Poemas curtos de Clarice Lispector
De algum modo cada um de nós oferecia sua vida a uma impossibilidade. Mas era verdade também que a impossibilidade terminava por ficar mais perto de nossos dedos que nós mesmos, pois a realidade pertence a Deus.” Martim pensou depois que temos um corpo e uma alma e um querer e os nossos filhos – e no entanto o que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós.
Carnaval era meu, meu. No entanto, na realidade, eu dele pouco participava.
Nota: Trecho do conto Restos do Carnaval.
...MaisTudo o que mais valia exatamente ela não podia contar. Só falava tolices com as pessoas.
Minha coragem foi a de um sonâmbulo que simplesmente vai.
Mas a nostalgia do presente. O aprendizado da paciência, o juramento da espera. Do qual talvez não soubesse jamais se livrar.
Sinto que viver é inevitável.
Comecei a mentir por precaução, e ninguém me avisou do perigo de ser tão precavida; porque depois nunca mais a mentira descolou de mim. E tanto menti que comecei a mentir até a minha própria mentira. E isso – já atordoada eu sentia – isso era dizer a verdade. Até que decaí tanto que a mentira eu a dizia crua, simples, curta: eu dizia a verdade bruta.
Eu também queria escrever, e seriam duas ou três linhas, sobre quando uma dor física passa. De como o corpo agradecido, ainda arfando, vê a que ponto a alma é também o corpo.
Eu só escrevo quando eu quero, eu sou uma amadora e faço questão de continuar a ser amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever, ou então em relação ao outro. Agora, eu faço questão de não ser profissional, para manter minha liberdade.
Escrevendo, pelo menos eu pertencia um pouco a mim mesma.
Não se preocupe comigo. Eu sou muito feliz.
Redondo sem início e sem fim, eu sou o ponto antes do zero e do ponto final.
Para não se traírem eles ignoravam que hoje era ontem e haveria amanhã.
É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é.
Por que quero fazer de mim um herói? Eu na verdade sou anti-heroica. O que me atormenta é que tudo é "por enquanto", nada é "sempre".
E morre-se, sem ao menos uma explicação. E o pior – vive-se, sem ao menos uma explicação.
E eis que de repente agora mesmo vi que não sou pura.
Por te falar eu te assustarei e te perderei? mas se eu não falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia.
Com exceção de uns poucos, todos têm medo de mim como se eu mordesse.
Sem uma palavra. Mas teu prazer entende o meu.
