Versos de Comedia
Ah, se eu pudesse dizer tudo que tenho trancado aqui no peito.
Mas não posso.
Eu não posso nem chorar.
Eu acho que, se eu chorasse, iam sair pedras dos meus olhos.
É sempre no passado aquele orgasmo,
é sempre no presente aquele duplo,
é sempre no futuro aquele pânico.
É sempre no meu peito aquela garra.
É sempre no meu tédio aquele aceno.
É sempre no meu sono aquela guerra.
É sempre no meu trato o amplo distrato.
Sempre na minha firma a antiga fúria.
Sempre no mesmo engano outro retrato.
É sempre nos meus pulos o limite.
É sempre nos meus lábios a estampilha.
É sempre no meu não aquele trauma.
Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim meu inimigo.
E sempre no meu sempre a mesma ausência.
São demais os perigos desta vida
Para quem tem paixão principalmente
Quando uma lua chega de repente
E se deixa no céu, como esquecida
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher...
Nota: Trecho do soneto de Corifeu, que faz parte da peça "Orfeu da Conceição"
"Fome e sede de justiça" não significa você querer punir os maus, mas esforçar-se para não fazer o mal a ninguém. É só isso - e tudo isso.
Um inimigo derrotado que nos estende a mão da concórdia torna-se com frequência nosso melhor amigo.
Adeus, Meus Sonhos!
Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!
Misérrimo! votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto...
E minh’alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.
Que me resta, meu Deus?!... morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já que não levo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!
Amo-te como o vinho e como o sono,
Tu és meu copo e amoroso leito...
Mas teu néctar de amor jamais se esgota,
Travesseiro não há como teu peito.
Nota: Trecho do poema "A Lagartixa"
Meu pobre coração que estremecia,
Suspira a desmaiar no peito meu;
Para enchê-lo de amor, tu bem sabia.
Bastava um beijo teu!
Humano eu sou assim: virtudes e limites, se agora me permites eu aprendo ser feliz,
sem prender-me ao que não fiz, mas olhando o que é possível.
SONETO VII
Ardor em firme coração nascido!
Pranto por belos olhos derramado!
Incêndio em mares de água disfarçado!
Rio de neve em fogo convertido!
Tu, que em um peito abrasas escondido, (*?) Tu, que em ímpeto abrasas escondido,
Tu, que em um rosto corres desatado,
Quando fogo em cristais aprisionado,
Quando cristal em chamas derretido.
Se és fogo como passas brandamente?
Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai! Que andou Amor em ti prudente.
Pois para temperar a tirania,
Como quis, que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu, parecesse a chama fria.
Mandai-me Senhores, hoje
que em breves rasgos descreva
do Amor a ilustre prosápia,
e de Cupido as proezas.
Dizem que de clara escuma,
dizem que do mar nascera,
que pegam debaixo d’água
as armas que o amor carrega.
O arco talvez de pipa,
a seta talvez esteira,
despido como um maroto,
cego como uma toupeira
E isto é o Amor? É um corno.
Isto é o Cupido? Má peça.
Aconselho que não comprem
Ainda que lhe achem venda
O amor é finalmente
um embaraço de pernas,
uma união de barrigas,
um breve tremor de artérias
Uma confusão de bocas,
uma batalha de veias,
um reboliço de ancas,
quem diz outra coisa é besta.
A Cruz sagrada seja minha Luz
Não seja o Dragão meu guia
Retira-te Satanás
Nunca me aconselhes coisas vãs
É mal o que tu me ofereces
Bebe tu mesmo do teu veneno
Verdadeiro valor não dão à gente;
Essas honras vãs, esse ouro puro
melhor é merecê-los sem os ter
que possuí-los sem os merecer.
Um dia nossos filhos verão aquelas fotografias e perguntarão:
quem são aquelas pessoas?
diremos que eram nossos amigos
E isso vai doer tanto...
Alguém
Alguém me levou de mim
Alguém que eu não sei dizer
Alguém me levou daqui.
Alguém, esse nome estranho.
Alguém que eu não vi chegar
Alguém que eu não vi partir
Alguém, que se alguém encontrar,
Recomende que me devolva a mim.
Anjos do Céu
As ondas são anjos que dormem no mar,
Que tremem, palpitam, banhados de luz...
São anjos que dormem, a rir e sonhar
E em leito d'escuma revolvem-se nus!
E quando de noite vem pálida a lua
Seus raios incertos tremer, pratear,
E a trança luzente da nuvem flutua,
As ondas são anjos que dormem no mar!
Que dormem, que sonham- e o vento dos céus
Vem tépido à noite nos seios beijar!
São meigos anjinhos, são filhos de Deus,
Que ao fresco se embalam do seio do mar!
E quando nas águas os ventos suspiram,
São puros fervores de ventos e mar:
São beijos que queimam... e as noites deliram,
E os pobres anjinhos estão a chorar!
Ai! quando tu sentes dos mares na flor
Os ventos e vagas gemer, palpitar,
Por que não consentes, num beijo de amor
Que eu diga-te os sonhos dos anjos do mar?
Amor foi feito para amar
Perdão foi feito pra se dar
Não semeie pra colher depois, o tal ressentimento.
A Uma Que Lhe Chamou “Pica-flor”
Se Pica-flor me chamais
Pica-flor aceito ser mas resta agora saber
se no nome que me dais
meteis a flor que guardais
no passarinho melhor.
Se me dais este favor
sendo só de mim o Pica
e o mais vosso, claro fica
que fico então Pica-flor.
E sou já do que fui tão diferente
Que, quando por meu nome alguém me chama,
Pasmo, quando conheço
Que ainda comigo mesmo me pareço.
Aula de piano
Depois do almoço na sala vazia
A mãe subia pra se recostar
E no passado que a sala escondia
A menininha ficava a esperar
O professor de piano chegava
E começava uma nova lição
E a menininha, tão bonitinha
Enchia a casa feito um clarim
Abria o peito, mandava brasa
E solfejava assim:
Ai, ai, ai
Lá, sol, fá, mi, ré
Tira a não daí
Dó, dó, ré, dó, si
Aqui não dá pé
Mi, mi, fá, mi, ré
E agora o sol, fá
Pra lição acabar
Diz o refrão quem não chora não mama
Veio o sucesso e a consagração
Que finalmente deitaram na fama
Tendo atingido a total perfeição
Nunca se viu tanta variedade
A quatro mãos em concertos de amor
Mas na verdade tinham saudade
De quando ele era seu professor
E quando ela, menina e bela
Abria o berrador
Ai, ai, ai,
Lá, sol, fá, mi, ré
Dedicatória:
Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas.
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