Luiselza Pinto
A vida nos traz o doce e imponderável mimo de conhecer algumas pessoas; e, às vezes, a vida forja a ilusão de que as leva, momento em se pode medir se a sensação do presente recebido é uma realidade maior que a suposta ausência deste.
Menos ruim é a decepção que não tarda, pois ela tende a iluminar a razão e diminuir a perda de tempo com inutilidades.
Se teus pensamentos forem 99,9999999999 públicos, darás às pessoas a possibilidade de optarem pela tua presença; ou ausência. Economizarás o espaço-tempo delas; e o teu. E os extremamente raríssimos punhais que se aproximarão das tuas costas virão muito suaves e sempre à luz do dia. Jamais te percas no medo daquilo que é somente o investimento em liberdade.
Mesma régua, duas possibilidades: Numa extremidade, o paraíso; no outro lado, o inferno. Quanto mais o ser opta pela potencialização do que é, mais ele se aproxima do paraíso; quanto mais o estar se deixa impor pelo que não lhe cabe inatamente, mais ele caminha em direção ao inferno.
Desperdício é aquilo que se deve, pode e se quer evitar em pensamentos, mas não se evita. Imprudência é aquilo que se deve, pode e se quer impedir em palavras, mas não se impede. E loucura é aquilo que se deve, pode e se quer evadir em ações, mas não se evade.
Quando um sentimento se baseia numa memória que é maior que a história, é preciso muito cuidado para que a lembrança permanente não se transforme numa dor crônica ou num pedido sem objeto e objetivo.
Estranha vida em que se pode ir várias vezes aos mesmos lugares; e regressar somente a um... Não, não, não. Se é único, não é a um que se retorna; é para um que se volta.
A fatura do amor que nunca acabou, se enviada com atraso, ainda que seja fato que não decai e nem prescreve, pode ser parcialmente paga através da geografia; muito dificilmente pela integralidade da história.
Assim como a Terra, o Sol e a Lua, às vezes se colinearizam no horizonte, um dia as razões para voltar e os motivos para permanecer podem se alinhar, pois a amplitude e a profundidade não são mutuamente excludentes.
Para que a existência ou a vida pudessem se afastar continuamente do repetir(-se), necessário seria que a Terra não volvesse; ou fosse chã. Mas a Terra gira; e não é plana. Assim sendo, o seguir em frente é, mais cedo ou mais tarde, um (re)encontro parcial do outro mesmo alguém com as mudanças do parecido.
Quando se tem uma única opção, a inevitabilidade vem antes da (eventual) confiança. Quando são várias as alternativas, a certeza deve ter cuidado com os ruídos da imposição.
A vontade consciente é incapaz de impedir que, pensando no alimento, alguém salive. Mas é a razão que compreende que a vida deve ser maior que o anseio de toda loucura.
É impossível estar em dois lugares ao mesmo tempo; mas não é impossível estar em dois lugares antes da medição válida do tempo.
Quando um pedaço de madeira ou papel queima, é possível escutar-lhes um mínimo som; parte da energia vinda da combustão é convertida em energia sonora. Quando o hidrogênio se funde em hélio, e este processo emite a energia luminosa do sol, ainda que exista algum som envolvido, é impossível ouvi-lo, pois o som somente se propaga nos meios materiais e não atravessa o vácuo que se medeia do Astro Rei à Terra. A luz do sol é, também, uma expressão do silêncio. Assim são algumas pessoas que apenas estão na memória: É plausível captá-las, em luz, na memória; mas não é factível ouvir-lhes os sorrisos, as palavras, as angústias e os lamentos. Até mesmo o evocar parece ser predominantemente de imagem e disto se trança que há presentes, com ou sem presenteados.
Cessadas as causas reais da aflição, a lembrança da sensação dolente apenas perdura através da incompreensão do fato ou da percepção de inutilidade da dor sofrida.
O português escrito pode (e às vezes deve) ser corrigido, mas a tese defendida verbalmente e carregada de impropriedades gramaticais é um erro que se prolata no tempo e que fica à espera da prescrição ou do esquecimento.
Muito pouco ou quase nada é capaz de mudar as decisões que foram tomadas antes de qualquer coisa existir. Melhor deixar os rios correrem, pois, adiante, todas as águas se reencontrarão no mesmo Oceano.
Um único momento não deve consumir todas as sensações e energias de uma vida, pois é inútil a máxima profundidade quando não se percebe um mínimo da largueza do Oceano.
Que a vida substitua os "as" inúteis: Não é "a" de arrependimento; é "a" de aprendizado. Não é "a" de angústia; é "a" de alegria. Não é "a" de adeus; é "a" de amanhã...
Quando uma doença grave se instala de forma óbvia, impossível viver isolado dela. Mas, se a cura completa chega, nasce outra luta: Preencher com opções conscientes e intensas tudo que a enfermidade ocupava como imposição.
Aquele que abandona o barco que, de modo consciente, desejoso e irreversível, abdicou de si mesmo, não é um rato; é um ser que tem a lucidez, intuição ou comando biológico de que os organismos vivos estão estruturados para buscar o máximo tempo da melhor vida possível.