejo nunca mais te ver de novo. E pode passar quanto tempo for, eu acho que ainda vou te dedicar os meus melhores versos.
Um menino chamado...
Desculpa, mas eu acho nem sei o teu nome direto.

“Eu espero por novos sorrisos. E quem não espera? Por novas cores, novos hábitos. Eu espero um “bom dia” de quem eu não conheço, um “dorme bem”, mesmo que eu desconheça a sensação disto também. Eu espero que a semana acabe rápido, mas que as horas felizes sejam eternas. Eu espero um dia cinza, um livro bom. Eu espero uma amnésia boa. Eu espero por não saber o que fazer. Eu espero ser a espera de alguém. Eu espero que o café não siga o meu exemplo e não esfrie também. Eu espero não tremer com um nome, que as pernas não se arrepiem com uma presença. Eu espero uma risada alta quase que o tempo todo. Eu espero me perder para me encontrar, me encontrar para me desfazer. Eu espero por dias melhores. E quem não espera? Por obras do acaso, por novos acasos. Eu espero que o meu cabelo cresça mais rápido do que as minhas paranoias e que eu mantenha a promessa de deixar as unhas crescerem assim como as minhas certezas, as quais também espero. Eu espero ganhar na loteria, viajar o mundo sozinha, aprender mandarim. Eu espero por um dia de chuva, um céu escarlate. Eu espero por nuvens tão carregadas de tristeza quanto eu só para não me sentir sozinha. Eu espero que os minutos não gritem até o tempo ensurdecer, que o tempo não se cale como a minha voz, que não se intimide com o meu silêncio e siga a diante como tem que ser. Eu espero por uma primavera cheia de flores para me lembrar que mesmo no meu desalento mais profundo, o mundo é tão exato, tão bonito. Eu espero pelo outono para me reestruturar assim como as árvores dos parques. Eu espero alguém que não me abandone por não me entender, que não me entenda e mesmo assim não consiga se desfazer de mim. Eu espero por uma adrenalina que sinto mesmo parada admirando de longe um clandestino que me faz mal. Eu espero sentir de novo a vontade chorar como a chuva , do afeto de um raio de sol. Eu espero que as guerras do meu mundo cessem. Eu espero esquecer um perfume, esquecer uma valsa e qualquer outro vestígio que impeça a liberdade do pensamento. Eu espero voar como um pássaro. E quem não espera? Por uma chance de descobrir o que ninguém nunca pensou em procurar. De curar doenças, de ouvir histórias de amor e dizer que plural é sempre bom, mesmo que isso vá contra os meus novos princípios. Eu espero um mundo bordado de pontes sólidas e olhares sinceros. Eu espero um mar que não cante os versos que eu quero esquecer. Espero novas notas nas ondas, que a areia misturada ao vento não machuque as minhas lembranças, mas que também as carregue junto da brisa contrária. Espero o verão para aliviar o pânico e me mostrar que até o tempo tem a chance de ganhar uma hora a mais, que o tempo não faz diferença pra quem não tem nada a perder. Eu espero uma madrugada tão agradável quanto um abraço inesperado. Eu espero um abraço que eu nunca senti. Eu espero que o passado não me corrompa a cada meio segundo. Espero um antídoto para a minha arritmia e para as faltas de ar. Eu só espero que o frio permaneça, mas que o gelo passe para que eu possa sentir de novo. O que, por enquanto, não me importa mais.”

“Olhar nos teus olhos e sentir as constelações dos nossos destinos se encaixando foi umas das coisas mais bonitas que já admirei na vida. Logo eu, que não prezava pelo afeto, muito menos adornava o amor, estava parada na esquina da tua casa tentando barganhar um puxado de carinho. Sem sucesso. Percebo então que você consultou os astros, mudou a rota e passa bem sem mim. Então chego em casa e sinto a nostalgia do desamor. Vasculho gavetas, prateleiras e vasos de porcelana, procurando a tua angústia tão perfeita que quero sentir também. Pra te mostrar que somos iguais, pra segurar teu coração em minhas mãos como quem pudesse quebrá-lo, fazendo de mim a vilã do acaso. Abro a geladeira, os embrulhos de inocência e sigo procurando nos cantos do porta-jóias um motivo que faça desistir de ti. Mas peco pelo excesso, vivo pelo pecado, confesso, de te querer só pra mim. Eu desdobro as roupas, mudo os móveis de lugar e tua essência não sai dali. Jogo fora o meu baú de premissas erradas, viro o lado do disco e o teu falso amor ainda cisma em me assombrar. Fico inquieta, abraço os joelhos, trago um cigarro que traz os teus gritos de histeria. A madrugada vira uma sinfonia de histórias de terror e eu assisto aos filmes me lamentando pelos erros que você cometeu. Rabisco as paredes do quarto, durmo no sofá da sala, tomo banho gelado no frio e evito qualquer lembrança das cores que só você tem. Substituo o café forte pelo chá gelado poupando a minha saliva de sentir o teu gosto. Perco-me nas ruas quando te encontro no céu azul, que adoravelmente aceitaria bordá-lo com o meu sangue para me esquivar de uma dor maior. E na metade da tarde me envolvo no impasse de recitar ao vento mil poesias desejando que, ao menos, uma delas sussurre no seu ouvido a falta que você me faz. Mas como num ciclo, elas voltam chorando pela tua distração com o caminho reto. E ao final do dia, sigo suspirando a cada hora em que os nossos segundos não se esbarram. Descubro no meu lapso o teu próprio tempo e o meu relógio batendo os pés, impacientes, aguardando tua melhor piada. Porque, ao final das contas, qualquer atenção tua regenera a minha alma cansada. À noite, entrava em casa na ponta dos pés desejando que a tristeza não despertasse. Tarde demais. A porta rangia, o assoalho acusava e o escuro me engolia com o cheiro da ausência. Eu cedia para matar a sede da saudade que só cumprimento por fotografia. Engano o jardim florido declamando baixinho que só estou ali passando para dizer à tempestade que as nuvens pretas no céu escondem o meu infinito de tristeza, e a chuva que cai, transborda as minhas lágrimas tão incertas. Esconderia o nome do culpado das noites de vendaval e até pecaria em dizer que o sol aparece quando ele caminha em minha direção com um sorriso no rosto. Benzinho, eu vou jogar você da janela do sexto andar pra te mostrar a dor que é ficar um dia sem notícias tua. A cada três passos que dou, sinto que um teu está entre eles. Só não me olhe sorrindo enquanto diz que nunca mais vai voltar. Você falou das notas dó nas poças d’água das ruas e eu pego carona nos dias de chuva só pra te ouvir de novo.”

“Escrever era tão mágico quanto um pianista sentado diante do seu instrumento musical. Assim como ele, eu também escorregava as mãos sobre o teclado. Tentava com persistência e coragem encontrar o ponto de começo ou, ao menos, a ponta do fio que desenrolava todo o resto. A mim me encantava que a primeira nota do soneto fosse a primeira consoante do teu nome, eu queria escutar tua voz em cada estrofe, o ritmo do teu coração a cada palavra. Sem sucesso. Então eu decidi redigir mil sinfonias de poemas que não fizessem do tempo um inimigo que te apagasse dos meus sonhos. E era assim, na agilidade de um pianista, que eu bombardeava o papel com palavras que gritavam as tuas manias, as mesmas palavras, as mesmas metáforas, para fixar um pouco de ti em mim. Eu queria te escutar até nos vácuos sem som, nas frases tortas. Eu queria um concerto de trás pra frente até aquele dia em que te conheci. E nos meus intervalos inertes, descobria um pouco da tua ausência pesando sobre minhas pálpebras e a ardência na garganta pelas palavras nunca proferidas. Você saiu da minha vida e foi como se eu esquecesse o meu próprio nome. Havia memorizado os hábitos repetitivos de um clandestino para assim te encontrar neles. Coloria de vermelho o cenário do desalento. Usava a poesia de caminho mais curto até o afeto das palavras, o problema é que elas queimavam e não me aqueciam. A tristeza passa. Às vezes, a gente até passeia com ela. A tristeza consegue ser boa companhia se juntar boa música, boa memória e um vinho tinto. Eu precisava de todo esse meu drama só para não te esquecer de vez, entende? Suas palavras me atingiram em cheio como se fosse um trem descarrilando e talvez eu peque pela ingenuidade da dúvida ao dizer que você me fez mal sem querer o meu mal. Eu deixei as unhas compridas, apenas para deixar uma lembrança minha no contorno das tuas costas. Você feriu o meu coração, marcou teus passos como se controlasse minha arritmia. Não venha me dizer que não foi intencional, gritava o meu nome no escuro como se quisesse me arrastar junto para aquele abismo de pouca fé. Talvez eu te ame como as milhões de vezes que eu nunca disse por não saber exatamente a hora de me desarmar. Porque, na verdade, eu não sei onde você termina pra eu começar no controle das minhas ações. Então. Permita que o destino me borde nas palmas das tuas mãos. Dispa-me com os olhos, silencia-me com a boca. Lágrimas não cabem nesse nosso dueto de uma nota só. Desabotoa os versos, os equívocos, a camada fina de tecido que separa o toque dos nossos corações. Some comigo ou some de mim.
O tempo sussurrou no teu ouvido: “Menino, você tem a si”, e tu nunca mais voltaste.
E eu parei de escutar, mas ainda sinto a melodia do teu riso.

♦ Escolheríamos as estrelas mais brilhantes do céu e caminharíamos sobre elas.

“Uma vez inventei de limpar as gavetas do meu ego e jogar fora tudo o que não trouxesse paz. Encontrei então um mar de lembranças adormecidas num cantinho empoeirado que há muito não percorria os olhos. Toquei as flores secas tentando sentir o perfume ao qual eu já esquecera a composição. Tentei dançar ao som da música, aquela que tocava quando eu te beijava, contudo não acertei os passos. Esqueci das falas, dos nossos contrastes. Lembranças não gostam de visitas, este é o preço da memória boa. As pessoas melancólicas veem as situações que já ocorreram nos mesmos lugares, agora vazios. Saudade é o preço a se pagar pelos danos. Saudade é tortura boa de sentir enquanto relembra as cenas com um sorriso no rosto. Admirava nossa foto como se pudesse sentir de novo todas as sensações que sondavam o momento. A mão dele na minha cintura chegava a causar um leve choque no mesmo local a cada vez que eu a observava. Sentia o orvalho da noite fria, a dor nos músculos da face pelo sorriso de orelha à orelha. Ria alto com o brilho dos olhos dele e me perguntava o porquê de não ter durado por muito tempo. Eu me perdia nas respostas prováveis e em tudo que um dia ele já me disse. O guardei no baú da saudade como um sonho bom meio que por brincadeira, e quando vi, já o queria sem precauções. Eu percebia, de alguma forma, que não valia à pena desistir de nós, mesmo que os nós no pensamento por muitas vezes me sufocassem. Eu não precisava de amor, mas queria o teu afeto como quem sacia a sede. Via esperança num horizonte preto e branco ao qual apelidei carinhosamente com o teu nome. E nas horas sem ti eu respirava fundo, batia os pés no chão num ritmo desenfreado, estalava os dedos, cantarolava um blues antigo. Eu queria me deparar contigo nas repetições sem sentido, nas minhas guerras, na minha ansiedade, mas apenas podia te encontrar nos erros. E se era nas falhas que ocorriam os nossos confrontos, eu sempre pecaria pra te ter por perto. E, ora veja, ele me tinha até quando eu não sabia o que querer. E quem disse que agora eu sei?
E eu ainda lembro.
O beijo dele me declamava poesias."

“Olhar nos teus olhos e até pensar que já os vi em outras vidas.”

Ficar sentada ao lado dele, apenas catando intenções no vento, era o tipo de silêncio que mais me confortava. Eu sentia o perfume cativante, mesmo na costumeira ausência. O encontrava em ruas que já havíamos frequentado de mãos dadas, assim como nos lugares aos quais já gargalhamos alto em alguma aresta do tempo.
Não o amava, tampouco o queria pra sempre.
Mas descobri nele um poderoso efeito de conseguir ser o meu “sempre” em todas as vezes que a vida me proporcionava escolhas. Ele não era daqueles cavalheiros que davam carona no guarda-chuva, muito menos do clube dos que ligavam no dia seguinte, mas eu nem me importava. Porque um sinal de vida, por mais tolo que fosse me arrepiava dos pés à cabeça. Entrei em acordo com todas as minhas sinas percebendo então que eu apreciava a companhia dele como quem saboreia uma taça vinho tinto. Sentia o peso do regresso, mas também não me importava. Fatiava o orgulho em vinte e quatro parcelas de culpa e jurava pagá-las em algum momento de sanidade. E nesses intervalos de carinho indiscreto, até parava para analisar aquelas expressões sacanas e me perguntar por onde diabos eu havia largado toda a minha sensatez. Ainda tem um pouco dele em cada verso, assim como em todas as palavras e a cada suspiro. É um imprestável, e eu não o emprestaria para mais ninguém nesse mundo.
Não o amava, tampouco o queria pra sempre.
Mas a vivacidade dele corrompia até fazer esquecer os meus critérios, os meus cuidados e as minhas leis, apenas para amenizar essa saudade que sinto o tempo todo a partir do momento em que não o vejo mais. Me desperta o desleixo de controlar as imprudências do apreço, encarar o corpo como quem se alimenta de uma presença, como quem decorou as trilhas do mau caminho em flashes de devassidão. Decorei. Anotei minuciosamente o quanto as horas voam enquanto ele me acomoda numa risada cheia de ecos. Conduto não se surpreenda, já que eu respiro ortografia, meu bem. Sou um buquê de meia composição e linhas sinuosas. Sabe também que escrevo poemas na minha pele rezando para que teus olhos corram por meu corpo sem que eu precise encarar a tua íris para soltar frases que jamais pensei dizer em voz alta. Você me ignora e continua construindo uma estrela a qual sequer pensa em morar. Eu fracasso e fico rindo feito uma tola sobre o quanto os rabiscos da parede do teu quarto me instigam. E nós nos envolvemos em um abstrato de palavras desconexas e desenhos desalinhados, eu fantasiando e você sentindo o peso do mundo real. É aí que você até esquece que eu sou a tua loira, mesmo que tantas outras tenham atravessado o teu caminho. E você é o meu moreno, e todos os meus carinhos são teus por regalia. Mas isso você já sabe...
Eu sinto que me perco quando não abraço o teu pôr do sol.
Confesso. Você me faz sentido.”

Ao clandestino.

Eu só queria te dizer que me arrependo por ser o que você nunca cogitou apreciar. Que eu me engasgo toda vez que te vejo sem rumo por aí. Que quero o mesmo rumo, mesmo não entendendo por quais caminhos tu pretende demarcar os teus passos. Escrevo-te por não saber exatamente o que fazer com esse amontoado de palavras que me despem num olhar feroz. Escrevo por vergonha ilícita de tragar saudade ao invés de amnésia. Beber doses de culpa, como se o gosto forte do álcool contracenasse com a tua saliva em uma luta brutal de engano e dívida e mesmo assim eu perdesse pra lembrança. Eu precisei esconder a tremura nas mãos, a pupila dilatada e qualquer outro sinal de fraqueza na tua última visita. Precisei costurar o meu todo em retalhos para que a minha estrutura não se rompesse. Fiz um trato com o acaso e alterei o tom do meu gargalhar. Abracei o travesseiro demoradamente como se aquele perfume me confortasse. Faz assim ó, fica parado enquanto eu passo as pontas dos dedos pelo contorno do teu nariz. Deixa eu rir daquela cicatriz no queixo, morder a ponta da tua orelha. Só fica. Fica quieto, não diz nada, eu não preciso. Só não negue um abraço a quem sente falta de se acomodar nos teus braços. Não sorria, eu nem prezo por você. Apenas finjo gostar enquanto te desejo. Apenas digo que gosto para não dizer que te amo. E foi assim. Meio sem sentido, meio torto. Eu vi numa aresta daquele sorriso algo que eu sempre quis, mas nunca pensei que pudesse existir. Eu vi num tom de pele mil tirinhas de diamantes e vibrei com a ganância e o brilho ilusório. Foi como olhar um dia nublado pela primeira vez. Conseguia sentir o cheiro de terra molhada como o aroma daqueles dias de chuva. Encontrava-me nas tempestades dos teus beijos e me adaptava nelas como se aqueles moinhos de ventania fossem feitos especialmente para mim. Assim como o perfume doce. Ao clandestino dos meus pecados, dos meus sonhos sem previsões. É como sorrir para o céu por te ver nele todas as manhãs. É negar, negar, negar. É descobrir que até as palavras usam a distração como rota de fuga. É descobrir que além do meu ontem, você também é a minha distração. É reconhecer dentre os esquecimentos que eu quero te colar nos meus amanhãs. Sim, moreno. Nas manhãs preguiçosas, estirados no sofá da sala, num domingo qualquer. Agora nem isso posso ter. Desculpa não conseguir empilhar nossos instantes numa prateleira qualquer. Desculpa esse dégradé de saudade, redemoinhos de ilusões que me alimentam e te distanciam. Eu sentia tua respiração distante, equilibrando-me na corda bamba que nos prendia, mesmo que nada te prendesse a mim agora. Desculpa não ter sido eu a pessoa que desabotoou o teu melhor sorriso.
E eu ainda te dedico os meus versos mais sinceros.

Ao clandestino.

pro dia cinza.

E se os trovões bruscos fossem palavras de calmaria
Que aos enamorados a tradução fosse uma canção de ninar
Saberiam os outros decifrar as notas dos relâmpagos por aí?
Se os trovões fossem um abraço esperando por aceitação
Um estrondo procurando seu amor no eco inóspito
Se os trovões pudessem sentir a amargura dos homens
Cairia a tempestade
Assim como lágrimas do céu
Se os flashes fossem meros sorrisos
Esperando outro sorriso
A ventania então seria quem aproxima a solidão do dia
Dia nublado, dia que não cessa
A tempestade uniria nuvens
Apaixonadas, quem sabe?
E os trovões seriam apenas fagulhas
Sinfonia de uma nota só
Até o infinito cinza atravessa o céu
De ponta a ponta feito obra-prima
O relâmpago traz nas costas o peso
O peso de não cair duas vezes no mesmo lugar
Mostrando que até o impossível
O impossível
Não tolera segunda chance
E é tudo um carnaval fúnebre
Dança mal ensaiada
Que borda o céu de tristeza
Tristeza bonita de se apreciar
Quando os trovões não são sentidos
Eles choram
E eu sou assim também
A chuva cai e eu choro junto.

E até a alma explode em tons de cinza

“Descobri por entre todos os meus receios que sou o meu pior inimigo, que não sou nada além de antecipações.
Era como se a chuva fosse do chão de encontro ao céu num avesso majestoso. Era ver tudo invertido e se adaptar nesse compasso de tristeza bonita de se sentir. Saudade não é mais um sentimento, é uma veia colocada no lugar errado, dor de cabeça por tentar se transportar para onde o tambor do pulsar grita. Mas nunca dá. Porque você se tatuou em mim e eu me costurei em nós, desate um fio e o meu todo se esvai em desatinos. Já que não almejo encanto, separo então um canto para me reinventar. Mostro-me distraída com as paredes descascadas, perguntando-me se as paredes do ego também dispunham do mesmo formato concreto, impedindo as guerras emocionais de escapulirem pelos poros feito um inundar de amargura. Só queria esculpir o teu nu em estátuas, emoldurar os sorrisos para que nunca se dissipem do brilho dos olhos. Compreender que a nudez mesmo está escondida nos detalhes que só percebo depois dos seis lances de escada e um vinho barato. Confusa, talvez. Sentindo o incenso da tua presença, antes mesmo de sentir o afago do teu corpo. Ainda confusa, desvendando a incógnita de quão o mar sabe ser tão claro quanto teus olhos, que cerram atados diante de um fecho de luz. Tua serenidade não cobiçara os meus raios solares. Mudava de opinião como quem sucumbia às fases da lua, exibia a tristeza como quem rega flores artificiais, era pesaroso gostar do colorido de algo sem vida. Era desafiador despir as palavras para que fossem aceitas sem o desconfiar de um Cavalo de Troia. Eu me entreguei de coração aberto e alma limpa para virar apenas mais uma vítima corriqueira do “não era pra ser”. Esquece o roteiro, amor. Nem o aroma do teu perfume sabe a rota da saudade, mas mesmo assim sempre volta para me assombrar. Mais forte e incomum. Um recital fresco e perigoso como a madrugada, sem ecos e sem carnaval. Paralisa os meus sentidos e me faz perceber que comum mesmo são as outras pessoas que copiam o teu cheiro. Porque eu vejo poesia a cada esquina e a brisa me presenteia com o amargo da lembrança de um afeto bom. Eu sinto o murro na cara e encaro a fragrância insípida com lágrimas nos olhos e braços abertos. Tentando, ao menos, juntar as partes do perfume que há muito não me visita e comprimi-las no coração até transformá-las num cobertor de nostalgia bonita de se apreciar. Eu vou esquecer o teu nome, inventarei um bocado de outros pseudônimos que me façam cair na tapeação de caber em um amor do tamanho de um alfinete. Que não me faça sentir o pesar da despedida ou a melancolia de uma noite mal dormida. Eu vou esquecer a tua voz, e todas as palavras um dia proferidas irão caminhar para longe junto ao vento. Vou quitar qualquer compromisso com as manhãs nubladas e esquecer os teus vestígios escritos entre as nuvens. Eu quero uma passagem só de ida, bilhete de trem sem reembolso. Quero viver da sorte e não das possibilidades que prendem meus pés no chão.”


Mas pra quê a pressa, amor?
A eternidade é na rua de baixo, logo ali virando a esquina.

O tempo foi passando, voando, virando migalhas.
Parecia que o meu corpo estava parado no mesmo lugar desde aquela última respiração profunda na praça. Era estático o efeito da paisagem bonita. Era o caos aguardar por uma companhia que virou as costas e foi embora sem contemplar a beleza das flores. E todos os dias eu admirava o verde vivo, a brisa rasteira, ansiosa para encontrar tua nota dó dentre os sussurros da ventania. Ficava sentada ali por horas, rabiscando, estrangulando o tempo. Cruzava as pernas, os braços e as ideias procurando, ao menos, uma posição confortável para as dores da alma, ou um motivo aceitável que me fizesse desviar desse caminho infindável. Percebi então o magnetismo do passado atuando como uma bússola que aponta apenas para o Norte. Descobri por entre cinco ou seis puxadas de ar que nunca fora a intenção ser o teu rumo fixo. E as possibilidades me deixavam inquieta, melodramática, desenhando cenas no vácuo como se pudesse pintar as situações e bordá-las num estado real. Chegava a roer as unhas, cantarolava sinfonias, coçava os olhos, entretanto não sentia vontade em voar pra longe. Acho que eu te procurei em todos os rostos que conheci desde o dia que te vi pela última vez. Nunca tive muita sorte na vida, mas tenho certeza que o teu gargalhar no escuro poderia facilmente ser confundido com um bilhete de loteria e isso me contentava. E ora veja, mesmo nas pausas sem graça eu ainda conseguia rir até a barriga doer pelo destino ter sido tão sacana a ponto de me fazer derreter a cada contração de intenções sutis. Tenho medo do escuro. Mas ainda lembro-me do sorriso sem esperança, sem luz que silenciava o último encontro. De quando colocou uma pulseira colorida estranha no meu pulso e deu dois nós. De quando me pegou pelas mãos, olhou no fundo dos meus olhos e disse que o amor era grande, mas o mundo era maior.Virou-me as costas e foi embora como quem sabia exatamente o que estava fazendo, como se planejasse há muito tempo. Comecei a escrever poesias sobre as cores estranhas, sobre como elas ficaram bonitas depois que ele me presenteou, sobre os dois nós. Sobre o nó no pensamento, que se transformou em nó no coração até se acomodar num clandestino nó na garganta. Ele nunca voltou à praça para pegar o que era dele por direito. Eu ou a pulseira, não sei ao certo. Arranquei-a do pulso com toda a força que tinha, joguei num canto, quis enterrar junto das flores bonitas para que o encanto nunca se perdesse. Tarde demais. Todos os dias as cores me assombram, assim como o aroma das flores, assim como o estranho corpo que imigrou ao longe. Cegueira inexpressiva. O pulso ainda pesa tanto quanto as palavras nunca ditas.
E eu escrevo em preto e branco até hoje.

“Eu queria caber num segundo teu.
Naquele sorriso bem demorado, assim como na palma da tua mão. Queria fazer parte das entrelinhas dos teus versos, entre as linhas tortas do teu caminho. Ah como eu queria! Ah como eu queria entender como consigo acomodar tanto de ti no meu um metro e sessenta e três de altura. O problema dos encontros são os desencontros ao final de tudo. E agora passo pela cena difícil te desenhar em uma máquina de escrever. Se eu te dissesse que a palavra despedida tem exatamente o formato das tuas mãos, você ficaria para mais uma valsa? Que a meia-luz da sala me incomoda. Que o sofá não está aonde eu queria nem com quem eu gostaria. Adiantaria? Prender a brisa do teu perfume em porta-retratos, o sorriso na cabeceira da cama, os teus cotovelos na mesa de jantar. Eu desabafo com a televisão ligada, trocando os canais como se fosse encontrar teu rosto em algum comercial de margarina. Bebo café para sentir teu gosto, tomo banho quente para murmurar junto ao vapor sobre as curvas do teu corpo. Descobrindo que quanto mais o tempo passa mais tudo perde a graça, que até tuas palavras eram macias e confortáveis. E acho que, sinceramente, eu me acomodaria até num “bom dia” seu. O que me consta que tenho acordado tarde para evitar esses tais “bom dia” que há muito não me confortam. Tenho também um bocado de sotaque bonito preservado no canto do ouvido ecoando na primeira hora da manhã na varanda. O chimarrão me arrepiava a nuca e eu percebia, enfim, que estava num inferno e ele era o meu próprio corpo. As lembranças eram bombas relógio, a explosão unilateral de um afeto platônico. Moreno, só queria te dizer que eu apostei todas as fichas em você e perdi. E talvez as casualidades do universo ainda te recoloquem no meu jogo. E você vem. Claro que um dia vem. Primeiro escuto os teus passos, logo após a essência do perfume, o corpo provocativo, contudo nunca a alegria das pulsões. Pergunto-me então se a tristeza lhe acompanha a qualquer segundo. Se for assim, fique por aí. A monomania de sentir a tua tristeza como um ombro amigo que me puxa para dançar em dias difíceis, que rodopia meus sentidos até eu cogitar ser algo bom. Tua tristeza acena pra mim e eu me conforto. Qualquer sensação compartilhada do teu corpo é navalha e, sinceramente, eu me acostumei com o latejar das ideias e dormência da alma. Convencendo-me, pra variar, que não é pecar errar pelo excesso, mas sim pela falta. Encarava-me com meio sorriso, dois tapas nas costas e um "Acalme-se, menina, essas consternações acontecem nas melhores almas.".
Mas e as tremuras do corpo?
Falência múltipla dos sentimentos, um AVC de remorso e o latejar do silêncio.

♦Um dia ele me disse: “Vamos ser mais do que montinhos de areia no tempo?”
E eu não fui.

“Eu acho que a gente se acerta.
Na mesma fagulha, no mesmo teto. Na correnteza contrária, no elo infinito. Num beco da vida, num banco de praça. Ah, a gente se ajeita. Num cômodo pequeno, em foto 3x4. Em ideias fúnebres, em um blues anos 60. A gente se ampara até nos desencontros. Nos contrapontos, rumo contra o tempo. A gente se restringe a uma história por dia e três sorrisos por mês. Matamos quatro lembranças e dois dragões por sonho. A gente se acerta nos erros, na curva do engano, na rota do ego, na estrada dos ensejos. Ah! Sim. E chegamos a fingir que os sentimentos suspiram como balas perdidas inesperadas, e nos enganamos, pela milésima vez, de quê somos de naipes diferentes, peças de quebra-cabeças totalmente distintos que se encaixam de vez em quando. Que não ligamos para a laceração do orgulho ou pro precipício da eternidade. Acho que a gente se acerta. Você aí e eu aqui. Evitando os olhares certos, os lugares errados, a hora hipotética apenas para não se render aos encantos de um perfume doce. E posso até cogitar que a gente se equilibra. Na solidão das queixas, no vazio ao qual o preenchimento ainda é uma incógnita. Na carência flamejante, na cama desarrumada, respiração desregulada. Percebo então a falta do xeque-mate, da surpresa que não surpreende mais, nos carinhos intermitentes. Porque eu aceito as circunstâncias da confusão para que o segredo das mordidas no pescoço continue oculto. Eu suporto o peso regresso, as sensações anacrônicas, mas nunca a risada sarcástica das despedidas que pesam os teus ombros, e nos meus olhos. E assim eu acho que a gente se acerta. Você com os olhos negros distantes e eu poetiza dissimulada. Ambos sonhadores e criminosos.
Ah, a gente se ajeita.
Quando dá, a gente até se fantasia de criadores de caso e adoradores do caos pra nunca se perder de vez.”

- Ao regresso que odeia despedida.