Versos de Clarice Lispector
Bom, agora eu morri. Mas vamos ver se eu renasço de novo. Por enquanto eu estou morta. Estou falando do meu túmulo.
Eu venho de uma longa saudade. Eu, a quem elogiam e adoram. Mas ninguém quer nada comigo. Meu fôlego de sete gatos amedronta os que poderiam vir. Com exceção de uns poucos, todos têm medo de mim como se eu mordesse. Nem eu nem Ulisses mordemos. Somos mansos e alegres, e às vezes latimos de raiva ou de espanto. Eu escondo de mim o meu fracasso. Desisto. E tristemente coleciono frases de amor. Em português é “eu te amo”. Em francês – “je t’aime”. Em inglês – “I love you”. Em italiano – “io t’amo”. Em espanhol – “yo te quiero”. Em alemão – “Ich liebe dich”, está certo? Logo eu, a mal-amada. A grande decepcionada, a que cada noite experimenta a doçura da morte.
Incompetente para a vida. Faltava-lhe o jeito de se ajeitar. Só vagamente tomava conhecimento da espécie de ausência que tinha de si em si mesma. Se fosse criatura que se exprimisse diria: o mundo é fora de mim, eu sou fora de mim.
Ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.
(...) ele se arriscou à penosa acrobacia de voar desajeitado. Boquiaberto, olhou em torno porque certos gestos se tornam aterrorizantes na solidão, com um valor final neles mesmos. Quando um homem cai sozinho num campo não sabe a quem dar a sua queda.
Ela era antes uma mulher que procurava um modo, uma forma. E agora tinha o que na verdade era tão mais perfeito: era a grande liberdade de não ter modos nem formas.
Que minha solidão me sirva de companhia, que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Nota: Adaptação de trecho do livro "Um sopro de vida".
Escrevo com o corpo. E o que escrevo é uma névoa úmida.
Muito elogio é como botar água demais na flor. Ela apodrece.
E, se você me achar esquisita, respeite também. Até eu fui obrigada a me respeitar.
Mas sentimentos são água de um instante. Em breve – como a mesma água já é outra quando o sol a deixa muito leve, e já outra quando se enerva tentando morder uma pedra, e outra ainda no pé que mergulha.
Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. (...) Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.
Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda.
Cuidado com suas preocupações, dizem que dá ferida no estômago.
O dia corre lá fora à toa e há abismos de silêncio em mim.
Mas não havia nela miséria humana. É que tinha em si mesma uma certa flor fresca. Pois, por estranho que pareça, ela acreditava. Era apenas fina matéria orgânica. Existia. Só isto. E eu? De mim só se sabe que respiro.
E falo bem baixo para que os ouvidos sejam obrigados a ficar atentos e a me ouvir.
Estou absolutamente cansado de literatura; só a mudez me faz companhia. Se ainda escrevo é porque nada mais tenho a fazer no mundo enquanto espero a morte. A procura da palavra no escuro. O pequeno sucesso me invade e me põe no olho da rua. Eu queria chafurdar no lodo, minha necessidade de baixeza eu mal controlo, a necessidade da orgia e do pior gozo absoluto. O pecado me atrai, o que é proibido me fascina.
Estrela perigosa – Rosto ao vento – marulho e silêncio – leve porcelana – templo submerso – trigo e vinho – Tristeza de coisa vivida – árvores já floresceram – o sal trazido pelo vento – conhecimento por encantação – Esqueleto de idéias – Ora pro nobis – Decompor a luz – Mistério de estrelas – Paixão pela exatidão – Caça aos vagalumes. Vagalume é como orvalho – Diálogos que disfarçam conflitos por explodir – Ela pode ser venenosa como às vezes o cogumelo é.
No obscuro erotismo de vida cheia – nodosas raízes. Missa negra, feiticeiros. Na proximidade de fontes, lagos e cachoeiras braços e pernas e olhos, todos mortos se misturam e clamam por vida.
Sinto falta dele como se me faltasse um dente na frente: excrucitante.
Que medo alegre, o de te esperar.
