Jean-Jacques Rousseau
Apressaram-se tanto em levar ao cúmulo a medida de minha miséria que todo o poder humano, auxiliado por todas as astúcias do inferno, não teria mais nada a acrescentar. A própria dor física, em vez de aumentar meu sofrimento, me distrairia; ao arrancar-me gritos, talvez me poupasse das lamúrias, e os dilaceramentos de meu corpo suspendessem os de meu coração.
Tudo que é exterior a mim me é agora estranho. Não tenho mais neste mundo nem próximo, nem semelhantes, nem irmãos. Encontro-me na Terra assim como num planeta estrangeiro, no qual eu teria caído daquele que habitava.
O hábito de refletir sobre mim mesmo finalmente me fez perder o sentimento e quase a recordação de meus males; descobri, assim, por minha própria experiência, que a fonte da verdadeira felicidade está em nós e que não depende dos homens tornar realmente miserável aquele que sabe querer ser feliz.
A experiência sempre instrui, admito, mas serve apenas para o espaço que se tem diante de si. No momento em que se deve morrer, é tempo de aprender como se deveria ter vivido?
Quanto a mim, quando desejei aprender, era para adquirir conhecimento, e não para ensinar; sempre acreditei que, antes de instruir os outros, era preciso começar sabendo o suficiente para si.
Aquele cujo poder o situa acima do homem deve pairar acima das fraquezas da humanidade, sem o que esse excesso de força servirá apenas para efetivamente situá-lo abaixo dos outros e do que ele mesmo teria sido caso tivesse permanecido seu igual.
Jamais acreditei que a liberdade do homem consistisse em fazer o que ele quer, e sim em nunca fazer o que não quer, e é isso que sempre reivindiquei, frequentemente conservei e pela qual mais escandalizei meus contemporâneos.
Nunca encontrei verdadeiro encanto nos prazeres do espírito senão perdendo inteiramente de vista o interesse de meu corpo.
Nunca medito ou sonho mais deliciosamente do que quando me esqueço de mim mesmo.
A infâmia e a traição me apanharam de surpresa. Que alma honesta está preparada para tais espécies de sofrimentos? Seria preciso merecê-los para prevê-los.
A presença do homem odioso me afeta violentamente, mas assim que ele desaparece, a impressão cessa; no instante em que deixo de vê-lo, paro de pensar nele. Por mais que eu saiba que ele se preocupará comigo, eu não poderia preocupar-me com ele.
Existe algum gozo mais doce do que o de ver um povo inteiro entregar-se à alegria num dia de festa, e todos os corações desabrocharem aos raios expansivos do prazer que passa rápida porém intensamente, através das nuvens da vida?
As crianças não apreciam a velhice. O aspecto da natureza abatida é hediondo aos seus olhos.
Dizem que, na Holanda, o povo recebe dinheiro para dizer a hora e mostrar o caminho. Deve ser um povo bastante desprezível esse que comercializa assim os mais simples deveres da humanidade.