Da vez primeira em que me assassinaram
perdi um jeito de sorrir que tinha...
Depois, de cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Naquele dia fazia um azul tão límpido, meu Deus, que eu me sentia perdoado para sempre não sei de quê.
Poema da Gare de Astapovo
O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua...
Sentou-se ...e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Glória,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E então a Morte,
Ao vê-lo tao sozinho àquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali à sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se até não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!
Tenta Esquecer-me
Tenta esquecer-me...
Ser lembrado é como evocar
Um fantasma... Deixa-me ser o que sou,
O que sempre fui, um rio que vai fluindo...
Em vão, em minhas margens cantarão as horas,
Me recamarei de estrelas como um manto real,
Me bordarei de nuvens e de asas,
Às vezes virão a mim as crianças banhar-se...
Um espelho não guarda as coisas refletidas!
E o meu destino é seguir... é seguir para o Mar,
As imagens perdendo no caminho...
Deixa-me fluir, passar, cantar...
Toda a tristeza dos rios
É não poder parar!
Fere de leve a frase... E esquece... Nada
Convém que se repita...
Só em linguagem amorosa agrada
A mesma coisa cem mil vezes dita.
Um dia...Pronto!...Me acabo.
Pois seja o que tem de ser.
Morrer: Que me importa?
O diabo é deixar de viver.
O café é tão grave, tão exclusivista, tão definitivo
que não admite acompanhamento sólido. Mas eu o driblo,
saboreando, junto com ele, o cheiro das torradas-na-manteiga
que alguém pediu na mesa próxima.
A Coisa
A gente pensa uma coisa, acaba escrevendo outra e o leitor entende uma terceira coisa... e, enquanto se passa tudo isso, a coisa propriamente dita começa a desconfiar que não foi propriamente dita.
O Berço e o Terremoto
Os versos, em geral, são versos de embalar, como eu às vezes os tenho feito, não sei se por simples complacência... ou pura piedade.
Contudo, os verdadeiros versos não são para embalar - mas para abalar.
Mesmo a mais simples canção, quando a canta um Camela Lorca, desperta-te a alma para um mundo de espanto.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas
Atiro a rosa do sonho nas tuas mãos distraídas.
Nota: Trecho do poema Canção do dia de sempre.
...MaisA morte deveria ser assim:
um céu que pouco a pouco anoitecesse
e a gente nem soubesse que era o fim...
DOS NOSSOS MALES
A nós bastem nossos próprios ais,
Que a ninguém sua cruz é pequenina.
Por pior que seja a situação da China,
Os nossos calos doem muito mais...
Minha vida está nos meus poemas,
meus poemas são eu mesmo,
nunca escrevi uma vírgula
que não fosse uma confissão.
O Mapa
Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...
(E nem que fosse o meu corpo!)
Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...
Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)
Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)
E talvez de meu repouso...
EU QUERIA TRAZER-TE UNS VERSOS MUITO LINDOS
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
como
uma pobre lanterna que incendiou!
Eu ouço música
como quem apanha chuva:
resignado
e triste
de saber que existe um mundo
do Outro Mundo...
Eu ouço música como
quem está morto
e sente
já um profundo
desconforto
de me verem
ainda neste mundo de cá...
Perdoai,
maestros,
meu estranho ar!
Eu ouço música
como um anjo doente
que não pode voar.