Versos de Clarice Lispector
Como eu não sabia o que era, então “não ser” era a minha maior aproximação da verdade: pelo menos eu tinha o lado avesso: eu pelo menos tinha o “não”, tinha o meu oposto. O meu bem eu não sabia qual era, então vivia com algum pré-fervor o que era o meu mal.
Só agora sei que eu já tinha tudo, embora do modo contrário: eu me dedicava a cada detalhe do não. Detalhadamente não sendo, eu me provava que – que eu era.
Embora às vezes grite: não quero mais ser eu!! mas eu me grudo a mim e inextricavelmente forma-se uma tessitura de vida.
Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada.
(...) tem toda a iluminação feérica – e ao mesmo tempo que se habitua lenta e muda e majestosa e delicadíssima e fatal – em ser mulher – é modesta demais para sê-lo, é fugaz demais para ser definida. Ela me contou que na rua dirigiu-se a um guarda – e explicou que assim fez porque ele devia saber das coisas e ainda por cima estava armado, o que infunde respeito a ela. Falou assim para o guarda: o senhor pode me informar, por obséquio, quando começa a primavera?
Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram.
Nota: Trecho da crônica Por não estarem distraídos.
...MaisÉ que tudo o que eu tenho não se pode dar. Nem tomar. Eu mesma posso morrer de sede diante de mim. A solidão está misturada à minha essência...
Eu que não me lembrara de lhe avisar que sem o medo havia o mundo.
Minha liberdade então se intensificou um pouco mais, sem deixar de ser liberdade.
Eu me trato como as pessoas me tratam, sou aquilo que de mim os outros veem.
Bem, e daí? Daí, nada. Quanto a mim, autor de uma vida, me dou mal com a repetição: a rotina me afasta de minhas possíveis novidades.
Sei que ele não exige que eu faça sentido ou me explique.
Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens.
É difícil compreender e amar o que é espontâneo e franciscano. Entender o difícil não é vantagem, mas amar o que é fácil de se amar é uma grande subida na escala humana. Quantas mentiras sou obrigada a dar. Mas comigo mesma é que eu queria não ser obrigada a mentir. Senão, o que me resta?
Desde já calculo que aquilo que de mais duro minha vaidade terá de enfrentar será o julgamento de mim mesma: terei toda a aparência de quem falhou, e só eu saberei se foi a falha necessária.
Sou assombrada pelos meus fantasmas, pelo que é mítico e fantástico – a vida é sobrenatural. (...) Antes de me organizar tenho que me desorganizar internamente. Para experimentar o primeiro e passageiro estado primário de liberdade. Da liberdade de errar, cair e levantar-me.
Quanto ao resto, ladies e gentlemen, eu me calo. Só não conto qual é o segredo da vida porque ainda não aprendi. Mas um dia eu serei o segredo da vida. Cada um de nós é o segredo da vida e um é o outro e outro é um.
Não sei como se faz outra cara. Mas é só na cara que sou triste porque por dentro eu só até alegre. É tão bom viver, não é?