Fernando Pessoa

Fernando Pessoa

Poeta português
426 - 450 do total de 946 pensamentos de Fernando Pessoa

Horóscopo de mulher

O carácter é um pouco egoísta, independente, teimoso e autoritário (sobretudo para os inferiores sociais), se bem que estas qualidades sejam compensadas por qualidades sociais intensas e efusivas. Há uma acentuada ambição, sobretudo social, uma forte intuição das coisas práticas, e um grande poder de dominar, uma grande força de vontade e tenacidade. Isto apesar de ser fácil de zangar, impulsiva, tendente a ir até ao exagero em tudo, tanto que muitas vezes terá de se arrepender de actos impulsivos, cujas consequências nem sempre serão agradáveis. A excitabilidade nervosa é grande e deve sempre evitar coisas que a preocupem e tudo quanto possa incidir sobre os nervos, sobretudo as emoções muito fortes, que não tem a resistência precisa para suportar. Há uma certa propensão para a tristeza, que pode às vezes chegar até à melancolia, isto muito embora haja uma grande disposição para tudo quanto representa passatempo e diversões. Em todo o caso, há muita espontaneidade e sinceridade e uma grande impressionabilidade às coisas da vida social.

O espírito é engenhoso, imaginativo, sempre irrequieto, com facilidade em arranjar soluções para as dificuldades que lhe possam surgir, e é ao mesmo tempo preocupado e instável, sendo, porém, no fundo, intenso e violento em tudo. Há uma grande dose de subtileza e diplomacia feminina.

Fernando Pessoa
Pessoa inédito. Lisboa: Livros Horizonte, 1993.

A caixa que não tem tampa
Fica sempre destapada
Dá-me um sorriso dos teus
Porque não quero mais nada.

São as minhas confissões, e, se nelas nada digo é que nada tenho que dizer.

Seja onde estiver e a monotonia da vida cotidiana será para mim como a recordação dos amores que me não foram advindos ou dos triunfos que não haveriam de serem meus.

Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado . Cada um me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda a razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou um via um lado das coisas e outro um lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro. Mas cada um via uma coisa diferente, e cada um portanto, tinha razão.
Fiquei confuso desta dupla existência da verdade.

Fernando Pessoa
Obra Poética

Tudo o que faço ou medito
Fica sempre na metade.
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.

Que nojo de mim me fica
Ao olhar para o que faço!
Minha alma é lúcida e rica,
E eu sou um mar de sargaço.

Uma flor acaso tem beleza?

Tem beleza acaso um fruto?

Não: têm cor e forma
E existência apenas.

A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe

Que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão.

Não significa nada.

Então por que digo eu das coisas: são belas?

(Alberto Caeiro)

Fernando Pessoa
O Guardador de Rebanhos

Tão abstrata é a idéia do teu ser que me vem de te olhar, que, ao entreter os meus olhos nos teus, perco-os de vista.

Mas penso ser tanta coisa! E há tantos que pensam ser a mesma coisa que eu penso que sou que não pode haver tantos.

Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

O coração, se pudesse pensar, pararia.

Fernando Pessoa
SOARES, Bernardo. Livro do Desassossego. Lisboa: Ática, 1982.

Ama como ama o amor

Inserida por irazinha77

Se estou só, quero não estar,
Se não estou, quero estar só,
Enfim, quero sempre estar
Da maneira que não estou.

Ser feliz é ser aquele.
E aquele não é feliz,
Porque pensa dentro dele
E não dentro do que eu quis.

A gente faz o que quer
Daquilo que não é nada,
Mas falha se o não fizer,
Fica perdido na estrada

Minha Vida é Feita de tristezas felicidades e ao mesmo tempo amor

O amor quando se revela

Inserida por Ticalacatica

Teus medos tinham coral e praias e arvoredos.

Sou um evadido.
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.

Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser
Por que não se cansar?

Minha alma procura-me
Mas eu ando a monte,
Oxalá que ela
Nunca me encontre.

Ser um é cadeia,
Ser eu é não ser.
Viverei fugindo
Mas vivo a valer.

Há tanta coisa que, sem existir,
Existe, existe demoradamente,
E demoradamente é nossa e nós...
Por sobre o verde turvo do amplo rio
Os circunflexos brancos das gaivotas...
Por sobre a alma o adejar inútil
Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo.
Dá-me mais vinho, porque a vida é nada.

Eu não sei senão amar-te,
Nasci para te querer.
Ó quem me dera beijar-te,
E beijar-te até morrer.

Fernando Pessoa
Poemas de Fernando Pessoa

Onde Pus a Esperança

Onde pus a esperança, as rosas
Murcharam logo.
Na casa, onde fui habitar,
O jardim, que eu amei por ser
Ali o melhor lugar,
E por quem essa casa amei -
Decerto o achei,
E, quando o tive, sem razão para o ter

Onde pus a feição, secou
A fonte logo.
Da floresta, que fui buscar
Por essa fonte ali tecer
Seu canto de rezar -
Quando na sombra penetrei,
Só o lugar achei
Da fonte seca, inútil de se ter.

Para quê, pois, afeição, esperança,
Se tê-las sabe a não as ter?
Que as uso, a causa para as usar,
Se tê-las sabe a não as ter?
Crer ou amar -
Até à raiz, do peito onde alberguei
Tais sonhos e os gozei,
O vento arranque e leve onde quiser
E eu os não possa achar!

Tenho Dó das Estrelas

Tenho dó das estrelas
Luzindo há tanto tempo,
Há tanto tempo…
Tenho dó delas.

Não haverá um cansaço
Das coisas,
De todas as coisas
Como das pernas ou de um braço?

Um cansaço de existir,
De ser,
Só de ser,
O ser triste brilhar ou sorrir…

Não haverá, enfim,
Para as coisas que são,
Não morte, mas sim
Uma outra espécie de fim,
Ou uma grande razão –
Qualquer coisa assim
Como um perdão?

Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.

(...)
Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.

D. SEBASTIÃO, Rei de Portugal...

Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

Nada me o abismo deu ou o céu mostrou.
Só o vento volta onde estou toda e só,
E tudo dorme no confuso mundo.

Inserida por haflor

O Guardador de Rebanhos

V

Há metafísica bastante em não pensar em nada.

O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que ideia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o Sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o Sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do Sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do Sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?

«Constituição íntima das coisas»...
«Sentido íntimo do Universo»...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em coisas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

Pensar no sentido íntimo das coisas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo dos coisas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.

Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me: Aqui estou!

(...)